A VIAGEM DE HENRI.

Ainda sonolento, Henri chegou à estação ferroviária com uma certa antecedência. Num lento giro, observou à seu redor à procura de seu irmão mais velho. Haviam tratado o encontro na véspera,ainda no hospital, e seu irmão, sempre atencioso, se prontificou a acompanha-lo na viagem que haveria de concluir.

Enquanto aguardava a chegada de seu acompanhante, ficou a meditar sobre sua terra natal, destino da viagem de logo mais. Tentava à custo recordar paisagens, os moradores, os amigos de outrora, mas eram poucas - senão nenhuma - as imagens que lhe vinham à cabeça. Pensou em seu pai... velho boêmio, que tanto trabalho déra à sua mãe logo no início do casamento. Lembrava-se das injúrias proferidas pela matrona quando o velho chegava altas horas em casa. Entretanto, sentia que tudo aquilo não passava de cenas necessárias que sua mãe mecanicamente tinha de realizar para mostrar ao marido que, apesar de tolerar tudo aquilo, não era de sua aceitação. E sua mãe... ah! que saudades daquela comidinha feita com todo o capricho no velho fogão à lenha. Do "pingado" acompanhado com pão - feito pela própria dona Lucila - quentinho, saido do forno de barro. Eram épocas de "vacas magras"... mas quanta saudade...

-Demorei-me? Perguntou Nardo, chegando, como sempre, de mansinho.

-Não. Chegou a tempo de me acompanhar em minhas lembranças.

Num rápido discurso, relatou ao irmão as saudades de um passado que, por um certo constrangimento, negou-se a comentar que estava num estranho esquecimento.

Não tardou para que uma composição à vapor se aproximasse da estação. Um tanto quanto ancioso, Henri perguntou ao irmão de onde aquela velha locomotiva havia surgido, no que Nardo, com um sorriso de experiência - daqueles que nossos irmãos mais velhos nos lançam, quando querem mostrar que sabem mais do que nós - lhe respondeu:

-Haverá momento oportuno para esta e outras perguntas, que você certamente me fará.

Com o trem já parado diante da plataforma de embarque, Henri se virou para Nardo para uma última pergunta, antes do embarque.

-Você tem certeza que haverá lugar para minha mulher e as crianças, lá em casa, quando eles partirem?

-Despreocupe-se, Henri, pois em casa, se não se lembras, temos vários quartos. Com certeza, quando chegarem, ao seu tempo, serão devidamente bem recebidos. Agora, não nos atrazemos mais, pois a viagem tem de continuar.

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Não muito longe dali, uma flôr era colocada cuidadosamente num vaso de fina porcelana. A mulher que zelava pela tarefa, se levantou e, antes de sair do cemitério, disse baixinho:

-Vai meu amado Henri, segue tua viagem. Logo nos veremos novamente.

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Simultaneamente, já com o trem em movimento, Henri discretamente enxugava sua última lágrima.

Espírito do Mar.

espírito do mar
Enviado por espírito do mar em 23/02/2006
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