O Príncipe Maldito

Era uma vez, um príncipe, amaldiçoado porque falava de mais. Mas ele só falava muito porque ninguém o ensinou quando criança que as palavras resultavam, muitas vezes, em conseqüências trágicas. No caso dele, elas foram a sua maldição. Ele não media palavras, sempre falava o que precisava falar. Doesse a quem doesse. Se alguém era feio, assim que o conhecia, o príncipe dizia o quanto ele era feio. Fazia o mesmo se fosse belo, alto, baixo, gordo, magro, honesto, corrupto, inteligente, burro etc. Por isso, granjeou inimigos pelo reino, pois ninguém gostava de ouvir o a verdade sobre si revelada em público, mesmo pela boca de um príncipe. Ele só tinha amigos falsos e interesseiros que não se importavam em ter as suas falhas apontadas pelo príncipe. O príncipe também não tinha pretendentes, pois as mulheres não gostavam de ouvir que precisavam fazer uma dieta, que o seu vestido estava horrível, que a mãe delas mais parecia um ogro... Apesar dele também falar das virtudes, quando as pessoas ouvem os seus defeitos, esquecem tudo o mais que fora dito antes. E, como ele era filho do rei, ninguém fazia nada contra ele, nem mesmo o censurava, e ele cresceu assim até a idade adulta.

Em uma bela manhã de domingo, o príncipe passeava pela feira quando viu uma velha encurvada, feia e descabelada, roupas esfarrapadas, olhando uma vassoura de palha para comprar.

- Como você se parece com uma bruxa! – disse o príncipe.

A velha virou-se assustada para ele, e um dos guardas que acompanhavam o príncipe a reconheceu como uma feiticeira perigosa há muito procurada por todo o reino. O guarda soou o alerta e logo a bruxa estava presa, ao que ela disse:

- Hoje, príncipe, você denunciou meu disfarce e por isso eu o amaldiçoo: perderás a coisa que mais amas na vida, a sua fala, tão aprazível para ti, será silenciada por sua própria vontade e as suas palavras serão repugnantes ao serem ouvidas por qualquer ser vivo. É uma maldição perpétua, e a quem você contar sobre ela, só o abrir de sua boca o tornará repulsivo e odiado!

O príncipe gelou. Ele acabava de ser amaldiçoado pela bruxa. Olhou para um lado, olhou para outro, e percebeu que todos o observavam. Disse então ao chefe dos guardas:

- Tu achas que esta maldição é para valer?

O guarda fez uma careta de nojo. Não só ele, mas todas as pessoas que estavam ali perto. Era como se estivessem para vomitar. O príncipe, sem entender nada do que ocorria, perguntou:

- O que houve com vós? Por que estais assim?

O pânico foi geral. Pessoas desmaiavam, vomitavam e tossiam, animais fugiam para longe e plantas murchavam e morriam. O guarda, de estômago mais forte, se aproximou do príncipe, tapando o nariz com uma das mãos e respondeu:

- A bruxa... meu senhor... ela o amaldiçoou com o bafo do dragão! Por favor, Majestade, não faleis nada mais, pois nós não conseguiríamos suportar o mau cheiro. O fedor de podridão é grande. Não sei se consiguiria resistir em sacar de minha espada e matá-lo só para que pares de falar.

O príncipe compreendeu a sua maldição. As suas palavras tornaram-se repugnantes aos outros. Mesmo aos animais e plantas. Colocou a mão no ombro do guarda e fez gestos indicando que iria ficar calado. Viu no rosto do guarda o alivio que ele sentiu. Depois de alguns gestos difíceis e confusos de serem compreendidos, conseguiu fazer-se entender que desejava ir ao calabouço para ver a bruxa. Ao chegar lá, pediu para ficar a sós com ela. Com os braços presos em algemas nas paredes, ela sorriu com os seus dentes podres ao vê-lo do outro lado das grades.

- O que eu posso fazer para que você retire a maldição?

A feiticeira se contorceu de nojo. Não conseguia pensar em mais nada a não ser vomitar com um cheiro extremamente fedorento. Ela soltou um grito de dor e nojo e náusea que ecoou por todo o castelo.

- Saia já daqui, seu cão imundo. Já não bastava me prender e agora vem me torturar com a sua própria maldição? Pois conseguistes piorar ainda mais a sua sina, agora terás outra maldição: além de seres amaldiçoado até o fim de sua vida com palavras podres que sairão da sua boca, vais desposar uma princesa também amaldiçoada. Esta é a sua segunda maldição neste dia. E se insistires em continuar na minha presença, serão as primeiras de várias outras.

O príncipe, se lamentando por cometer o segundo erro em tão pouco tempo, saiu às pressas da presença da bruxa. Correu para o palácio, não sabendo o que deveria fazer e sem poder pedir a ajuda de ninguém. Por isso, seguiu até o alto da torre mais alta, onde ninguém poderia ouvi-lo, e deu um grito de desespero. Neste instante, algumas aves que voavam por ali caíram mortas. Ali, sozinho, o príncipe chorou e lamentou em altos brados todos os seus erros que o levaram até ali. Ele culpou aos céus e ao inferno por sua sina, depois a si mesmo, para por fim se acalmar e pensar melhor nas soluções para os seus novos problemas.

A solução para a primeira maldição era que ninguém ouvisse as suas palavras. De alguma forma, elas eram extremamente malcheirosas para quem as escutasse. Provocavam uma reação de repulsa e desespero e morte nos ouvintes. O príncipe primeiro pensou como isso poderia ser útil, mas as hipóteses acabaram descartadas uma a uma. A mais provável, seria a de usar a sua voz nas As Cruzadas e falando aos exércitos inimigos. Mas percebeu que não iria funcionar porque necessitaria estar sozinho no meio do exército inimigo, senão os aliados sofreriam as mesmas conseqüências junto com os outros. Mas ele, sozinho, no meio do exército inimigo não seria nada útil. Deste modo, resolveu que daquele dia em diante não pronunciaria mais palavra alguma enquanto estivesse vivo. A maldição selou o seu silêncio.

O problema era a segunda maldição, que além do príncipe não conhecer, afetaria a ele e a sua futura esposa.

(publicado originalmente em 10/11/2008 em www.jefferson.blog.br)