UM BEIJO ARDENTE

Um beijo ardente. Uma imagem de Guadalupe, a noite quente sufocante e um som cadenciado animando a praça. Vozes incessantes. Clima de feira e festa. O povo rindo desbragado. Passeio entre corpos morenos suados e cabeludos. Luzes e gritos. Som, muito som. Compasso latino. Ao fundo o som da orquestra . Cheiro de mulher .Aromas fortes bailando mais que as saias coloridas. Frescor de flores e tabaco. E risadas. Muitas risadas. E atabaques batendo e saltando entre as pessoas. Frutas, muitas frutas aparentemente abandonadas em tabuleiros insolentes e despudoradamente floridos. Entre as pedras do calçamento, quase invisíveis filetes de urina escorregam sinuosos pelas frestas. Misturam-se flores, tabaco, suor, risadas, pernas morenas, colos abundantes, bocas vermelhas e dentes muito brancos emoldurando línguas safadas. Quem foi? Como um roubado beijo neste ambiente de êxtase provoca tamanha vertigem.? Corro através da melodia e da algazarra. Onde está? Quem será? Não sei se o rum, se a música, se as saias rodando coloridas, se as mulheres de pés descalços, se o líquido nas calçadas, se a multidão, se a minha falta de fôlego, se o calor, se a noite, se os boleros mambos e salsas, se as risadas, se as barrigas e quadris bailando, se o beijo, se aquelas coxas morenas, se o sorriso provocante, se Guadalupe comparsa e redentora, me propiciaram este delírio. Sei apenas que passei por entre o casario nas ruelas de Havana antiga. Tão antiga que escondem paredes encardidas do sangue dos escravos, das pobres vítimas de Batista, dos revolucionários, dos que acreditaram e dos que ainda tem esperança. Tudo ao ritmo antigo de Ibrahim Ferrer e seus músicos. Como no tempo e ao som de Buena Vista Social Club. Arriba.

Humberto Bley Menezes
Enviado por Humberto Bley Menezes em 24/03/2006
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