Raleht aprende onde é o seu lugar (in: Raleht, o plebeu)

Durante a sua sobrevivência, nosso camponês visitou algumas vezes o forte de seu lorde, mas desta vez, por razão de uma viagem deste ao oriente, Raleht resolveu tratar um caso diretamente com seu conde. Aconteceu assim:

Certa vez estava Conde Locke admirando suas terras, sentado em seu trono e bebendo vinho quando sente um cheiro esquisito invadindo sua sala. Sim, é Raleht, que timidamente introduz seu nariz peludo pelos grossos portais de cobre do salão principal.

- Este camponês deseja falar-lhe, senhor - Anuncia o soldado.

- Quem és tu, ignóbil verme? – Saúda-lhe o conde.

- Eu... eu... sou Raleht Peartreex, vossa condecidade, e... venho pedir que o senhor me esclareça uma dúvida...! – Era a primeira vez que entrava naquele castelo, e ficou impressionado com tantos tijolos ajeitados, tapetes e utensílios inúteis espalhados por toda a parte. Raleht mal olhava para o conde enquanto falava. Por fim, terminou de gaguejar e explicou ao seu senhor sua questão:

- Meu senhor, estava eu a construir com minha família e meus vizinhos uma ponte para Lorde Noblerrier, ponte esta que atravessa uma poça de água ligando a plantação de trigo do servo Lumpenson com o da serva Mangeline, a fim de que os vassalos do lorde pudessem passar livremente a recolher os dízimos para ele, quando aconteceu que um de seus soldados, achando que eu descansava por ter-me agachado para pegar uma peça da ponte que caíra da minha mão, usou de seu bastão e desferiu-me três golpes nas minhas costas. Pois bem, estou aqui, pois sei que és clemente e misericordioso, com justiça e honra edificaste este reino e cuidas destas terras para o santo rei, peço, então, ó, condecitude, que passes a dar a teus soldados um bastão mais leve para que, da próxima vez que ele se enganar e me bater novamente, eu sinta menos dor e possa caminhar mais ereto, até que a ponte tenha a sua construção concluída.

Mal terminou e o conde, enojado pelo rosto sujo e pelas pernas tortas do seu servo, resolveu dirigir-lhe a palavra o quanto antes para que logo pudesse voltar a admirar suas terras:

- Criatura imbecil e insalubre, o que vós não entendeis é que não há de deixar de dar a razão ao soldado. Como és abjeto e nojento não percebeste que não devias, pois, deixar cair bestamente suas ferramentas por aí. Mas e se ainda assim conseguiste mancar até aqui é porque o soldado não deu a lição que merecias. Portanto vou é fortificar os bastões dos soldados a fim de que possam todos os camponeses aprender que sois inferiores e não deveis pensar. Deixai isso conosco. E para provar o quanto sou justo, testarei agora mesmo minha teoria quanto à obediência de meus vassalos. Soldado, desfere qualquer objeto pesado neste ínfimo animal para ver se algo ele aprende.

E como o soldado que guardava os portais do salão nada achara senão um candelabro de metal de um metro que jazia próximo a si, o pegou, e sem hesitar sentou-lhe nas costas do humilde servo. Tão forte foi o golpe que o candelabro desmontou e se amassou o cabo, e Raleht ficou um tempo ainda consciente antes de desmaiar.

Quando acordou já estava do lado de fora do castelo. E como não há melhor lição que a prática, Raleht voltou para casa.

À noite batem à porta. John, um de seus filhos, atende. Volta para o seu pai e anuncia:

- Ô, pai, é o vassalo real! Ele veio cobrar imposto pelo candelabro do conde que você estragou!...

Vitor Pereira Jr
Enviado por Vitor Pereira Jr em 10/04/2006
Reeditado em 15/09/2021
Código do texto: T136858
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