O Conto do Lobo (trechos)

[...]

Foi quando a fadinha, simplesmente em um momento de distração, deu as costas para a grande tigela que se encontrava ao fogo, fazendo este se aquecer e entrar em contato com as batatas fatiadas que ali se encontravam. E bastou este pequeno descuido, para que Petrus, armado com uma pequena colher coloca-se em sua mistura algumas gotas de pimenta. Pequenas, mas de um poder considerável. Como sempre em meio as suas peraltices, Linda observou-o com olhos de reprovação, mas nada disse e esperou que os fatos se concluíssem.

Bastaram apenas alguns minutos, e na floresta se fez ouvir o urro de um lobo, e logo em seguida, sua fuga à procura do lago ali perto. Para tentar tirar de sua boca, o gosto ardente daquela mistura. A fada olhava sem entender... O que poderia ter acontecido?

Mas antes que tentasse por um pouco mais, buscar uma explicação lógica para aquilo, ouviu um disparate de risadas não muito longe dali. Risadas, estas, que conhecia muito bem. E que lhe deram o início de uma frase:

“Petrus”...

[...]

"E como é comer batatas?”

Ela pensou um pouco. Como poderia explicar isto ao lobo? Explicar de uma maneira que pudesse entender como era adorável apreciar cada milímetro de sabor.

"Bem, é como... é como se... Igual, quando eu estou triste, um pouco chateada com as coisas a minha volta. Não a nada melhor do que colher algumas batatas, fatiá-las e botá-las junto ao óleo na panela. Daí depois as retiro e tempero. Então, me satisfaz, cobrindo minhas tristezas. E pronto. Estou novinha em folha... Cheia de sorrisos."

"Então seria algo como uma fuga que você encontrou de seus males, não é isso?"

"Sim. É como se fosse, em parte."

"Mas, então você apenas come batatas quando está triste?"

"Não, não, não... É apenas um exemplo que lhe disse. Porém, independente do meu humor, aprecio elas à gosto. Hahahaha...

Se estou feliz, como batatas, se estou triste como batatas. Elas são gostosas por natureza. E não possuem um certo pré-requisito para saboreá-las."

"Humm... entendo... ou ao menos começo à entender."

"Mas apenas entenderá por completo quando prová-las. E verá como ficará maravilhado com elas. Com seu sabor... humm, só de pensar. Modesta parte, eu as faço muito bem. Dede o plantio, a regar as sementes, até sua colheita e finalizando na panela. Hihihih... talvez fique bom por dizerem ser feitas pelas mãos de uma fada." - nisto, ficou vermelha, pela falta da modéstia em suas palavras. - "Me desculpe Lobo, acabou que me empolguei.”

“Não peça desculpas. Não a motivo. Ao contrário, acho graça. Pois bem, então que me apresente a essas... tais batatas... E eu decidirei então se são boas ou não.”

“Não se preocupe Lobo! Fazerei as melhores batatas que já comeu.”

“Mas eu nunca comi batatas.”

“Ah... é... pois bem, farei as melhores que comerá... se assim provar de outro lugar... Hihihihi.”

[...]

Então, foi que, de uma árvore recoberta por fungos e musgo, pularam dois esquilos que logo cercaram o lobo, ora dando cambalhotas, ora lhe encarando com um cômico olhar ameaçador. Um, possuía a coloração um pouco mais escura, um pouco rajada. Mas possuindo traços sutis e delicados. Denunciando ser uma fêmea. Já o outro, de pêlo amarelado, franzia a todo tempo suas espessas sobrancelhas, sempre de olhar carrancudo e desafiador. O lobo achou graça nisto, mas não os subestimou. Apesar de pequenos, sentiu que seus espíritos emanavam seguridade em suas ações e que estavam dispostos a qualquer coisa para protegerem a fada.

“Pense muito bem, antes de fazer alguma coisa com ela, seu velho lobo sarnento” – foi o que saiu da fina voz da pequena criaturinha de cor rajada. – “Ela é minha protegida. Assim lhe digo, antes que se atreva a algo.”.

“Você quis dizer, nossa protegida.” – relutou o outro.

O lobo achou graça na pequena conversa dos dois. Pelo jeito, eles possuíam alguma diferença a ser resolvida.

“Calma pessoal!” – disse a fada, como sempre a sorrir. – “Chamei vocês aqui, mas não é isto que estão pensando. Este lobo não me fez mal algum, pelo contrário. O Acaso, fez com que nos encontrássemos e aqui agora estamos.” – então se virou para o lobo e apontou para os dois esquilos. – “Aqui lhe apresento meus guardiões: Linda e Petrus!”.

[...]

“Flores? Achei que fadas gostassem de batatas... hum... isto é novo para mim.” - disse franzindo suas sobrancelhas, dando ar de confuso.

"Sim, de certo elas gostam de batatas. Mas de flores também. Begônias, margaridas, jasmim, tulipas, dálias, orquídeas e rosas. Principalmente rosas." - o coelho Minkú perdia-se no tempo, fechou os olhos e há cada pronúncia de uma flor, bailava no ar como se em um campo as tocasse e pudesse sentir suas fragrâncias. - "São muitas, e muitas conheço por ser um amante de seus cheiros. Ficaria se assim tivesse tempo, o dia inteiro a lhe falar de muitas, algumas muito belas, outras um pouco estranhas. Algumas de nomes comuns, outras de nomes que poucos sabem. Mas infelizmente não possuímos tal tempo. Pois o aniversário dela é apenas hoje."

“Engana-te Minkú. É de certo que hoje se comemora o dia em que ela veio ao mundo, porém, vejo seu sorriso todos os dias. Então, todos os dias são seus também. Rosas, você diz?! Bem, acho que me lembro de algum lugar que às possuí. Muitas flores... bem... Já sei o que fazer. Meu presente para será rosas e batatas. O que acha?"

“Bem..." - fitou pensativo o coelho. - "Em toda minha pequena vivência, nunca vi alguém presentear com rosas e batatas juntas. Mas é de certo que ela ama batatas por demais. Pois bem, quem saiba você não surpreenda um apenas, mas a nós todos?"

[...]

“... Você mudou muito desde a ultima vez que lhe vi... antes, as trevas que amarguravam teu olhar, eram mais intensas. O que pode ter acontecido durante estes anos sem contato, que fez parte dela se esvair de teu âmago?”

“Apenas aprendi o que tanto queria, mas não sabia. Finalmente encontrei aquilo que tanto procurava. Em noites que saía a procura de mim mesmo, encontrei as respostas que faziam falta.”

“E como as encontrou?”

“Em um alguém. Em um ser que jamais achara que cruzasse meu caminho.”

“E como pode Ter certeza de que isto era o que tanto procurava?! Não seria algo para turvar sua mente pôr agora? Alguma manobra do Destino? Faça-me entender.”

“Eu senti...”

“Sentiu? Hmm... Explique.”

“Talvez não exista explicação, ou ao menos eu não saberia te dar... simplesmente senti. E tive a certeza que poucos alcançaram talvez.”

“Suas palavras me soam estranhas. Mas é de certo que mudaste muito. É como, se algo tivesse tocado você. Vejo pelo brilho de teus olhos.”

“É... algo me tocou...”

[...]

... que confusão... aquele mundo era novo, observado por olhos lupinos... Uma casa dentro de uma árvore? Nunca imaginaria algo do gênero nesta floresta. Mas era ali, em meio a tantos estranhos pertences, que aquela bela criatura morava. E como era fascinante. Parecia bailar ao se interagir com os objetos ao seu redor. Apesar de não saber a finalidade de suas ações, o lobo achou graça em tudo que fazia. Sua alegria e beleza contagiavam o ambiente em volta, dando novo ar para as coisas...

(...)

... Subitamente, por um instante ele hesitou. Enquanto ela, com um pedaço de madeira remexia em algo numa grande bacia de ferro, se ouviu um estalo. E o lobo assustado, recuou. Tanto deu passos para trás que acabou saindo da morada da jovem fada, e não vendo em qual direção seguia, deixou de ver o pequenino degrau que ali havia... então, caiu... provocando gostosas gargalhadas da fadinha, que logo veio em seu auxílio.

“Mas o que foi este barulho?” - perguntou espantado e envergonhado.

" Hahahah...você é uma graça." - a bela não se continha. - " Vai me dizer que não gosta de batatas? Elas ficam boas mesmo é fatiadas, jogadas ao óleo e depois temperadas. Venha, eu vou te mostrar..." - nisto, se virou e em um leve bater de suas singelas asas, retornou para dar continuidade a sua tarefa.

O lobo a seguiu com os olhos. Pelo jeito, havia muita coisa que tinha que aprender. Fitou-a junto à luz de Luna e viu brilho em teus olhos. Como ficara bela, banhada pela essência da noite. Logo, lhe veio o desejo, e mais uma vez adentrou seu lar.

[...]

"Sabe, depois de todo este tempo, eu achei alguém que pudesse escrever para mim. E aqui deixo o relato de meus passos. Mas penso que nada mais será do que palavras. Palavras em um papel, que com o Tempo, perderão a tinta e se apagarão da existência. Palavras, palavras vazias...

Mas o que vai importar mesmo, é seu significado. Ou, o que causaram a você. Se eu não posso mais passar nada, além delas.

Mas do mesmo jeito que certa vez eu achei teu coração. Confesso que acredito que posso achá-lo de novo. Mesmo que não seja pelo mesmo caminho. Ou se aquele caminho se tornou fechado para mim. Mas quando lhe achei, estava perdido. Então hoje entendo o que os velhos sábios dizem quando falam que é se perdendo que se acham as coisas. E me perdendo eu achei você. E se for necessário mais uma vez, que eu me perca pra ti encontrar, assim será.

Mas, não acredite nas palavras que digo. E sim nas minhas ações. Como disse, elas são vazias e não lhe dão garantia alguma. Porém, enquanto lê esta carta, eu corro ao teu encontro. Acredite nisto.

Acredite quando alguém falar que soube de algum lobo à procura de algo. Acredite nisto, pois, este sou eu indo de encontro a ti.

Mesmo que demore algum tempo, é porque devo encontrar outro caminho para te reencontrar.

Deixe as palavras de lado... apenas sinta... e vá sentindo o quanto mais eu estou perto.

Deixe que o vento lhe traga os recados que a noite eu mando a ti.

Deixe que feche seus olhos a luz da Lua Cheia, pois os meus também se fecharão, e apenas sobrará no silêncio as nossas respirações.

E enquanto eu não lhe tenho. Canto as canções que me ensinaste, e desfruto das batatas que você me ensinou a apreciar."

[...]

[...]

"Lobo... levanta lobo... por... por fav... por favor... levanta...”.

Era a décima vez que a fada em meio a soluços e lagrimas, gritava com aquele corpo inerte ao chão. Debruçada sobre aquela massa de pêlos negros, tingida com a cor rubra da vida. Por inúmeras vezes, golpeou aquele corpo, não com violência, mas tentando animá-lo. Tentando fazer com que aqueles olhos com pequeno brilho, não se fechassem para sempre.

"Não é justo... não é justo você me deixar agora... não agora... não deste jeito..." - agarrou-se puxando seu pêlo. - "Fica comigo, por favor... Sabe, eu ainda tenho que lhe dar um nome. Você me prometeu que eu poderia lhe dar um nome. Eu ainda não consegui achá-lo, mas sei que vai ser eu e mais ninguém que vai lhe dar um. Você deve isto a mim, então não pode ir embora. Você não gosta de quebrar promessas, vai quebrar esta agora? Por favor... por favor...”.

O que se ouvia, era um choro compulsivo, misturando-se com o som do vento frio e cortante daquela noite. As lagrimas quentes, caindo sobre aquele corpo tão frio. Que outrora detinha tanto calor.

Uma voz bem distante se fez distinguir ao lobo. Alguém, bem longe, pedia para que voltasse. Uma voz que ele reconhecia.

"Sim."- pensou - "Ela clama por meu nome. Mas depois de tudo? Ela pede que eu lute?! Lutar... lutar..." - e balbuciando estas ultimas palavras, serrou teus olhos.

O vento soprou mais forte, em meio ao ambiente gélido daquela floresta. Estava tudo escuro, apenas havia luz onde se encontrava uma fada, há olhar tristemente o corpo de um lobo.