O Retorno de Eirion

Eu andava confuso pelas ruas frias e torturantes da cidade, vagando sem rumo à procura de nada. Pensava na extrema solidão que se abatia em meu espírito, e tudo ao meu redor lembrava um gigantesco labirinto sem fim. Ah parecia um pesadelo, mas não somente um pesadelo comum, mas o pior dos pesadelos do qual você não acorda nunca.

Aquela era uma noite amena, mas dentro de mim, frio intenso. Eu era por completo inverno, estava triste e abatido e só via o vazio em tudo, inclusive em mim. Eu mesmo era o vácuo mais profundo, não acreditava em nada e para mim não mais existia beleza nas coisas. Pois, antes do inverno se abater sobre mim, eu era todo magia, via beleza em tudo. Minha vida era uma harmonia com a natureza... Mas isso foi há muito tempo, nem me lembrava direto desta sensação.

Naquela noite, entrei em uma galeria daquele jeito, triste e desamparado, e não sei por qual razão me vi parado em frente a uma loja. Era uma loja como outra qualquer, com a diferença de que era uma lojinha de artigos místicos. Eu já havia entrado em outras lojas desse tipo antes e nenhuma delas havia me chamado tanto à atenção quanto essa.

Lembro-me que entrei na loja para folhear alguns livros, quando uma música intensa aliada ao perfume de um incenso começou a tomar conta de mim.

Nossa! Tudo desmoronou, aquele mundo frio e sem vida que eu contemplava foi derretendo aos poucos, revelando uma nova realidade, mais viva e intensa, forte mesmo. Não há palavras para descrever isso tudo, a sensação é maior que as palavras, mas posso tentar falar um pouco disso.

Como uma Fênix, eu parecia renascer. O fogo que me moldava era intenso e daquele gelo que havia em mim, nada restou. O fogo foi me aquecendo aos poucos e fui recuperando a visão.

Cada momento foi eterno, um novo corpo surgia, mais vivo e brilhante que a carcaça antiga que me adornava até então. Além de mim, a realidade era agora mais viva. Sobreposta à fachada, eu podia ver outro mundo, e nele cada folha e planta me dizia palavras belas e doces, de um tal encantamento que fazia com que eu não perdesse nenhum detalhe. Tudo, realmente tudo merecia atenção, eu não conseguia desviar o meu olhar de nada, e também, para ser sincero, nem queria.

Eu caminhava pelas ruas saboreando o doce néctar do vento e ouvindo os sussurros das flores. As árvores então, eram colossos gigantescos e me transmitiam uma paz ancestral.

Muitas lembranças retornaram. Lembranças de um passado distante, de quando o sonho ainda era vivo neste planeta.

Eu novamente era forte, belo e poderoso, e à medida que ia caminhando, todo meu passado se reconstruía. Tudo era amálgama, não havia mais distinção entre presente e passado para mim. Eu era Eu novamente, um novo velho ser, com milhões de anos, vindo de outra terra, hoje distante e quase inacessível para todos, mas pude vislumbrá-la por um instante, instante que foi eterno para mim, e vi um mundo imenso, incompreensível para as nossas leis terrenas. Esse mundo possui vários nomes, mas nenhum deles corresponde a sua tamanha grandeza.

Subitamente me lembrei de meu nome verdadeiro, tão antigo quanto essa terra. Chamava-me Eirion, e ao descobrir meu nome, fiquei ainda mais forte, e fui retomando tudo o que me pertence. Encontrei primeiro minha antiga espada mágica que jazia enferrujada no canto de meu armário, mas assim que a toquei, sua lâmina no mesmo instante passou a brilhar intensamente até ficar afiada e nova. Ela se parecia com essas espadas medievais, e seu cabo era talhado de pedras preciosas de todos os tipos e seu poder era imenso, ilimitado. Eu podia fazer qualquer coisa com ela, podia partir ao meio o mais resistente aço e derrubar imensas montanhas.

No outro canto do armário estava a minha antiga armadura já despedaçada de tantas batalhas travadas, inclusive a da minha amarga derrota que culminou com minha morte. Das minhas mãos, uma luz intensa começou a brilhar, então comecei a tocar aquela delicada peça já debilitada e ela começou a se modificar. Já não era mais aquela velha armadura amassada e esquecida, ao contrário era a armadura mais resistente do universo. Era toda feita em prata, a verdadeira prata da terra das fadas, e no seu elmo havia o desenho de um dragão. Não era um desenho qualquer, aquela figura era poderosa e tinha o dom de encorajar a pessoa que o utilizasse.

Eu realmente estava maravilhado com esse novo mundo que se mostrava para mim. Mas alguma coisa me inquietava ainda, sentia que faltava algo. O que ao certo eu não sabia, só sabia que deveria correr. E fiz isso, sai correndo pela cidade com minhas poderosas armas, aparentemente sem direção. Mas o caminho era eu quem fazia, uma trilha mágica ia sendo construída e eu a seguia com verdadeiro afã.

No fim desta trilha havia um bosque e no meio dele uma luz intensa. Guiado pela curiosidade caminhei até lá e tal foi meu espanto ao deparar não só com uma simples luz, mas sim com um belo cavalo branco, mas não era aquele um cavalo qualquer. Ele tinha asas e aquela luz vinha de seu corpo. O mais estranho é que eu conhecia esse ser fantástico, pois fora meu companheiro desde remotas eras. Seu nome era Ainor e ele falava a língua dos homens.

Esse foi um encontro de dois amigos que não se viam há séculos, e foi com imensa felicidade que eu disse:

-Enfim Ainor, meu velho amigo, nos reencontramos nesses tempos difíceis!.

Com sua voz cristalina Ainor me responde:

-É um enorme prazer lhe reencontrar Eirion, amigo de remotas eras. Sim, difíceis são esses tempos e você despertou em boa hora.

Eu disse:

-Creio que temos muito trabalho pela frente.

Ele fala:

-Trabalho amigo é o que não falta. Nós vivemos num tempo aonde não há mais espaço para o sonho, tudo é vazio na vida de todos. Até mesmo as crianças estão deixando de sonhar, e com isso as criaturas mágicas estão deixando de nascer. É uma tristeza, mas nem tudo está perdido, pois você retornou e juntos poderemos lutar.

Ficamos por um instante quietos, contemplando a magia do novo mundo que aos poucos renascia, até que Ainor com voz imperiosa disse:

-Vamos Eirion, monte em mim, não há tempo a perder. Nossa jornada começa agora.

Assim montei e partimos, voando pelo nevoento céu da cidade. De lá de cima tudo era mágico, a noite estava realmente bela. As luzes da cidade eram um show à parte, um espetáculo de magia que quase ninguém percebe, exceto uma pessoa ou outra.

Agora que eu estava curado, podia ver tudo, inclusive os imensos castelos que passam despercebidos pelos homens frios, assim como as nuvens ficam mais vivas, podemos até conversar com elas, e as amo porque têm essa capacidade de se modificar a todo instante. Ah! Vejo dragões voando para todos os cantos, gárgulas espreitando pelas janelas dos condomínios, duendes correndo e brincando nos becos escuros, gnomos em suas casinhas fazendo suculentas tortas, Sátiros dançando alegremente nos parques, Trolls testando suas forças e infinitos seres dos sonhos em todos os lugares.

Como pude me esquecer desse mundo mágico? Por muito tempo sofri, tinha me tornado um ser frio como a maioria, perdera a capacidade de sonhar. Eu morrera de fato, mas consegui renascer.

Lembro-me do momento de minha morte. Foi há algum tempo, havia um poderoso inimigo nos arredores que devorava a tudo. Muitos morreram em suas frias garras, inclusive eu. Foi uma luta dura, lutei bravamente, resisti por muito tempo, mas acabei sucumbindo. Seu poder era imenso, não pude contê-lo, então, suas garras perfuraram minha armadura e rasgaram meu coração. Ali tombei sem vida, e quando acordei, já não era mais Eirion.

E com esse falso corpo vivi muito tempo, até o mágico dia que despertei, pois a música que eu ouvira naquela loja era feita por seres encantados. Era um remédio, que como pude comprovar, além de curar os feridos, também podia ressuscitar os mortos.

Com todas as minhas forças exclamei para o meu amigo Ainor:

-Vamos amigo, adentremos todas as casas. Nossos amigos precisam da cura para que possamos derrotar o inimigo que a cada dia que passa está mais forte. Mas lhe garanto que desta vez não tombarei, estou mais forte agora. Estou pronto para a batalha.

E assim iniciamos nossa jornada nesse antigo mundo coberto pelos véus tecidos pelo inimigo.

Daniel Tomaz Wachowicz
Enviado por Daniel Tomaz Wachowicz em 14/05/2009
Código do texto: T1593619
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2009. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.