Lobo Vermelho - Capítulo 1 - A jóia de Morroverde - parte II

II.

O carro-de-comando do Coronel Petro Velasturvo foi posto em movimento. Ruidosamente nos primeiros minutos, mas muito discreto para um veículo tão grande, assim que tomaram a estrada para o sul. A dragona, desmontada, constituía um veículo de proporções semelhantes ao primeiro, e seguia-o logo atrás. Os dois carros-de-tropa vinham em seguida, com um batalhão frustrado pela mais sem-graça tomada de território dos últimos oito meses, desde sua partida da Capital. O Coronel Petro não admitiu pilhagem nem estupros, e os espólios resumiram-se a duas caixas de madeira contendo algumas garrafas de vinho, mantidas dentro de seus aposentos no carro-de-comando; além de, logicamente, a Jóia da cidade, o que caracteriza a tomada irrevogável por parte dos antigos senhores locais. Era costume do comandante do Batalhão da Dragona-Primeira negociar rendições pacíficas dos territórios, e era até bastante comum que os habitantes se submetessem, entregando-lhe as Jóias de suas cidades sem grande resistência. Mas em Morroverde, que não tinha sequer uma guarda digna de ser esmagada pelo batalhão, a tomada foi rápida, surpreendente e, por ordens expressas do comandante, integral. E, por integral, um oficial queria dizer “não deixem pedra sobre pedra”; para este oficial, especificamente, significava “queimem tudo”. Assistir à Dragona em ação era uma atração à parte para os soldados. O trabalho da infantaria resumia-se a sitiar a cidade – ou aldeia, ou vila, ou povoado – e impedir que seus habitantes fugissem, reagissem ou tentassem qualquer ato inoportuno para o estabelecimento da bandeira adaniana. Deste momento em diante, o espetáculo era regido pelos Cinco Doentes, os oficiais-engenheiros responsáveis pelo funcionamento da máquina. Eram assim chamados, sem nenhuma reprimenda do comandante, porque tinham um prazer verdadeiramente doentio ao pôr as engrenagens para funcionar, e por aplicar as centenas de técnicas de destruição desenvolvidas especialmente para a dragona. E de sua bocarra metálica, das poderosas garras de aço, o fogo e a destruição de cidades inteiras eram, de fato, um espetáculo. Entretanto, naquela madrugada, a infantaria teve a incumbência de não somente impedir que os morroverdenses fugissem, mas de mantê-los dentro da cidade enquanto o fogo da dragona punha tudo abaixo. Para a infantaria, dizimar Morroverde não teve maiores encantos. Para os Cinco Doentes, como saberemos adiante, foi um incômodo difícil de superar. Recuperar a Jóia de Morroverde, aos olhos da tropa, foi uma mera formalidade: ninguém viria reivindicar os seus escombros depois daquela noite.