a busca de lóris: parte 2

A partida de Lòris

Depois que o verme partira ela já viu os dragões, verdes voltarem, voarem por cima do castelo de Mandros vindo em sua direção e sumindo da visão sem parar, sem diminuir. A moça dos cabelos azuis não queria encontrar mais nenhum ovo vermelho, e nenhuma supressa, mas no fundo ela esperava com grande expectativa achar algo diferente, qualquer coisa, mas não seria desta vez, pois os dragões nem sequer defecaram ali, ela não achou nada.

Nos dias seguintes, sempre que voltava da caverna depois do meio dia, sempre encontrava escrito Lhaina, na areia. Do começo isso a assustava, depois a incomodara e agora a deixara furiosa, pois não sabia o que significava, mas a sua fúria estava abrandando e ela já estava aceitando o fato, como se fosse algo natural e diário como o nascer e o pôr dos sóis.

A água estava diminuindo cada vez mais, antes o que era uma pequena poça passou a ser apenas um pequeno buraco com algumas gotas de água juntas que mal enchiam um cantil. A moça de cabelos azuis como sempre chegou lá no meio dia e se espantou ao ver que a água tinha diminuído tanto em uma só noite logo, ela pensou, que se a água diminuísse tanto assim nessa noite amanhã não haveria nada lá a não ser terra seca.

Ela se abaixou para tentar encher o seu cantil de couro, estava sentada ao lado da pouca água que ainda tinha, quando ouviu uma voz das sombras de um canto da caverna:

- amanhã não restará mais água.

A moça se assustou e pegou a sua faca olhando para as sombras forçando os seus olhos para ver a boca que falara, mas não via nada além das sombras. Ela tentou pegar a água o mais rápido que podia mais não dependia dela e sim da vertente que se recusava a colaborar. A voz agora pareceu falar de algum lugar mais próximo:

- Lóris, sabe o que deve fazer agora, não é?

Ela levantou se e saiu correndo, deixando o seu cantil para trás, saiu da caverna com a faca em suas mães e logo sentiu seus pés queimarem, a areia quente do meio dia pareciam brasas.

Lóris - pensou ela -fazia muito tempo que não ouvia o seu nome. Agüentou o máximo possível debaixo do sol escaldante e em cima da areia que cozinhava a sua carne, até não poder mais ficar ali, entrou novamente na caverna. Com receio andou para dentro para longe do calor e dos sois, chegou próximo da vertente e olhou para o seu cantil, lá deitado parecia um estranho animal morto, já um pouco inchado. Então com a faca ainda em punho ela ouviu:

- Lóris, sabia que voltaria, assim como sei que vai pensar a noite no que eu digo agora.

Ela não respondeu, era como se as palavras fugissem de sua mente, viu alguma coisa grande correr rapidamente entre as sombras. Pegou o seu cantil e ficou de frente para a porta de maneira que podia sair correndo caso algo aparecesse com intenções hostis.

- Lóris, vai partir e seguir pelo caminho que o vento fará essa noite para você...

Então ela tomada de medo e com as pernas vacilando, apertando ainda mais o cabo de sua faca perguntou:

- você é alma viva ou morta?

- eu não sou morto, mas já fui. Não sou vivo, mas já fui.

- se eu sair vou morrer...

- se você ficar vai morrer de sede.

Um barulho, como de largos passos pesados bateu contra as paredes da caverna ecoando como trovões, o coração de Lóris disparou assim como suas pernas e quando ela se deu conta estava fora da caverna. O meio dia já passara e o sol vermelho iluminava tudo, o vento vinha da direção do castelo de Mandros trazendo um estranho cheiro, um cheiro que lembrava algo á ela algo da infância embora não soubesse o que.

Naquela noite ela fizera o fogo com o pouco de esterco que ainda tinha e como a estranha criatura falara, ela pensou sobre as suas palavras, se ela partisse sabia que morreria de sede e insolação, mas se ficasse a água acabaria... E se os dragões não mais deixariam o combustível para o seu fogo, à noite ela congelaria. “O caminho do vento” –pensou ela - antes de a noite cair o vento vinha do castelo de Mandros será que era para ir até lá? Uma curiosidade encheu o seu coração havia muito tempo que ela se perguntava o que havia naquele castelo.

Antes de cair no sono ela tentou lembrar como parara ali e o que lembrou foi no sonho.

Ela com os seus cabelos azuis longos á altura da cintura, eles eram mais brilhantes que agora, tinha finos fios negros com pedras em forma de gota na ponta que adornavam sua cabeça, como uma coroa, seus olhos eram de um azul mais profundo que agora, como se lá dentro existia todo um mundo, usava um vestido branco longo com longas e largas mangas, e por cima o espartilho de couro marrom de sua mãe, mas ele era rico em detalhes, minúsculas pedras brancas de forma irregular formavam uma rama cheia de gavinhas que circundava seu corpo duas vezes e no final havia uma gota como se a qualquer momento pudesse pingar da rama. Nos pés usava um par de botas brancas, bem justas, seu cano desaparecia em baixo de seu vestido de tecido leve.

Lóris estava de pé no meio do deserto, com o vento forte jogando pequenas partículas de areia em seu rosto. Ouviu alguém a chamar ao lado, era uma mulher da mesma idade beirando os trinta, era muito parecida com ela, agora toda vez que Lóris pensa nisso chega a se assustar com a semelhança da moça com ela, mas na ocasião era comum, a única diferença era que seus olhos eram menores, e ela tinha uma estatura um pouco mais alta, vestia a mesma roupa, mas com um espartilho bege. O seu nome era Lássis.

Elas eram estranhas uma para a outra, mas de alguma forma sentiam que já se conheciam há muito tempo, sabia o nome uma da outra, não lembravam muita coisa antes daquele momento, só de pequenas trivialidades, como um dia que a mãe de Lóris lhe deu o espartilho quanto era ainda criança. Isso as assustava muito. E nem imaginavam como poderiam ter vindo parar em um lugar tão distante de tudo, ou será que sempre estavam lá. Elas andaram o dia inteiro até o anoitecer, e era uma noite muito escura, repleta de sons estranhos e agourentos, o vento agora sobrava frio e constante, e elas estavam estranhamente felizes por não estarem sozinhas.

Cansadas pararam, sentaram na areia. Ao redor não havia nada a não ser a areia, e a noite era tão intensamente negra que elas se viam apenas como manchas levemente claras. Estavam exaustas até mesmo para conversar, elas só sentaram lá, e respiravam. Lassís olhou para o céu e falou com a voz fatigada:

- não há nada no céu além do escuro... Espere... Eu estou vendo algo.

Lóris olhou para cima e viu assas enormes que estavam voando em rasante sobre elas. Lóris gritou, sentiu seu coração disparar, Lássis só olhava. As assas chegaram cada vez mais perto, e tudo que Lóris viu eram dois pares de asas brancas, mas pareciam não ter penas, eram como assas de borboletas. Lássis sentiu uma garra lhe agarrar o pulso e a levantou do chão. Ela gritou:

- LÒRIS? LÒRIS...AHH...AHHH... ME LARGA!

Lóris levantou se, mas tudo foi tão rápido que só o que podia fazer era ficar parada olhando Làssis ser levada embora, uma mancha branca desaparecendo no céu escuro. Lóris ficou lá e gritava:

- LARGA ELA! SOLTE-A! LÁSSIS!!! NÃO!!!

Mas de nada adiantou... Ela ficou lá até ver o grande sol branco nascer e o pequeno sol vermelho fazer o seu espetáculo, olhava para o céu esperando que Lássis voltasse ou ao menos o que a levou, para buscá-la também. Esperou o dia todo até ficar queimada pelo sol e sua boca seca como a terra em que pisava, olhava ao redor e não via nada além de areia e vento. Então veio a noite e Lóris esperou até uma voz em sua mente lhe dizer:

- ela não voltará e você vai morrer se ficar aqui.

Ela não queria morrer, mas não queria sair, não queria deixar Lássis. Então por volta da metade do tempo que é dado para a noite, Lóris partiu, e no dia que se seguiu chegou na casa de 4 paredes onde agora ela dormia.

Ela acordou com uma imensa sensação de perda, quase não pensava mais em Lássis, pois isso sempre a levava ás lágrimas. Não fazia idéia o que tinha acontecido com ela. Quanto parou em pé antes de abrir a porta ela soube que partiria, só esperava que o vento mostrasse o caminho da volta dos dragões o caminho para o castelo.

Ela abriu a porta e na areia em frente viu novamente escrito:

Lhaina , Mecenas

Lhaina mecenas? Perguntou-se ela. O que significaria isso?

Olhou em volta e viu todas as ondulações provocadas pelos ventos da noite, corriam para o lado oposto do castelo dos mortos.

Por que? Por que o vento tinha que virar?! – perguntava se.

Lorís vestiu sua capa velha desbotada, amarrou couro de lagarto nos pés, pegou sua faca, o pedaço de navalha e os cantis, foi até a caverna os encheu com a pouca água que ainda persistia e partiu.

Saiu da caverna, olhou para o castelo e depois para o caminho que o vento indicou, e ainda indicava, hesitou por um momento, e depois decidiu ir em direção do castelo de Mandros, do castelo dos mortos. Afinal a única coisa que tinha a perder era também o seu bem maior: a vida. E isso era só dela, cabia a ela decidir não a alguma alma das sombras.

Depois de andar cerca de 20 minutos o vento soprava mais forte contra o seu rosto ferindo-o com partículas de areia. O castelo agora estava encoberto por uma nuvem de areia, como se uma tempestade o envolvesse. O céu vermelho parecia opaco e distante, efeito da areia que o vento insistia em carregar consigo.

Conforme o negro da noite enfraquecia o vermelho da tarde e os sóis lentamente se retiravam para um lugar desconhecido para Lóris, o vento ficava mais forte e a areia mais densa, ela estava toda enrolada na sua velha capa desbotada, mas sentia o arder dos grãos que batiam violentamente contra a parte exposta de seu corpo. Seus pensamentos vagavam entre Lassís e entre as palavras da alma da caverna. Como alguém ou alguma coisa pode já ter sido viva e morta e agora não ser nem viva e nem morta? Não fazia sentido para ela, mas talvez aquilo estivesse certo, deveria ter seguido o caminho do vento. Não voltaria, estava muito perto do castelo, disso ela tinha certeza.

Ela andou até quase ser dia e então exausta deitou e dormiu, esperando que o vento não a sepultasse em areia. Isso não aconteceu. Quando Lóris acordou o que viu foi um belo nascer dos sóis, e um lindo céu vermelho, sem vento, apesar dele ter deixado muitos sulcos que corriam na direção contrária do castelo.

Ah...O castelo... Lá estava ele, grande imponente, todo cor da areia, grandes muralhas com suas duas torres. Ele tinha agora mais que nunca a capacidade de fazer Lóris se sentir tão minúscula, como um inseto, ele tinha mais poder que o infindável deserto, era como se ele ocupasse um lugar maior dentro dela, maior que o deserto.

Ela estava animada mesmo com os pés e seu corpo dolorido, bebeu um pouco de água e escavou em busca de algum tubérculo, encontrou alguns de gosto amargos já que não os deixaria ao sol para cozinhar. Quando ela deu a última mordida na polpa laranja, e levantou os seus olhos para o castelo, seu coração disparou e ela caiu para trás assustada.

Milhares de sombras em duas dúzias de filas em sua frente formando uma barreira. As sombras tinham o contorno de corpos humanos, mas não havia ninguém lá para gerar as sombras. Elas eram longas, e em um movimento organizado e contínuo, como quanto se encosta em uma peça de dominó parada e todas as seguintes caem, as sombras começaram de levantar da areia, não seguiam mais os contornos e sulcos do deserto mas sim estavam de pé. Atrás delas muitas almas mortas vagavam como fantasmas.

Lóris levantou se e boquiaberta fitava-as. Não pensava nada somente sentia seu coração bater mais rápido e forte, como da vez que levaram Lássis. Vozes horrendas tomaram conta do ambiente, era como o gemido de gatos com o rosnar de porcos, falavam umas sobre as outras, umas na frente outras atrás, elas diziam:

- Lóris siga o seu caminho, o caminho do vento.

Lóris sentiu seus tímpanos doerem tanto que achou que havia os rompido, quis correr, mas seu corpo se virou e suas pernas não obedeceram, ela caiu na areia morna, novamente. As vozes continuaram assim como a dor em seus ouvidos. A areia na frente das sombras começou a afundar como se alguma coisa estivesse cavando um túnel e ele ruísse sugando tudo que estivesse acima, vinha em direção de Lóris. As sombras falaram pela última vez:

- Lóris, sabe o que fazer...-sussurrarem uma palavra que poderia ser- mecenass..

Lóris com um esforço fenomenal obrigou as suas pernas a obedecerem ao seu comando, que era bem simples: correr.

Foi o que ela vez o mais rápido que pode em areia fofa e calor sufocante, a cada dez passadas olhava para trás, e sempre via as sombras paradas imóveis e ainda havia areia atrás dela o que era muito bom. Correu até olhar para trás e só ver o castelo, não mais almas e sombras. Então parou, era quase meio dia. Ela bebeu um cantil inteiro de uma só vez e depois ficou com ânsia. Cavou um buraco na areia até chegar no chão duro entrou nele, encolheu-se e se cobriu com a capa, ficaria ali até ter passado o meio dia.

Ela passou muito calor, naquele buraco. Mas teve muito tempo para pensar em tudo o que aconteceu apesar do calor fazer o raciocínio letárgico. “Cozinhar os miolos, ou miolos moles” como ela costumava chamar.

Depois de pensar por uma hora e meia que é o tempo do meio dia, chegou a uma conclusão, que já estava cansada de chegar: nenhuma. Só perguntas sem respostas e agora se já não bastasse a palavra Lhaina, não era a única havia mais: Mecenas. Por que essas almas não podem falar logo o que querem dizer? Talvez não quisessem dizer nada, só querem infernizar a vida da garota de cabelos azuis. Mas se era esse o objetivo eles o alcançaram.

Lóris saiu do buraco, olhou em volta e como esperava não via nada além da velha e cansativa areia. Ela chutou um punhado de areia que voou com o vento que agora soprava leve, quase como uma brisa. Tirou a faca e começou de esfaquear a areia. Não pronunciou um único som, um único gemido, nem uma palavra saiu de seus lábios, mas seus pensamentos fervilhavam. O ódio a dominava, o ódio por ter sido covarde, sair de lá daquela maneira humilhante, o ódio por aquelas almas não falarem nada que fizesse algum sentido, ódio da água que estava acabando e da Lássis que sumiu e a deixou ali no meio do nada, ódio do nada, ódio de não se lembrar de nada antes do deserto.

Malditos todos eles!- Sua própria alma gritava, - maldita seja eu!

Depois de ficar exausta o que não demorou muito, voltou para a sua casa de 4 paredes. Onde dormiu, e no meio dia voltou para a caverna e para a poça de água que agora estava seca, cavou alguns centímetros e lá estava. Mais barro que água, mas era tudo o que tinha sobrado, encheu o cantil com a lama, e no começo do dia seguinte partiu, mas desta vez foi no caminho do vento.

Andou por 7 dias sempre cavando e se escondendo na cova durante o meio dia. Não encontrou nada, nem uma única criatura das sombras a achara, ela achava que era graças a ela cochilar sempre enterrada na areia até a cabeça, e a cobria com a capa desbotada tentando jogar areia em cima dela também. A água dos cantis estava no fim e não encontrou mais tubérculos, depois do 5º dia, porém ainda tinha um consigo, pequeno do tamanho de seu punho, mas esse ela estava guardando para tempos piores, os quais ela torcia para não vir.

Uma duna gigantesca estava a sua frente a maior que ela já vira, o céu vermelho agora estava quase coberto por nuvens negras como a noite, o dia seria noite se as nuvens grossas não abrissem fendas e orifícios por onde focos da luz dos sóis passava, dando um aspecto celestial aquele lugar que parecia esquecido por Deus. O calor sufocante que era esperado no meio dia, não conseguiu passar o céu sobrecarregado de nuvens e Lóris pela primeira vez não precisou se esconder.

Apesar da subida íngreme e da areia parecer segurar os seus pés, ela estava fascinada e excitada como uma criança em um parque novo. Poder andar durante o meio dia -pensava ela- nunca achei que fosse possível. Quando estava em cima da duna viu um mar de deserto a sua frente, era plano como a superfície de um espelho, e não muito longe dali ela viu gigantescas torres verticais, muitas delas, dezenas delas, pareciam ser brancas.

Esperava que ali tivesse alguma água e comida caso contrário, seria seu fim.

Lóris andou o mais rápido que seu corpo permitiu e quando estava anoitecendo chegou lá e viu alguns dragões amarelos voando sobre os monólitos. Os monólitos pareciam troncos de árvores que iam de tons de branco sujos a cinja, as duas cores pareciam ter sido congeladas quando estavam em movimento não se misturavam, como água e óleo. Os monólitos eram de mármores, sua circunferência era do tamanho da casa de Lóris e tinham facilmente 20 metros de altura. No topo se ramificavam como galhos que saem de uma árvore, mas todos estavam quebrados ou podados, próximos ao tronco, mas não tão próximos que os dragões não pudessem fazer os seus monumentais ninhos.

Da visão de Lóris pareciam feitos de pequenos gravetos como qualquer ninho de pássaro que ela ainda recordava da sua infância, uma das poucas recordações que tinha, entretanto ela sabia que podiam ser troncos de árvores inteiras.

Ela sorriu, pois eram troncos marrons e verde de árvores de verdade isso significava que havia floresta além de deserto, e água, naquele mundo.

A moça dos cabelos azuis deitou em baixo de um monólito e fitou o céu acima onde os dragões amarelos, dourados, contrastavam com as pesadas nuvens negras que cada vez mais ficavam negras com a retirada dos sóis e a chegada do tempo da noite. Ela dormiria ali, não tinha medo dos dragões, pois ela sabia que eles nunca desciam nas areias, e que havia árvores de mármore mais que suficientes para todos eles.

Esperava encontrar água e alguma comida no dia seguinte, e algum combustível para as fogueiras das noites frias, ela já estava cansada de acordar toda doída de dormir a noite toda encolhida e tremendo.

Acordou com as costas úmidas ela havia dormido sentada encostada na magnífica árvore de pedra, e dormiu muito bem, sem temer ser atacada, pois ninguém se atreveria a vir ali em baixo dos ninhos dos dragões e fazer barulho tentando capturar uma presa, no caso ela. Virou-se e viu uma pequena camada de água envolta na pedra, ela começou a lamber compulsivamente, não tinha gosto nem cheiro, era água de orvalho e das boas. O céu ainda estava pontuado por nuvens, mas eram mais finas e esticadas. Mas Lóris não ligou, lambeu a pedra até sua língua se cansar e sua boca doer de ficar aberta, tentou pegar um pouco e colocar no cantil, mas os sóis saíram e secaram muito rapidamente.

Ela ouviu um estrondo no céu acima, olhou, e o que viu ficou gravado em sua mente, ela nunca mais se esqueceria. Cerca de 13 dragões amarelo dourado voavam euforicamente sobre os monólitos e do deserto á frente um grito como de porcos sendo torturados, precedeu cerca de 30 dragões verdes, ao contrário dos amarelos eles tinham escamas. Começaram a lançar fogo de suas bocas na tentativa de queimar os amarelos, mas esses retalharam. Logo o sol vermelho teve o seu momento de gloria ofuscado por uma batalha de imensas feras.

Os verdes eram em maior número, mas os amarelos eram mais ágeis e organizados, eles atacavam com fogo e quando conseguiam chegar próximos se arranhavam com as garras afiadas, abrindo enormes sulcos, furavam a grossa pele com a ponta da cauda, que era uma perfeita lança.

Lóris estava escondida atrás do monólito, mas ela sabia que não havia onde se esconder, ela viu o maior dragão verde o que parecia ser o líder, ele não estava sozinho. Sentado no final do longo pescoço e no início do seu corpo tinha uma figura negra com uma capa negra. Ele comandava o dragão com rédeas que ficavam pressas em sua boca larga e fina. Estava lutando com um dragão amarelo em cima da árvore de mármore que Lóris estava agarrada. O dragão amarelo dourado era um pouco menor que o verde, mas tinha um corpo mais elegante e uma cauda 2 vezes mais longa, a cabeça era lisa como a de uma cobra, enquanto o verde escamoso tinha muitas barbatanas e longos pedaços de couro como cabelos que saiam de seu queixo e pendiam para baixo.

O dourado tinha a fúria de uma mãe quando seus filhos estão em perigo, já o verde tinha a fria determinação de pegar os filhotes, parecia não notar a dor de seus ferimentos.

O verde tentava chegar até o ninho, ele cortava o dragão amarelo com suas garras, já esse estava furando o corpo do seu oponente com a ponta da cauda, que penetrava profundamente em sua carne. Mas o verde era mais pesado e empurrava o amarelo contra o ninho fazendo com que pedaços de troncos e galhos de árvores caiam ao redor de Lóris.

O sangue vermelho das dezenas de dragões no ar despencava em forma de gotas finas e grossas, junto com alguns dragões verdes e amarelos que caiam, fazendo a areia levantar e o chão tremer.

No monólito onde Lóris estava, o sangue do dragão amarelo que era jogado violentamente contra ele, escoria pelo mármore branco acinzentado que não oscilava, a luz vermelha do pequeno sol ressaltava o vermelho e o amarelo, fazendo com que eles parecessem milhares de vezes mais vivos, mais intensos.

Depois de alguns minutos o dragão verde obedeceu a um súbito comando de rédeas fazendo-o avançar agressivamente, cortando a pele do dragão amarelo profundamente, e o arremessando contra o seu ninho, causando a queda da metade desse. Ferido seriamente o dragão amarelo caiu na areia, e como tantos outros levantou uma nuvem de partículas, que logo assentou se .

O dragão caiu a poucos metros de Lóris, que estava com as costas grudadas no monólito, nem notava o sangue, que agora não corria mais por ele, mas que ainda pintava-o e molhava suas costas. Lóris estava ladeada por troncos e galhos que caíram do ninho e no meio deles ela viu cascas de dois ovos, amarelos por fora e douradas por dentro, e lá próximo viu um dragão um pouco maior que ela com as asas desproporcionais em relação ao corpo. Ele era todo amarelo com manchas vermelhas que seguiam as vértebras , olhos negros e profundos.

Lóris olhou para o filhote e para sua mãe agonizando, essa olhou com seus olhos negros com formato de olhos felinos para Lóris e dela para o filhote. Lóris sentiu aquele olhar a atravessar, sem uma palavra do dragão, ela sabia o que ela queria desesperadamente falar com a força de seu último suspiro, ela sabia:

cuide de meu filho.

Era isso que ela diria e de certa forma estava dizendo. Então os olhos azuis viram a luz dos olhos negros, felinos apagarem. O tempo dela tinha se acabado. Lóris sabia disso e sabia que não poderia negar o que ela havia lhe pedido.

Olhou para cima, e viu o dragão verde se equilibrar na beirada do ninho e a figura negra desceu dele, tirou a capa e envolveu um filhote amarelo idêntico ao que caiu, só que muito menor. A única coisa que Lóris viu era que a pele dele tinha aspecto pútrido. Ela tinha certeza que aquilo não era homem, poderia até já ter sido, mas não era mais.

Ela andou por baixo e pulou por cima dos troncos e galho das árvores até chegar no dragão, esse estava tão confuso que não a ligou, ela agarrou sua asa e o puxou para perto do monólito do inicio ouve alguma resistência, mas depois ele já colaborava. Ela ficou lá parada olhando para o filhote e para o céu.

Os poucos amarelos que sobraram, não mais que 4, fugiram para o lado do deserto á frente, e os dragões verdes também tiveram perdas, cerca de 10 sobraram, o dragão que a figura negra montava também morreu devido as perfurações, que a mãe lhe causou com a lança de sua cauda.

Para a figura negra que nada sofreu, não significava nada, pois ele com o dragão filhote capturado, mudaram para um dragão que quase não tinha ferimentos e depois de assegurar que todos os ninhos estavam em chamas partiram, na direção do castelo de Mandros.

Agora quase cada monólito tinha uma enorme chama ardendo em seu topo, o calor descia pelo mármore e fazia o sangue estático voltar a correr. O pequeno filhote andou até o corpo de sua mãe cheirando-o, cutucou com o focinho em sua cabeça, mas ela não se mexeu. Lóris foi até ele e o olhou, tocou sua cabeça, e em seguida começou a andar para frente, entre os monólitos em chamas, olhou para trás e o dragão a seguia.

- Talvez encontremos os outros, afinal eles fugiram para essa direção.

Ela falou parada, esperando o dragão a alcançar. Sentia muito pelo ocorrido e jurou que se encontrasse aquele monstro ela enfiaria a faca em sua barriga e ficaria olhando o sangue escorrer, como ele fizera com os dragões, com ambos os amarelos e os verdes. Ela sabia de alguma forma, que os verdes não eram ruins, não! Eram criaturas boas e tinha certeza que a culpa dessa chacina era daquela criatura.

Sentiu um peso em seu coração como um lamento antigo. Ela sentiu muito quando o verme a deixara, mas isso era diferente, era mais antigo e estranhamente familiar. Não sabia explicar, e nem compreendia. Eles andaram até anoitecer deixando os monólitos para trás e quando já era noite ainda era possível ver as fracas chamas, e foi olhando para elas que ambos dormiram.

valmi
Enviado por valmi em 26/05/2009
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