Um grande duelo

Após dois anos sem escrever, venho com um texto antigo, mas que eu gosto muito. Ainda pretendo terminar as Crônicas do Cavaleiro da Morte (se é que alguém lê e gosta daqueles textos...). Por hora, isso é o que tenho para vocês:

O GRANDE DUELO

A lua brilhava absoluta no céu sem estrelas. As planícies se contrastavam com as montanhas que enchiam o horizonte. A iluminação era mínima. Mas isso não era problema para aqueles dois guerreiros. A batalha era feroz e transcorria normalmente.

Um tinha a pele marrom, levemente acinzentada. Era alto e bastante musculoso. A cabeça nua exibindo desenhos tribais, no rosto um focinho, no lugar do nariz. Dele descia uma argola. Brincos pendiam de suas orelhas levemente pontudas. Os caninos inferiores iam além de seu lábio superior. Meio-Orc. Esta era a raça do guerreiro. Empunhava uma espada larga, e trajava uma vistosa armadura vermelho-sangue.

Seu adversário era um ser baixo e de corpo bem constituído. Tinha uma longa barba negra, usava um elmo com um chifre único, à esquerda, e vestia uma armadura de couro batido. Era um anão. Em sua mão um belo machado de guerra. Duas lâminas. Reluzia muito, não era nenhum metal comum.

- Você é muito convencido, baixinho. Achando que pode vencer-me. Não me faças rir. Você é pequeno demais para isso. É um simples anãozinho, alguém que esqueceu de crescer e agora fica brincando com coisa de gente grande. Vou te mandar para o inferno, ser insignificante.

- Você fala muito, Drego. Conta muita vantagem por ser grande. O Alípio tá a fim de te cortar ao meio.

- Não estou dizendo? Você até hoje coloca nome nesses seus brinquedinhos. Como é o nome desse? Ah, sim... Alípio. Nome imbecil. Só espero que ele não seja tão inútil quanto o nome que você o deu.

- Nunca zombe do meu machado...

Axim avançou sobre o meio-orc, atingindo-o na perna. Drego cambaleou, mas se manteve firme. Sua espada tentou atingir o braço do anão. Não encontrou nada, Axim esquivou-se. O Machado atingiu o lado de seu algoz. Drego sorriu. Realmente havia subestimado o pequeno guerreiro. Gargalhou alto. E sua gargalhada ecoou pelo campo.

- Está desesperado, Drego? Já está delirando? Ainda nem me esquentei direito.

- Estou rindo de felicidade, anão. Subestimei você. Apesar do pouco tamanho é bastante habilidoso...

- Tamanho não é tudo, meu caro.

- Ah! É sim. Nós, os grandes, somos mais fortes e temos o direito de exterminar vocês, seres pequenos e fracos. Vermes como você merecem morrer.

- Se você acha que tem o direito de fazer, tente!

- Você manda!

A espada do meio-orc passou ligeira pelo chão, abrindo uma fenda no solo e depois no peito de Axim. O chão ficou manchado. Axim se apoiou no machado, a mão no peito ensangüentado. O cabo da espada veio logo a seguir e acertou o rosto barbudo. Ele caiu.

- Está vendo, Axim? Você não é páreo para mim. Eu sou mais forte, eu tenho direito. Eu sou MAIOR...

O pé de Drego foi de encontro a Axim, mas não conseguiu toca-lo. O machado acertou Drego, primeiro. Ele recuou. Axim colocou-se de pé e moveu o pescoço para os lados, estralando-o. Sorriu. Drego retribuiu o sorriso. As duas armas foram ao ar e se chocaram. Uma. Duas. Três vezes seguidas. A ponta da espada foi em direção ao peito do anão. Com um giro do machado ela mudou sua trajetória. Depois girou o corpo e o machado, terminando o giro ao acertar a barriga do meio-orc. A espada atingiu as pernas pequenas do anão. A luta se arrastou por mais um bom tempo em total igualdade.

Axim estava com o braço esquerdo, aparentemente, quebrado. Tinha um longo corte na testa, e sangue descia dele até seu queixo. O ferimento do peito expulsava cada vez mais sangue. Drego tinha um ferimento na barriga. Estava com ambas as pernas sangrando, e tinha um dedo a menos na mão direita – o indicador.

O machado de Axim foi em direção ao meio-orc e errou-o. Um soco no estômago do anão fê-lo urrar de dor. Sangue caiu de sua boca. O pé de Drego atingiu o rosto de seu inimigo, fazendo com que ele girasse no ar umas quatro vezes ante de cair, pesadamente, no chão a uns cinco metros de Drego. O meio-orc começou a se aproximar. Axim tentou erguer o machado. Outro chute o acertou-o no rosto. O som dos ossos se quebrando foi horrível.

Drego gargalhou.

A vitória era certa. O anão estava caído bem a sua frente, inerte. A respiração de seu inimigo já fraquejava. O som do coração anão pulsando, aceleradamente, divertia Drego. Ele sorria muito. Ergueu a espada ao alto. As duas mãos segurando-a. Soltou um grito de guerra em seu próprio idioma. Ao que parece, gritava que a vitória era dele, e que nem os deuses podiam detê-lo. Ele abaixou a espada... Um terrível silêncio se seguiu. E então ouviram o som de uma lâmina rasgando carne. E um grito de guerra ensurdecedor ecoou alto pela região:

- A-LÍ-PI-OOO!

O machado de Axim passou ligeiro pelo tronco do meio-orc. Drego cuspiu sangue. O anão havia se colocado de pé e atacado seu adversário com uma rapidez incrível. O meio-orc caiu. Não estava morto, apenas desmaiado. Podia-se ouvir o coração dele batendo.

Axim ofegava muito. Olhou para seu inimigo caído no chão. Indefeso. Completamente privado de qualquer forma de se defender.

- Chegou a hora de ter o que merece, seu miserável. Vai ver quem é o fraco. Nós baixinhos podemos fazer muita coisa. Somos melhores que todos vocês, grandalhões que só sabem contar vantagem. Vai morrer agora, nunca mais irá zombar de outra criatura pequena.

Axim ergueu Alípio a fim de dar o golpe final em Drego, mas não agüentou. O machado se tornou pesado de mais. Sua força começou a se esvair. Ele já não sentia mais o corpo. Caiu com um baque surdo no chão. Estava sorrindo. Finalmente havia derrotado seu pior inimigo.

O sol estava começando a se pôr, Axim terminara de narrar pela décima vez sua luta contra seu maior inimigo, Drego, para o garoto camponês que estivera acompanhando-o durante aquele dia de trabalho.

Axim era mercenário. Fazia serviços de combate em troca de alguns Gobrans. Seu último contratador era a pequena vila Zaov, limite de Teol com Ruzckwen, o reino montanhoso dos anões. Sua missão era exterminar um ogre que vinha causando problemas aos camponeses.

Serviço que já estava cumprido. Matara o ogre e agora estava sentado sobre o cadáver, bebendo.

- Hei, garoto. Traga-me algo para beber.

O menino foi até uma casa próxima dali e voltou com uma garrafa. Axim jogou a caneca de cerveja, vazia, de lado e agarrou o litro de vinho que o menino o oferecia. Os outros camponeses se aproximavam, festejando. O anão bebeu um bom gole do vinho. Cuspiu.

- Que coisa é essa? Isso não tem álcool. Vocês querem me envenenar? Pelo amor dos deuses, bebida sem álcool é coisa de elfo. Tenho cara de elfo? Acho que não. Dêem-me logo meu dinheiro preciso encontrar um lugar onde tenham bebida de verdade.

- Desculpe, senhor. – disse um camponês, que parecia ser o líder. – Não temos bebidas ao seu gosto. Sentimos muito. Ficamos extremamente agradecidos pelo serviço prestado. Aqui está. Quinhentos gobrans, como prometido.

- Eu que agradeço. Adorei sujar o Alípio com o sangue desse verme. Foi muito divertido mata-lo. Claro, nada que se compare ao meu encontro com Drego. Deixe-me contar-lhes como foi.

O anão até esqueceu que queria encontrar uma bebida forte. Contou três vezes seguidas a mesma história aos camponeses e depois decidiu ir.

Rumou para o sul. Tinha assuntos a tratar por lá.