Laços de Honra

Gosto muito deste texto. Ele foi escrito para fazer parte de um livro que eu nunca cheguei a terminar. Mas gostei muito de ter descrito os personagens que serão mostrados abaixo. Espero que alguém goste tanto quanto eu. Posterei mais sobre este livro em outra oportunidade, por enquanto aproveitem o texto abaixo.

Boa Leitura!

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Um grande planalto. Uma única estrada de terra, em meio a uma relva muito baixa e pisoteada. O clima quente, castigando o solo e a vegetação. Era assim a típica paisagem do humilde reino de Kaog, o marco zero da civilização. Reino de um povo sofrido. Vitima de constantes ataques das tropas do reino vizinho, Yoqueal, a floresta negra, lar das mais horríveis criaturas que a imaginação pode criar. Assim não é raro ver aventureiros corajosos, e loucos, viajando pelo reino. Tentando, inutilmente, salvar as vidas da população. Dessa forma, poucos se surpreenderam ao vê-los.

A poeira se erguia suavemente quando eles passavam. Trotes rápidos. Todos os três eram velozes. Galopavam a uma velocidade alta. A poeira se erguia cada vez mais alta.

Uma jovem estava entre eles. Cabelos negros lisos e longos, presos em duas tranças. Tinha a pele amarelada, os olhos eram amendoados, lembrando olhos élficos, e negros, muito negros. Trajava uma brilhante armadura dourada. E tinha uma tiara, em forma de um dragão-serpente, na cabeça. Nas suas costas um fino arco de prata, junto a uma aljava com muitas flechas.

Um pouco mais atrás, havia um homem de feições um tanto severas. Cabelos curtos e negros. Os olhos semelhantes aos da moça, mas um pouco menos amendoados. Exibia um manto verde-folha, que media do pescoço aos pés. Bordado nas costas havia um dragão, sobre um grande rochedo. Não carregava consigo nenhum tipo de arma.

À frente do grupo ia um jovem garoto. Não tinha feições como os demais. Seus cabelos levemente encaracolados, presos num rabo de cavalo, mediam até abaixo do ombro. Os olhos não eram nem um pouco amendoados, e, diferente dos outros, eram de uma bela cor-de-mel. O homem vestia uma armadura completa totalmente cor-de-sangue. Trazia um dragão dourado em seu peito. À luz do sol, a armadura reluzia belamente. De sua cintura pendiam duas bainhas. Uma, um pouco mais comprida, trazia uma espada um pouco curva e com um cabo finamente trabalhado. A outra era curta e reta.

Todos cavalgavam cavalos negros, e conseguiriam impor medo em muitos guerreiros de nome.

O jovem que ia a frente parou. E os outros acompanharam seu movimento.

- O que foi Lieü? Ainda estamos longe de nosso destino – A jovem com sua voz melódica.

- Eu sei, Tieni, mas estou pensando nesta missão. Será que conseguiremos resgata-los com vida? Essa missão parece-me um tanto impossível.

- Você se preocupa demais – interveio o homem, sua voz era forte e alta – Se fosse uma missão qualquer não teriam mando nós três. A clériga mais confiável de Shamle, o grande deus da Honra, Tieni; eu, o líder da Ordem dos Magos Orientais, Baothrex; e o maior samurai que já existiu, Lorde Lieü.

- Eu sei, Baothrex, meu caro amigo. Mas esta missão vai além de tudo que já fizemos antes. Sei que juntos já vencemos dragões, e salvamos a vila de diversas invasões. Mas, dessa vez...

- Chega de péssimos. Somos praticamente imbatíveis quando estamos juntos – a jovem fez questão de dar ênfase no “imbatíveis” – Nada pode nos parar, e se puder, significa que é mais digno da vida do que nós. Você sabe que lutamos pela honra de nosso povo. Não podemos deixar de cumprir com nossas obrigações. Agora vamos, temos que chegar ao vilarejo antes do entardecer!

- Tudo bem! Vai dar tudo certo, afinal tenho comigo os dois melhores amigos que alguém poderia desejar ter.

O homem e a jovem fizeram uma reverencia para o samurai e em seguida os três partiram galopando, pela velha estrada de terra, levantando poeira por onde passavam.

Eles percorreram um longo caminho até avistarem um povoado, muito humilde. Rumaram para lá. Já noite já começava a cair e eles precisavam descansar.

A vila era modesta. Poucas casas, todas velhas e remendadas, a madeira já apodrecida. A população tinha um ar sofrido, olhares tristes. Todos receberam com festa os visitantes. Apesar de ser normal avistarem aventureiros naquela região, não era todo dia que um grupo daquele porte aparecia no vilarejo.

Desde os mais velhos até as crianças, todos estavam em festa. Pulavam e cantavam em volta dos recém-chegados. Traziam comida e água e ofereciam a eles. Perguntavam se iam passar a noite, ofereciam suas casas. Todos falavam juntos e se desfaziam do ar tristonho, enquanto saudavam os forasteiros.

Tieni sorria bastante. Gostava de ser tratada bem nos locais por onde passava. Lieü esboçava um meio sorriso. Ele sempre gostou muito do povo. Adorava gastar seu tempo no meio de pessoas pobres, tentando alegra-las com sua presença. Baothrex era o mais carrancudo. Estava tentando afastar as pessoas de Lieü, como se elas pudessem fazer algum mal a eles.

- Precisamos de um lugar para passar esta noite. Se não for incomodo, queríamos também um lugar para que pudéssemos nos lavar e uma refeição. – Lieü fazia-se ouvir em meio a toda aquela barulheira.

- Podem ficar em minha casa. É muito humilde, mas é a maior da cidade e minha filha cozinha muito bem. – um senhor, já de idade bastante avançada se pôs à frente da multidão.

- Aceitaremos então, meu senhor. Conduza-nos até sua residência.

O velho levou-os até um enorme casarão, bastante velho e apodrecido. Tinha dois andares, com algumas janelas pendendo no segundo andar. A entrada era uma escada bonita e conservada, ainda que bastante rústica. Baothrex pediu Lieü para deixa-lo ir primeiro. Ele subiu as escadas verificando se ela era segura e só então permitiu que seus companheiros subissem.

A casa era simples, muito simples. Tinha um espaço imenso, pois era muito grande e poucos móveis a ocupavam. O velho gritou sua família.

Sua esposa, Inara, era um pouco mais jovem que ele. O filho, Kilim, era um garoto de uns dez anos, muito magro e com olhos fundos. A filha, Dalana, era a mais bela da casa. Uma moça morena e um pouco magra, mas com feições muito atraentes. Aparentava ter uns dezoito, dezenove anos.

- Bem, senhor Hevere. Agradecemos por sua hospitalidade e estamos dispostos a pagar pelas despesas. Agora poderia mostrar-nos um local para nos banharmos?

O homem ordenou que seu filho levasse os três aventureiros até um quarto no andar de cima. Nele havia uma grande bacia, onde o menino depositou água quente. Ali, um de cada vez, começando com Tieni e terminando com Baothrex, eles se lavaram.

Dalana serviu-os um delicioso ensopado de frango, acompanhado por um vinho não muito bom. Os três comeram educadamente, embora a fome que sentiam fosse visível.

- Sem querer me intrometer em seus assuntos, meu senhor. O que três guerreiros como vocês fazem nesta parte do reino? Nós vivemos na região mais pobre e abandona de Kaog.

Baothrex olhou Lieü com severidade, mas, ignorando o olhar do companheiro, o samurai começou a falar.

- Viemos de Ümoarga. Fazemos parte da elite do exercito do honrado reino do povo do oriente. Estamos numa missão de extrema importância para nosso povo. Precisamos resgatar um lorde feudal muito influente que está cativo nesta região.

- Vocês são membros de elite do exercito de seu reino? – os olhos do pequeno Kilim se encheram de curiosidade – então vocês são muito fortes, não é?

- Somos sim, rapazinho – Tieni olhou ternamente para ele – Eu sou uma das mais fortes clérigas do deus Shamle. Baothrex é o líder da Ordem dos magos de Ümoarga, e também é filho de um dragão verde muito poderoso...

- Filho de um dragão? – a voz do menino se sobrepôs a explicação – Nossa! Isso deve ser muito legal... Ter sangue dracônico nas veias. O senhor deve ter uma força incrível.

Baothrex deu um sorriso forçado. Não gostava de ser lembrado de sua herança dracônica. Nunca se deu bem com seu pai, apesar de já ter sido salvo da morte diversas vezes graças a esse parentesco.

- Mas eu ainda não falei do mais forte de todos. A katana de Shamle, o samurai mais forte que este mundo já criou. Lorde Lieü Idnam. O samurai forasteiro, o único digno de receber os poderes ancestrais de nossa crença, de nosso povo. O homem marcado pelo próprio deus da honra...

- Já chega! – interveio Baothrex – Já tivemos aventuras demais por hoje. Creio que já esteja na hora de irmos repousar. Devemos partir cedo amanhã. Com a licença dos senhores. – Baothrex se levantou e fez uma referencia à família que os acolhia – Vamos, meu senhor?

- Boa noite a todos!

- Que Shamle dê-lhes um bom descanso.

Lieü se despediu, seguido de Tieni, e os três subiram para seus aposentos.

O quarto era modesto e estava um pouco empoeirado. Dalana tinha arrumado-o para que eles pudessem dormir. Havia três camas, não muito confortáveis, cobertas com lençóis amarelados e cheirando a mofo. Ao lado de uma das camas, havia uma mesinha onde a moça havia arrumado uma jarra com água, para que os hóspedes pudessem beber, uma bacia e um pano não muito limpo.

- Você fala demais, Tieni. Não tem idéia do quão importante é nossa missão e de que ela deve permanecer em segredo? E o senhor também, Lorde Lieü. Não deve ficar espalhando por aí o que estamos fazendo num lugar como este.

- Calma, Baothrex. Essa gente nos acolheu. O mínimo que eu poderia fazer era dizer-lhes o que viemos fazer nesta região. E também acho correto a atitude de Tieni, eles precisavam saber quem somos. Só que você exagerou um pouco. Não havia necessidade de falar do pai de Baothrex ou ficar se referindo a mim daquela forma. Agora vamos dormir. Que Shamle protege nossos sonos e nos dê forças para seguirmos em frente!

- Que assim seja!

Os três se deitaram e dormiram serenamente, apesar das más condições do aposento.

Pela manhã, antes dos primeiros raios de sol, os três companheiros arrumaram suas coisas, deixaram uma gentil quantia de moedas sobre a mesinha, junto de uma carta, e partiram.

O vilarejo inteiro ficou em festa ao despertar e ficar sabendo que o senhor Hevere havia ficado rico e dividiria o dinheiro com toda vila.

- Você é bonzinho demais, Lieü. Daqui a alguns anos não terá mais dinheiro algum.

- Não se preocupe, Baothrex. Talvez eu nem esteja vivo amanhã. Então deixe que eu faça boas ações enquanto posso.

O meio-dragão apenas deu um leve sorriso. Ele admirava muito Lieü, e no fundo sempre desejou ser como ele. A maior honra para o senhor dos magos orientais era poder lutar ao lado de Lieü, o maior samurai da história.

Os três continuaram seu caminho, velozes. Trilhando caminhos desertos, sob um sol escaldante. Caminhavam, lado a lado, em direção ao seu objetivo. E fixos nele percorreram uma longa estrada.

A terra trincada e seca, praticamente sem vegetação, enfim começou a dar lugar a uma pequena relva verde. Algumas árvores começaram a surgir e com elas sombra. Em pouco tempo entraram em uma floresta, não muito densa. Pelo menos o lugar era mais fresco. Diminuíram suas velocidades, a fim de desfrutar do ar fresco que passava entre as árvores. Iam trotando, calmamente, adentrando cada vez mais.

Há uma considerável distancia da entrada, eles se depararam com um rio. As rasas águas num belo azul-claro, foram o suficiente para refresca-los. Pararam um momento para beber um pouco e encher seus cantis. Também deixaram os cavalos descansarem e se alimentarem da grama um pouco mais alta, próxima do rio.

Depois do merecido descanso, seguiram viagem. Em direção a seu destino. Em busca do que havia sido ordenado que fizessem.

Mais dois dias de viagem, e eles chegaram na cidade Ladvo, a maior da região. As ruas eram largas. As construções, feitas de rocha crua, eram belas e numerosas. Os três seguiram para um local. Uma construção alta e muito chamativa, num largo, onde terminava a rua central da cidade. Uma placa metálica exibia, em letras vermelhas o nome “Taverna da Unha de Dragão”. Dos dois lados da inscrição havia uma figura da pata de um dragão, ambas faltando uma unha.

Dentro, a taverna era mais deslumbrante ainda. Já estava lotada, mesmo o dia amanhecendo há poucas horas. Tinha enormes arcos adornando as numerosas passagens que interligavam as várias salas que formavam o estabelecimento. Diversas mesas, luxuosas, abrigavam os freqüentadores do bar. Nas paredes muitos quadros, todos muito belos. Uma escada, coberta por um tapete verde, levava ao andar de cima. Havia um palco na maior sala, onde um bardo estava cantando. E num canto da taverna, havia um balcão de onde os garçons saiam com os pedidos dos clientes. Lá, um anão, de porte onipotente e uma longa barba, comandava todos os serviçais do lugar. Era visivelmente o dono do local.

Os três se aproximaram. Baothrex falou pelo grupo.

- Bom dia, meu nobre senhor. Procuramos um homem de nome Gactu. Seria possível fornecer-nos informações sobre ele?

O anão fez uma cara desconfiada. Fitou os três da cabeça aos pés. Deu um suspiro e se aproximou deles.

- O senhor Gactu costuma aparecer aqui durante a noite. Ele é um dos homens mais influentes da cidade. Tenham cuidado ao lidar com ele.

- Obrigado pela ajuda. Vou seguir seu conselho.

Os três se retiraram para uma mesa. Tieni pediu vinho para beberem.

- Então, será esta noite o encontro com o seqüestrador. Espero que possamos sair sem ferir ninguém.

- Também espero isso, Lieü. Mas pelo que o taverneiro falou, ele não cederá facilmente. Creio que luta seja um mal necessário. Pelo menos não temos que o quê nos preocupar. Não parece existir pessoa por aqui que possa nos enfrentar.

- Eu acho que não há pessoa no mundo que possa nos vencer. Apenas os deuses podem nos deter.

- Cuidado com o que diz, Tieni. Os deuses podem se zangar.

Lieü sorriu. Baothrex e Tieni eram ótimos companheiros. Apesar de discutirem bastante eram muito fieis e realmente faziam com ele se sentisse mais poderoso.

Os três começavam a beber, quando um grupo de homens abordou-os.

- O que estrangeiros como vocês querem com Gactu? Posso saber quem são?

- Em nossa terra é costume se apresentar antes de perguntar o nome de alguém. Seria educado de sua parte dizer-nos seu nome se deseja saber o nosso.

Lieü não teve tempo de fechar a boca. Um dos homens investiu contra ele, aplicando-o um soco. Ainda bebendo seu vinho, ele desviou a cabeça e o braço do homem passou sem toca-lo.

- Miserável! Você me paga!

Outros dois investiram contra o samurai. Mas seus corpos ficaram imóveis antes de atingi-lo e depois foram arremessados contra a parede. Baothrex estava de pé. Uma aura verde em torno de seu corpo. Os olhos cerrados, sem nenhuma piedade. Os homens que ainda restavam ficaram paralisados perante aquela visão. Lieü e Tieni terminaram de beber o último gole de vinho. A clériga jogou uma moeda sobre a mesa e depois os três deixaram a taverna.