A PARTILHA – maio/2004

Tudo que ele tinha a dizer, disse. E o fez de forma rápida, objetiva e firme:- Adeus!

Bateu a porta e saiu. Como estava seu coração, seus pensamentos e sua emoção, somente ele sabia. Não gostava de demonstrar fraqueza e não aceitava ser dominado por ninguém. Se as coisas estavam sob controle, tudo bem; se sentia escapar-lhe as rédeas, soltava de vez sua presa.

Toda conquista gera responsabilidade, mas ele não gostava disso, nem assumia. Vivia o presente de acordo com as facilidades, não se prendia ao passado, nem se preocupava demasiado com o futuro. Mas aquela separação estava doendo nele. Não dava o braço a torcer, nem forçava a situação, mas também não aliviava...

Apenas aceitava o que se apresentava no momento. No futuro saberia se a decisão fora acertada ou não. Naquele momento parecia ser e somente o tempo se encarregaria, com certeza, de cicatrizar as feridas. Sempre foi assim, por que haveria de ser diferente agora?

Foi para casa e dormiu. Queria esquecer logo aquele dia e recomeçar no outro com tudo zerado. Mas um pesadelo o fez acordar sobressaltado. Sonhou que uma mão atravessava o seu peito e lhe arrancava o coração. Que sonho mais estúpido! A sensação, no entanto, não correspondia à imagem – era uma boa impressão... Dormiu em seguida, não sem um certo receio, mas não sonhou mais... pelo menos não se lembrou de nenhum. No dia seguinte, porém, a imagem não lhe saia da mente. E era uma visão feminina...

Do outro lado da cidade ela desperta. Desperta para uma vida que prometia não ser mais a mesma. Tinha sido, até então, submissa e passiva. Habituara-se a isso. E tudo aconteceu tão naturalmente que dispensa explicações. Sua vida não era uma vida de emoções. Não fazia o seu tipo!

Era calma e tranqüila como as águas de um lago num local sem vento e sem interferências na superfície. Mas era uma calma aparente. Isso durou até ser tocada pelo fogo ardente e penetrante do amor. Já tivera paixões. Paixões até arrebatadoras que duravam como fogo na palha. Da mesma forma como vinham, iam. Evaporava-se para sempre da sua vida e nunca mais a incomodava. Não se apegava a eles, não se deixava envolver.

Para quê? Para sofrer desnecessariamente? Aprendera a ser assim, era seu meio de defesa – imunidade adquirida na desilusão de um amor prematuro que lhe ensinou que o amor tem começo, meio e fim. E só é bom enquanto dura... Não se deixava, então, perturbar. Se uma ave mergulhava em suas águas, era apenas para retirar o seu peixe e ir embora. A turbulência era momentânea e não deixava cicatrizes. Era a lei da natureza agindo. Calma e naturalmente. Sem traumas e sobressaltos. Até ele aparecer...

Chegou como quem nada quer, se alojou em seu ninho e tomou posse do seu coração. Nada planejado – de uma parte ou de outra. Na verdade, nem era para ser assim – muito pelo contrário! Ele veio para um trabalho específico e temporário em sua propriedade. Era um agrimensor contratado e ela uma ruralista proprietária.

Aparentemente, não tinham nada em comum. Ela o contratou por indicação e pagou pelos seus serviços com uma parte da propriedade. Era uma prática comum naquela região e ambos ficaram satisfeitos. Ela resolveu sua pendência com a família, definiu seu lugar de direito e a cada irmão também. Era a mais velha da prole e de mais iniciativa também.

Todos estavam contentes e eram agora vizinhos - independentes na terra, mas solidários como sempre. Tinham agora seu próprio terreiro para fazer dele e nele o que bem entendessem com divisas bem definidas. Apenas foi acrescentado na gleba mais um vizinho que resolveu, pela primeira vez na vida, fincar raízes. Não escolheu o lugar e isso não era importante – pois normalmente ele venderia.

Mas quando olhou para aquele pedaço de chão – que o destino colocava em suas mãos – sentiu um leve arrepio ao reconhecer naquela visão a imagem que sempre aparecia em seus sonhos desde menino. Faltavam apenas alguns detalhes que trataria de corrigir. Não sabia que esse lugar existia... Seria coincidência? Não havia razão para questionar e o momento era propício para se estabelecer.

Algumas idéias foram aflorando em sua mente e um quadro se desenhou nitidamente. Já sabia o que faria ali e começou rapidamente a por seus planos em ação. Pouco tempo se passou e o lugar ficou irreconhecível.

A antiga proprietária passou um dia por ali e ficou a contemplar admirada, montada em seu cavalo. “Meu Deus! – exclamou ela – Que bela transformação!” Ele, que estava próximo, ouvindo seu comentário, pensou: “Meu Deus! Que bela surpresa!”

Os dois então se olharam, de uma forma diferente, querendo enxergar algo mais. Uma química conhecida começou a envolvê-los. Parecia, na verdade, que se viam pela primeira vez. Nas poucas vezes em que se falaram, foram estritamente profissionais e com seus mecanismos de defesa ativados.

Desta vez, no entanto, era diferente. Estavam relaxados, descontraídos e desarmados. Juntou-se naquele momento, instintivamente, a fome com a vontade de comer... E o que se seguiu foi espontâneo e naturalmente verdadeiro. Já se viam agora, principalmente depois de se conhecerem melhor, com muita coisa em comum. Um mês depois, parecia que se conheciam há séculos...

E as partes separadas se uniram!

Lourenço Oliveira
Enviado por Lourenço Oliveira em 03/08/2006
Reeditado em 20/12/2018
Código do texto: T208592
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