O CAVALEIRO DA MORTE VI

Parecia alguns dias, talvez fossem anos. O tempo não existia de forma clara. O fato era que fazia algum tempo que Thot se fora. Kriausxam superara seu mestre. E demonstrava total indiferença. O objetivo era apenas um: a área comercial de Inchith.Ali estava seu destino. Estava parte de seu eu.

Seguia sem pressa, deixando um rastro de sangue. Muitos encontraram seu fim no caminho do Cavaleiro da Morte. A viagem era incessante, demorada, morosa. Deveria estar cançado, mas não conhecia essa sensação. Como não conhecia nenhuma outra.

A paisagem deserta permanecia quase inalterada. Algumas árvores, pequenas e ressecadas, quebravam a imensidão de terra negra infértil. O frio incessante era agora acompanhado de um forte vento. Gelado e pesado, o vento rasgava partes do longo manto e os restos putrefatos de carne do cavaleiro. Mas não havia dor.

Ao longe, um vilarejo. O fim da viagem estava próximo. Era hora de aceitar a missão e agir.

A vila era pequena e agitada. Sufocante no frio costumeiro. Gritos incessantes. Vozes roucas, agudas, finas, grossas, gestos mudos, grunhidos guturais. Todos os sons de Inchith traziam dor aos ouvidos e angústias aos seres que a visitavam pela primeira vez. Era um choque forte tanto barulho, após tanto silêncio no árido deserto infernal. Kriausxam jamais estivera ali. Mas não sentiu nenhum efeito ao chegar. Não era nada comparado aos grandes centros de Badbbal e Puckbal. Mas tinha seus atrativos. Tudo podia ser negociado ali. Vários pertences dos mortos eram jogados nesse vale sombrio.

Kriausxam necessitava de uma moeda. Não uma simples moeda. Uma moeda de ouro, grande como um punho adulto, com um desenho em alto relevo de uma adaga de um lado e um rosto jovem e sorridente, em baixo relevo, do outro.

Entrou na cidade e não disse nada. Apenas empunhou a foice.

A chacina durou poucos instantes. Ou talvez horas. O tempo estava cada vez mais confuso. A morte chegou novamente a várias almas que ali se apinhavam. Muitos se foram sem reação. Outros tentaram, inutilmente, enfrentar o cavaleiro. Mas a morte chegou a todos, pois seu emissário estava ali.

O cavaleiro parou um momento. Olhou em ambas as direções e partiu um jovem que corria por trás do cavalo. Corte limpo e gelado. A lâmina estava a cada instante mais fria. Era cada vez mais parte do inferno. Seguiu três passos em direção a um amontoado de pessoas. Eram três homens de boa constituição e um deles possuía uma lança.

Um dos homens correu a frente e saltou. As mãos unidas na tentativa de golpear o cavaleiro por cima, num movimento de martelo. Caiu cravado no cabo da foice, sendo atravessado do pescoço à virilha. O segundo correu, acreditando que haveria uma brecha para atacar. Parou com o estômago no meio da lâmina da foice, deixando a arma pesada com a carga extra de dois corpos. O homem da lança atacou.

Era rápido. Consegiu se aproximar, antes de Kriausxam realizar qualquer movimento e atingiu-lhe uma vértebra. Nada. Nenhum grito, nenhuma dor. Recolheu a lança e golpei mais três vezes antes de ser atingido pelo corpo de um de seus companheiros. Caiu. O segundo veio em seguida. O peso dos corpos inertes mantiveram-no no chão por um instante. O suficiente para Kriausxam atingir-lhe o maxilar com a ponta da lança, num corte horizontal que arrancou-lhe parte da mandíbula. Enquanto o sangue esguichava, o homem já estava arremessando sua lança, escapando dos corpos durante a evasiva de seu algoz. Kriausxam recebeu uma rajada de socos e pontapés. Era como atingir rocha. Expressão pétrea. Corpo intacto. O cavaleiro fez um movimento vertical, tentando separar o inimigo em dois. Mas o adversário era ágil e conseguiu escapar.

A mutidão fugia. Pronta para abandonar tudo apenas pela chance de continuar sua pós-vida infernal. Alguns não tiveram sorte e foram puxados pela foice de Kriausxam e arremessados contra o outro lutador. O cavaleiro aproveitou um momento de distração. Atacou com o cabo da foice o estômago do lanceiro, que dobrou-se. Num movimento limpo e natural, o pescoço do homem caiu sobre o chão e o sangue tingiu a planície de vermelho. Vários corpos inertes, sangrando.

O cavaleiro aproximou-se de uma figura pequena e retorcida num canto. A velha estava em soluços e segurava algo forte contra o peito magro nú. Os cabelos ralos estavam empapados de sangue. Estivera ali desde o início da matança. Chorou. Gemeu. Implorou. Foi rasgada ao meio como papel. No chão, entre as metades do corpo, o prêmio.

Uma grande moeda de ouro, manchada de vermelho e preto pelo tempo estava caída. Esculpido, em baixo relevo, na face voltada para cima havia o rosto de um halfling...