DOCE DALILA  (I)

Aquele dia parecia igual a tantos outros. Quietude, segurança e paz. Seu amor já o tinha. Era um sentimento bom de tranqüilidade e certeza. Não. Não havia carência alguma. Sua vida era plena. Nada lhe faltava. Poder-se-ia dizer que havia construído o seu Éden. As águas que banhavam suas terras eram cristalinas e mansas. As árvores que circundavam seu santuário eram frondosas, e seus frutos eram doces como o mel. Havia pássaros coloridos que com seu mavioso canto embalavam seus sonhos. Ah! Seu sono era qual o dos anjos, sem sobressalto. Seu manto, a cobrir-lhe à noite, um céu estrelado.

Como foi mesmo que tudo começou? Será que ela, Dalila, ainda que sem o perceber, turvou a água desse rio prateado? Qual foi a palavra, o gesto, a atitude que fez mudar a sua história? Ah! Dalila, que não foi capaz de conhecer os perigos da floresta. Doce menina,  que não pressentiu os ventos fortes a balançar as árvores, ameaçando quebrar tudo pela frente. Pobre criança que acreditou ter forças para enfrentar o vendaval e sair ilesa.

Tudo começou tão sutilmente, quase imperceptível, como o caçador que silente arma o laço para a sua presa.  Seria um lobo em pele de cordeiro? O que se sabe é que parecia não representar perigo algum.  Ela riu de si mesma. Achou que poderia estar exagerando. Não! Não havia nenhum mal. Nenhuma má intenção. Ademais, ela era protegida pelo rei da floresta. Ele, certamente, não permitiria que mal algum a atingisse. Não era ela filha da floresta? Quem ousaria tocá-la? E se tocasse que marca deixaria? Nenhuma. Então Ele não determinou que os seus anjos acampariam ao seu redor e que nenhuma flecha, nenhum terror noturno a atingiria?

Em que momento os anjos dela se afastaram? Havia um ser diferente em seu caminho.  Seria ele um deus? Um semideus, talvez. Mas o que chamou a sua atenção naquele ser aparentemente tão igual aos mortais? Por que sua voz soava como o som de muitas águas? Por que seu olhar era tão penetrante que a hipnotizava? E esse ser quase irreal teria um plano para enredar a desavisada menina? Por que ele desceu do Olimpo?

Ah! Tão belo e tão cruel. Tão doce e puro fel. Ela, a doce criança, como que por encanto perdeu a sua paz. Será que esse ser de outra galáxia não tinha uma deusa sua? E se a tinha por que rondar a Sulamita, inocente camponesa?

Seria esse deus um Sansão cheio de poder e força? Ah! Dalila, onde estaria a força desse Sansão? Seria em seus cabelos fartos? Não! A força dele está no olhar, mais penetrante do que um punhal.

Doce Dalila, toma teu cálice de absinto.