SOB O FOGO DO SOL;

SOB O FOGO DO SOL

1.

Os dedos sujos de sangue escreviam dentro daquela prisão – Ah, triste fim o do louco – num papel sujo e fedorento, na realidade tudo era fedorento ali. Fazia 8 anos que a porta não se abria, nem para o sol, nem para o vento, apenas aquela pequena janela onde a comida passava. Sempre a mesma pessoa. Decorava sua fala, sua respiração, seu cheiro. Imaginava seu sabor, seu nome, sua vida...

Escrevia incansavelmente, era sua única exigência: papel e caneta, lápis e folhas, tintas e penas! Morreria sem aquilo, mas não o queriam morto, seria muito fácil. Para ambos.

2.

O sol entrou pela primeira vez num inverno e era tão agradável quanto lembrava. Mas um impulso muito grande não o deixava sair, ali estava a saída, a porta aberta. Existia algum fervor do outro lado. Não queria experimentar. Talvez gostasse apenas de ficar observando o sol entrando pela porta. Era lindo! Tremulava na verdade, de um lado para o outro. Assim como sua fraca e doente memória recordava, o sol era quente! Pensou em, com isso, ter retomado sua sanidade, e talvez por isso os homens tenham aberto a porta e talvez por isso eles sairam correndo, porque cometeram um grande erro o trancando ali.

O calor do sol era algo inigualável e cada vez mais ele tomava o quarto. Sentia a vida pulsando dentro da sua cela e aquilo era algo totalmente diferente do comum.

3.

Escutava o fervor lá fora, talvez as pessoas festejassem sua saída! Sim! Um retorno glorioso! Voltaria a ver Vera, Maria, Mercedez, Eleonora, todas elas, sentadas uma ao lado da outra em um banco ensolarado da praça principal. O Cheiro era denso, imaginou ser da experiência de liberdade! Seus olhos lacrimejavam, mas ele não se sentia tão emocionado assim – não ainda - e o ar se tornava mais denso.

Era incalculável o calor daquele sol tão vivo!

4.

O som aumentava, imaginou que estavam todos contentes. Havia também alguns barulhos de tambores, bumbos soavam ao longe marcando o compasso de uma tremenda festa. Mas ele ainda não podia sair se sentia trancado ali, mas não sabia por quê. Era mais feliz daquele jeito.

Mas o sol era tremendamente vivo seus olhos podiam até vê-lo flamejar na sua frente, entrando pela porta!

5.

A janela continuava escura, como costumava ser durante as noites em que a lua não brilhava. Mas ela era tão alta e pequena, que ele não podia ter certeza da existência de vida lá fora. Ouvia vozes, mas eram gritos. Só não existia luz na janela.

Na porta sim, era o sol.

6.

Espremia-se contra a parede, tamanho o desconforto em relação aquele sol. Imaginou ser um efeito natural de seu cérebro, afinal foram muitos anos sem ver o sol. Na realidade ele já não tinha mais noção de tempo, só sabia que não havia visto o sol nos últimos dias. E nos outros também, e antes destes outros também e que agora estavas vendo, e era muito real! O sol era muito quente, e começara a entrar nitidamente pelo quarto. O fervor todo era transformado em gritos, pareciam um tanto quanto histéricos agora, e ele imaginava que eram outros festejando o sol, embora agora, ele não estivesse tão confortável em relação ao sol.

O calor lhe tostava o rosto, até mesmo seus móveis não resistiam e se enegreciam e depois acabavam virando o próprio sol! Era incrivelmente bonito, mas não queria estar ali.

7.

Então o sol já iluminava todo seu quarto, e era realmente quente, bem como lembrava. Imaginou que quase todo o sol estivesse ali, pensou então nos outros, estariam todos sem o sol, talvez ficassem com frio. A histeria era visível agora e os bumbos se tornavam nítidos estrondos, eram como escadas desabando e pedras caindo e tinha também o som de vidros quebrando não muito longe. Seguia desconfortável ali no seu canto, não queria que tivessem aberto a porta, não queria mais tanto sol, não queria que tivessem dito:

“FOGO! FOGO! TUDO VAI QUEIMAR!”

Mas a sua sanidade o confrontava e fazia não tocar o sol, o fazia esperar até ele se terminar, até vir a noite e ele poder descansar, com todo conforto que lhe era oferecido.

8.

Adormeceu e quando acordou já não existia mais barulhos, tudo estava escuro. Sabia que havia chegado a noite. Paredes, móveis, tudo estava preto, era a lua que invadira.

Abriu os olhos.

9.

Levantou, caminhou sobre as cinzas, os escombros, os corpos carbonizados. Saiu pela porta que estava quase caindo. Havia muita gente do outro lado, bombeiros e policiais também. Era o único sobrevivente e não era mais um doente, o sol havia o curado.

E agora sim, chorava de emoção.

10.

E era um dia ensolarado;

Reny Moriarty
Enviado por Reny Moriarty em 16/04/2010
Código do texto: T2200705
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