O iluminado

A filha, a pretexto de uma pesquisa escolar, naquele momento, enchia-o de perguntas filosóficas. Ele, atarefado com uma atividade doméstica, tinha dificuldade em refletir sobre os assuntos propostos. Veio uma chuva de indagações, a propósito dos mais diversos temas, às quais ele não respondia de imediato, dizendo que eram assuntos que exigiam uma profunda reflexão. Por serem matérias tratadas durante séculos por grandes sábios, homens iluminados, dizia ele, ele não poderia se arriscar a emitir opinião sem uma grande meditação, sob pena de passar por ridículo. Por fim, na ocasião em que a filha propusera uma questão a respeito da razão da existência humana, ele se viu então iluminado. E de fato estava.

Tudo se passou assim: logo que a filha fizera a pergunta, ele distraiu-se no conserto de um interruptor de energia, pôs a mão no fio desencapado e levou um potente choque elétrico, ao mesmo tempo em que percebeu um grande clarão, como se fosse um flash de máquina fotográfica a fustigar-lhe os olhos. Soltou o fio no ato reflexo imediato, mas sentiu que a energia insistia em percorrer-lhe o corpo. Foi aí que notou que uma grande luminosidade tomara conta do interior da casa, como se além da luz solar que passava pela janela, várias lâmpadas tivessem sido acesas a um só tempo naquele ambiente. Porém, somente ao escutar a voz da filha gritar “mamãe, o papai acendeu”, é que se deu conta é que era ele mesmo a fonte de todo aquele brilho.

Estava iluminado, e mais ainda, estava iluminando, qual fosse um astro celeste resplandecente, o sol despencado do céu para dentro de sua casa. A esposa, ouvindo o grito da filha, veio da cozinha e deparou-se com o marido cintilante, a espalhar luz por todos os lados. Ficou tomada de pavor ao ver o esposo emitir aquela luz branca brilhante, que por sua vez não comparou ao brilho de uma estrela, mas pareceu-lhe mais uma lâmpada fluorescente acesa de tamanho gigante, completamente viva. A claridade que ele emitia espalhava-se por toda a residência, e passando através janela de vidro, alcançava boa parte da rua.

No princípio, envolto em toda aquela luminosidade ele tinha dificuldade em abrir os olhos, mas pouco a pouco a vista foi se acostumando, até que em certo tempo não teve mais nenhum problema para enxergar. A esposa e a filha entretanto, não conseguiam dirigir-lhe o olhar diretamente com facilidade, e colocaram óculos escuros para poderem observá-lo. E não dispensaram mais este artifício a partir de então, quando queriam se aproximar dele.

Os dias se passaram e ele pôde experimentar os prós e contras que sua nova condição lhe proporcionava. Se por um lado foi promovido no trabalho por ser um funcionário "brilhante", no dizer do chefe, por outro lado, passou a dormir na sala, pois a esposa o expulsara do quarto, porque segundo palavras dela mesmo, era impossível dormir com um farol aceso apontado para o rosto. Se lhe era totalmente conveniente a economia na conta de energia elétrica no fim do mês, uma vez que estando em casa dispensava qualquer outra fonte de luz visto que ele sozinho alumiava todos os cômodos, lhe foi proporcionalmente desconfortável a recomendação da prefeitura para que permanecesse em casa. Essa recomendação viera pelo fato de que, estando pela rua, sua luminosidade havia provocado complicações no trânsito, já que os raios de luz que emitia, incidindo diretamente nos olhos dos motoristas, causavam extremo incômodo, comprometendo-lhes a visão, ocasionando alguns acidentes.

E foi assim que ele, embora sendo um homem iluminado, passara a viver num eterno conflito existencial até que num determinado dia, tão de repente como quando se iluminou, ele de uma só vez apagou-se. E para sempre. E de toda a existência.

Alex de Paula Souza
Enviado por Alex de Paula Souza em 18/05/2010
Reeditado em 18/05/2010
Código do texto: T2263619