SORRINDO PARA O SONHO

A gente sempre sonha em encontrar alguém especial que nos ame e que então a felicidade invada nossa vida e sejamos felizes para sempre. Algo similar aos contos-de-fadas. O tempo vai passando e nada disso acontece da forma que sonhamos. A paciência vai se consumindo e aos poucos esse sonho vai ruindo ao mesmo tempo em que nos vai fazendo um mal interior quase irreparável.
A gente vai perdendo a credibilidade no ser humano, pensa que todo mundo é igual. Ao ponto de se pensar em desistir de tudo, de todos e até da vida, de romper esse idílio louco e intermitente.
Eis que de repente o que se quis, se desejou, se buscou com veemência, se pediu a exaustão, se sonhou em demasiado, se perseguiu de forma desenfreada, finalmente chega assim de supetão sem aviso algum. E então se percebe que chegou a hora de acordar, parar de sonhar e viver somente, para amar, no caso aqui em questão amar cada vez mais, pois o sonho se realizou afinal.
Por mais que eu diga, repita, te escreva, te descreva, te mostre, te desenhe... Jamais você conseguirá entender o quanto você significará pra ele.
Para um amor tão grande assim: simplesmente amor; muito amor e mais amor, porque amor demais nunca é ruim.
O dia em questão é 05 de outubro de qualquer ano que vier. Essa data será sempre especial, pois será o dia que você conhecerá o verdadeiro e eterno amor de sua vida.
Madame Felicity ficou parada por alguns minutos, contorceu como se fosse levantar da cadeira e por fim abriu os olhos lentamente.
- ...? A expressão de Sônia exigia uma confirmação.
- E assim será minha filha... Será o dia mais feliz da sua vida e seu rosto ficará iluminado num sorriso que encantara não só o seu príncipe, mas também a todos, que a conhecem e ao mundo inclusive. Quem viver verá. Madame Felicity garante e assina em baixo.
- Será mesmo Madame Felicity... num sei não...?
- Está duvidando de mim, eu vi tudo isso nesse transe hipnótico que tive, relatei tudo, você não escutou bem...?
- Sim de fato, a senhora parecia hipnotizada e em outro lugar e falou exatamente como me sinto, é como se lesse meus pensamentos, meu diário existencial. Vou acreditar na senhora, bem aqui estão os cinquenta reais. Num deu pra ver o ano mesmo?
- Não... melhor você ir embora, a próxima cliente tá chegando, boa tarde minha filha.
- Tchau, obrigada. Sônia saiu rindo, parecia no céu. Partiu da sala da vidente numa espécie de torpor divino, meio grogue com a possibilidade de sua fantasia virar realidade. Praticamente saiu sonhando acordada com o dia do encontro que mudaria sua vida. Tão distraída que estava no seu mundo fantasioso, de fato andava nas nuvens e estava em êxtase, bêbada no afã de saciar seu desejo, absorta em mil pensamentos de felicidade que não vê um carro que vinha em alta velocidade na sua direção. E assim em poucos minutos ela encontrava-se caída no chão, seu corpo inerte e sem vida, totalmente ensanguentada. Logo estava cercada de uma multidão de curiosos. Sua matéria humana estava toda desconjuntada. Roupas rasgadas, sapatos amassados, bolsa partida, óculos e objetos pessoais espalhados, sujos com pingos de sangue e no rosto de Sônia uma coisa chamava atenção. Todos olhavam embasbacados, penalizados e acima de qualquer coisa estranhavam aquela serenidade desmedida estampada na sua face. Precisamente no rosto de Sônia, que parecia intocado diante da batida, que nem um ferimento, respingos de sangue, nada mesmo conseguiu tocar. Lá apenas um sorriso discreto jazia intacto. Um sorriso suave, contagiante e inexplicável. Parecia o semblante de alguém que estava muito contente, ou melhor, extremamente feliz mesmo. Num dia ainda mais feliz ainda. Talvez o dia mais feliz de sua miserável vida, de toda uma existência.

Contos de verão – autores contemporâneos brasileiros edição especial, Rio de Janeiro, CBJE, 2011.

5ª ANTOLOGIA BECO DOS POETAS – POESIAS E CRÔNICAS. São Paulo: Grupo Editorial Beco dos Poetas & Escritores Ltda., 2010.

Zaymond Zarondy
Enviado por Zaymond Zarondy em 28/07/2010
Reeditado em 25/02/2019
Código do texto: T2405023
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