CIDADE DOS NOMES

Estrópia, Tagalérica e Fedorosa, eram esses os nomes de suas três filhas. Em outros tempos, talvez o Jeitosino pudesse ter pensado em nomes mais impessoais, quem sabe Clodovaldina, Magdagélisica ou Abigatróstia, por exemplo. Mas hoje não, aliás de há muito ele é o baluarte, o maior defensor e talvez o pioneiro na implantação da lei maior de sua cidade: cada pessoa merece ter um verdadeiro nome, um nome que represente sua identidade, seu papel, sua função, sua personalidade ou seu jeito de ser; e cada pessoa poderá mudar seu próprio nome quantas vezes julgar necessário, guardados alguns quesitos, que mais a frente elucidaremos. Ajudou a construir a primeira cidade onde de fato as pessoas têm nome próprio, cada vez mais se abandonando os nomes comuns, impessoais (Maria, João, Pedro, Rodolfo, etc.) por não ajudarem na identificação das pessoas, portanto impróprios.

Sua mulher, hoje áspera, envelhecida, quem diria ser mais jovem que ele, jamais ousou questioná-lo em seus desígnios, porque foi educada para respeitar as leis do marido, e porque aprendeu a admirar o talento dele, aquela verdadeira arte de nomear, saber resumir num só nome todo um conjunto de características, buscar um aspecto fundamental, construir uma metáfora clara e ao mesmo tempo simples.

Ela própria, D. Genipapina, é um exemplo claro do talento do marido. Acontece que o Jeitosino, que tem bem uns quinze anos sobre a idade da esposa, desde bem jovem começou a exercitar a sua já falada arte de nomear, e iniciou a ganhar fama. Um vizinho de longe, feirante, tinha barraca de frutas, certo dia lhe chamou e pediu uma opinião para o nome de sua filhinha recém-nascida. Estavam em dezembro, perto das festas. Jeitosino, que na época se chamava Juvenal, ficou mirando aquele bebezinho lindo, bochechas vermelhas viçosas, e em homenagem ao pai, sugeriu Cerejina. O feirante adorou, eis que ele adorava cerejas, e o nome tinha tudo a calhar. A menina cresceu Cerejina, linda menina, até que chegou a mocidade, Jeitosino caiu os olhos nela, era os seus sonhos, sua música, seus passos. Achegou-se, conquistou-a, de há muito já havia conquistado o futuro sogro, e um dia envolvido pelos apertos e amassos e calores do namoro, achou que ficaria melhor à ela chamar-se Tangerina, traduzindo o rosado forte de sua tez, o tempero fresco e cítrico dos seus beijos, além do azedo ácido, que brotava dela, toda quando se sentia agredida. Todos elogiaram e concordaram com a mudança do seu nome, ela em primeiro lugar. Casaram-se, os filhos, melhor dizendo as filhas, custaram a vir, não sabem o motivo, passaram muitas dificuldades, particularmente ela, quase sempre vivendo sozinha, já que o Jeitosino enveredou cada vez mais pela vida pública, uma espécie de Ouvidor e Nomeador Geral da cidade, assessor da Câmara dos Vereadores, jurisprudente nas pendengas envolvendo nomes e mudanças de nomes.

Certa noite, já chegando a madrugada, Jeitosino voltava de uma de suas reuniões, quando encontrou sua mulher acordada, e muito mais do que isso, excitada, parecia possuída por algo fora do normal, correu até ele e transbordou as palavras, sua chegada foi o saca-rolhas que faltava nela, foi dizendo, sôfrega, que desejava mudar o seu nome, não, na verdade já tinha mudado, não podia continuar Tangerina, aquele já não era o seu nome havia muito tempo, e naquela noite, entre um cochilo e uma virada na cama, entre o espantar de um mosquito e um pesadelo, entre o levantar para ir ao banheiro aliviar o corpo e o trocar de roupa para uma mais fresca, descobriu o seu nome, Genipapina. Jeitosino pediu calma, melhor seria dormirem e deixar para o outro dia aquele assunto, não havia o que temer, não seria caso de esquecimento, já que estava tão convencida de ter encontrado seu nome atual, e ele também decerto não esqueceria, não era caso para resolução àquela hora da madrugada, até pelas razões anteriores, ela já estava decidida.

O calor que tomou conta de sua mulher, feito o artista ao fazer sua grande obra, feito o cientista diante de uma grande invenção ou descoberta, provocou nela até um ímpeto, uma onda de sexualidade, o que lhe era incomum, e Jeitosino, embora um tanto entontecido e a contragosto, acabou por satisfazê-la, e só assim finalmente ela se aquietou.

De fato, havia de concordar com ela, de há muito deixara de ser Tangerina, perdera a vivacidade física, o frescor cítrico adocicado e picante, restando quando muito o azedo em seu temperamento. Sabia, entretanto, que as mudanças de nome não deveriam ser fruto de oscilações de humor, sentimentos ocasionais ou circunstanciais, em parte porque poderia provocar arrependimentos em breve, colocando a própria pessoa em situação embaraçosa de ter que trocar de nome repetidas vezes de forma não clara, em parte porque se o novo nome fosse a representação de algum estado de espírito um tanto mórbido, nesse caso o próprio nome funcionaria como um remédio ao contrário, agiria piorando ainda mais o estado da pessoa na medida em que personificaria publicamente a morbidez, o que, em absoluto, não deveria ocorrer. Não foi à toa que se criou, desde há muito, o Conselho Sugestor, composto por um médico, um artista e um ancião. Na verdade a função do Conselho não era sugerir nomes, ao contrário, sabia-se neutro, seu papel era ponderador. Enquanto se ouvia o pretendente e sua pretensão, o médico buscava eliminar alguma condição mórbida acaso atuando como determinante, ou mesmo coadjuvante, na escolha do novo nome (do trabalho médico pode-se afastar pretensões tais como Fraconildo, Necropinto, Dinoraids, Rejeiterardo, Blenorragildo, Cristérica, Oncorestes, Miomarta, Cancerardo, etc. O médico orientava: primeiro ao tratamento, depois à mudança). O artista punha o seu olhar esteta, perscrutando aspectos indesejáveis, por vezes ridículos ou passíveis de algum embaraço ou achincalhe, muitas vezes despercebido pelo pretendente (haviam casos como Beutifulinda, Genitalírica, Bundagosto, Mortelícia, Besterestes, etc.). O ancião, nutrido de sua longa experiência, perpassada por inúmeros casos de inúmeras pessoas, os mais diversos, compunha o olhar ponderador do Conselho. Além do mais, enquanto fazia o seu trabalho diligencioso, dava-se tempo ao tempo, esse grande sábio que por si só encontra caminhos e soluções anteriormente impensáveis. Deve-se deixar bem claro que o Conselho Sugestor não tinha o papel censor, a não ser nos casos de franca loucura, quando se adiava a pretensão até que a pessoa estivesse de volta ao seu tino, cabia a ele tão somente o papel ponderador, levantando questões, aguçando a percepção do pretendente, sendo da própria pessoa a palavra final.

Mas não é que, realmente, Genipapina era um bom nome a calhar. O envelhecimento um tanto precoce, o tom macilento de sua pele, e muito mais que a aparência, o seu temperamento acre, picante e amargo, e de tal forma intenso que exalava e impregnava tudo que estivesse ao seu redor (aliás, tinha que reconhecer, era esse um aspecto forte e definitivo dela, desde que Tangerina), muitas vezes provocando o afastamento das pessoas, tudo tinha a ver com a metáfora proposta por ela àquela noite. Ele mesmo já havia pensado em outro nome para ela, já que também não conseguia encontrar nela a Tangerina de antes. Mas os nomes que lhe vieram à mente eram difíceis de serem propostos, ainda mais por ele, temia que soassem como ofensa, pensou em Jaquética, Tamarina, Jilosilda, Pimentona, Siriguélica, que bom ter ela mesma encontrado um nome tão apropriado.

O vendaval de energia que invadiu Genipapina aquela noite sacudiu de tal forma a sua árvore feminina que dela se desprenderam, caindo no solo adubado, sementes férteis, e Jeitosino não poderia imaginar que naquela noite sua mulher estaria gerando, muito mais que um nome, suas próprias filhas.

O Conselho Sugestor tinha muito trabalho. A Cidade dos Nomes era uma cidade viva, os cidadãos possuíam uma inquietude saudável, estavam sempre atentos e alertas para as mudanças, em si e no outro, instigados a tentar sempre traduzir para os seus nomes tudo que de importante a vida lhes trouxesse. Sabiam e exercitavam a máxima de que ninguém toma banho no mesmo rio duas vezes, ninguém dorme e acorda com a mesma pessoa, a natureza muda, as pessoas mudam, que bom poder trazer para o nome as suas mudanças, quantas vezes julgassem necessário. Eram mudanças no estado civil provocando mudanças na atitude das pessoas (por exemplo, o Lasciverino que, depois de casado, passou a Moralizardo; a Recatatéia casou-se e, para orgulho do marido, passou a se chamar Voluptuosa; Carrapatice enviuvou e virou Libelulésima). Eram conquistas profissionais (por exemplo, Aspirantonio que, depois de formado, passou a Hipocratélico; Normalistilda, passou a Magisteriosa; o Aprendizcardo passou para Marcenerélio; etc.). Na verdade o Conselho Sugestor era composto por vários Conselhos menores, subdividia-se, abria-se nas diversas regiões da cidade formando uma grande rede, facilitando o seu trabalho e principalmente as aspirações pretendentes. Mensalmente o grande Conselho se reunia, era uma grande assembleia, aliás presidida por Jeitosino, e ali eram levados os casos mais difíceis de solução, resolvidos no consenso ou na votação.

Havia também os casos dos pretendentes que ainda não tinham completamente uma pretensão, melhor dizendo, nutriam o desejo de mudar seu nome, sabiam que era a hora, porém não conseguiam traduzir o seu desejo, cristalizá-lo em um nome. O Conselho agia com particular cuidado nesses casos (e não eram poucos), ouvia muito, tentava o mais que podia incentivar a criatividade do pretendente de meia pretensão, fazê-lo inteiro, e quando não conseguia, o ancião recorria às listas remotas, em geral dos mortos, e pinçava várias alternativas que julgava coincidir com o desejo em cada caso, cabendo sempre à pessoa a decisão final, se se encontrou ou não nalgum dos propostos.

E haviam situações, felizmente não tão frequentes, em que o Conselho Sugestor não chegava a ser chamado. Eram pessoas que na hora do passamento, na antevisão da morte, muitas vezes enquanto recebiam a extrema-unção, no estrebuchar da vida, faziam o seu último pedido, que por vezes saia em forma de um sussurro. Tinha a sua beleza encontrar gravado nas lápides palavras tais quais: aqui jaz o CPF tal, hoje Celestino, hoje Remorsidário, hoje Arrependenildo, hoje Tresamantina, hoje Infidélica, etc. As famílias respeitavam o último desejo, tornado perene. Algumas arrolavam na lápide todos os nomes do falecido ( Serelepe, de tanto a tanto, Estróina, de tanto a tanto, Esculápio de tanto a tanto, e assim por diante). Muitas das vezes pulgas picavam atrás das orelhas dos familiares pelo resto de suas vidas, tentando entender o significado do derradeiro nome, que soava como verdadeira revelação ou até mesmo confissão, Desalmado, por exemplo, Cretinaldo, Sonselina, Capetófilo, etc., mas, o que fazer, sempre se respeitava as pretensões de todos, muito mais a que vinha como último desejo.

Era invejável o jeito simples e perfeito encontrado pela Cidade dos Nomes para lidar com sua característica paradigmática (aliás dizem que, quanto mais bem feito, mais simples, embora a recíproca não seja verdadeira). Fez-se um acordo com o governo federal para que todo concidadão já ao nascer pudesse ter o seu Cadastro de Pessoa Física – CPF, que então o acompanharia por toda a vida, quantos nomes próprios viesse a ter. A certidão de nascimento era quase igual a todas que já conhecemos: no dia tal do mês tal do ano tal, a CPF tal, naquele momento nomeada fulana de tal, deu à luz um menino/a que recebeu o CPF tal, e assim por diante. Muitas vezes os pais, no momento do nascimento ainda não sabiam que nome dar ao bebê, o que não impedia o seu registro, poderia receber um nome dias depois, não era o ideal, mas poderia. O Registro Geral (RG) emitia, desde o nascimento da pessoa, a sua carteira de identidade, constando o CPF, data de nascimento, CPF dos pais, e pronto. A cada eventual troca de nome o RG emitia, com prontidão, a Carteira de Nomeação onde, além dos dados da carteira de identidade, obviamente constava em caixa alta o nome próprio (a partir de data tal). Dito assim pode parecer complicado, mas não era em absoluto. Não havia fraudes, o sistema funcionava perfeitamente. Inclusive as relações dos cidadãos com o restante do país, e mesmo com o exterior, principalmente as comerciais, também as fiscais, aconteciam sem o menor problema ou contratempo ou constrangimento, já que todos possuíam seu CPF (devidamente inscrito na Receita Federal), e o sabiam de cor desde a primeira infância, e ele é o determinante, a verdadeira identidade no mundo de hoje. Havia inclusive parlamentares junto à Assembleia Legislativa, Estadual e Federal, pleiteando a extensão do sistema para todo o Estado e até para todo o país. Cidade dos Nomes já foi palco de visitas de comissões parlamentares, estudando e colhendo dados, junto aos órgãos públicos municipais e à população, sobre a eficiência e praticidade, e, principalmente quanto à popularidade do sistema dos nomes próprios (lato senso e estrito). Há quem diga que, embora publicamente todos tenham aplaudido, alguns, à boca pequena, se mostraram assustados (se imaginaram sendo chamados de nomes tais como Latroaldo, Genocidófilo, Indecêncio, Esganador Chique, Cancroso Público, Sanguessugurbano, Espertocid, etc. Eram os laivos de consciência cutucando eles, não os deixando perceber que, naquele sistema novo, cabia a cada um sua própria nomeação, não havia lugar para apelidos, achincalhes, nada que viesse do outro. Se carapuça houver terá de ser construída pelo próprio).

A gravidez de Genipapina transcorreu a mil maravilhas! Tão bem que transformou para muito melhor o seu jeito e o seu físico. O sorriso de alegria passou a pertencer ao seu semblante quase como uma característica de nascença, ficou bonita, mereceria até um outro nome, quem sabe Maçãlina, Beterrabosa, Mangalesa, Melanciosa, mas estava tão feliz com sua nova condição, para ela tudo fazia parte de um todo para melhor, a descoberta do seu novo nome, e justamente por ela própria, sem qualquer interferência do seu esposo, a gravidez, justamente concebida por vontade dela própria (só poderia entender assim aquele arrebatamento erótico que a fez seduzir literalmente o marido), nem lhe passava pela cabeça mudar nada naquele momento, o que tinha que mudar já estava mudado.

Qual não foi a surpresa de todos quando no parto, ao invés de um, deu à luz três filhas.

Jeitosino ainda não se refizera do impacto, subitamente guindado à condição de pai de três filhas, e já se dedicava à tarefa de buscar naquelas coisinhas miúdas à sua frente traços para serem transformados em nomes. A primeira em que se deteve, como que lançou sobre ele o próprio nome: raquítica, engruvinhada, esquisitinha mesmo, Estrópia. Com as outras duas necessitou de mais tempo. Em poucos dias uma delas chamou sua atenção pelo tanto que balbuciava, chegava interromper a mamada para emitir algum sonzinho, até dormindo estalava a linguinha, vibrava os lábios, enfim, Tagalérica. Com a terceira demorou ainda mais. Passou a estranhar o cheirinho estranho sempre presente no quarto delas. Uma vez achou que fosse decorrência de cocôs e xixis feitos por elas, porém mesmo após limpas, lavadas, perfumadas, o mal odor reaparecia, recendia por todo o quarto. Encontrou o nome quando, certa vez, pode ficar sozinho com ela, não teve mais dúvidas, Fedorosa. Ele bem sabia o significado dos nomes, sabia também que provavelmente passaria desapercebido pela maioria das pessoas, pela própria mãe talvez, certamente achariam tratar-se de alguma excentricidade cultural, nomes originários da antiguidade, talvez deusas gregas. Não mentiria às suas próprias convicções, sem expor por demais as suas filhinhas.

A Cidade dos Nomes já havia aprendido também que o nome dado pelos pais aos seus filhos tinham um valor relativo. É claro que, de certa forma, os aspectos, as características ressaltadas pelo nome, acabariam sendo realçadas, positiva ou negativamente, na personalidade da criança. Mas com a chegada da adolescência o mais comum eram as trocas de nomes. Muitas das vezes à contragosto dos pais, o que fazia parte do processo, porém o Conselho Sugestor não só aceitava como até indiretamente louvava, entendendo tratar-se de uma demonstração sadia de desenvolvimento, fazia parte da formação do futuro adulto os gestos de rebeldia, o desejo de se tornar independente dos pais, e além do mais o novo nome escolhido permitia se saber por onde andava a cabeça do jovem, por exemplo quando escolhia se chamar Grafitino, Darkético, Divinamaravilhosa, Preguicildo, Patinha Feia, Pavoneante, etc. Nesses casos o Conselho Sugestor agia com o máximo de cuidado, jamais tecia quaisquer comentários que pudessem ser interpretados como crítica ou veto. A família e a escola é que deveriam trabalhar naquilo que o nome revelava, ao evidenciar o caminho que internamente o jovem estava percorrendo ou desejando percorrer, aos poucos ampliando sua percepção e sua consciência, permitindo que construísse sua verdadeira formação, sua visão crítica de si e do mundo ao seu redor, enfim, a dita moral. Muitas das vezes, passada aquela fase, voltava-se ao nome anteriormente dado pelo pais. Mais preocupante era quando o adolescente ficava naquela posição passiva, aceitando o nome escolhido desde sua primeira infância, sem crítica nem desejo de trilhar seu próprio caminho.

Não foi outro o caso das filhas de Jeitosino. De fato Genipapina não fez qualquer objeção aos nomes, uma porque já estava devidamente satisfeita com seu trabalho, trouxe as filhas, que ele traga os nomes, outra porque após o parto aos poucos ela retomou seu jeito pacato, obediente às leis do marido (e lá no íntimo sabia por experiência própria que um dia elas bem poderiam escolher o próprio nome, independente da vontade do pai ou do marido, se viessem a ter o último). Cresceram, modificaram-se, foram adquirindo peculiaridades outras.

Estrópia, quem diria, revelou-se a mais inteligente, curiosa, dona de uma vivacidade que enchia de orgulho os pais, e por vezes dava até um pouco de medo no pai, particularmente. Estudiosa, nem bem se tornara franguinha, por assim dizer, e já pretendia um novo nome (descobriu desde cedo o significado do seu, porém não demonstrou mágoa ou ressentimento do pai, antes admirou o seu senso ético e estético). Quis se chamar, e assim passou a ser, Socrática, pedante no entender do pai e de alguns professores, de mal gosto no entender de outros, pouco criativo para alguns, mas foi o escolhido pela menina de 12 anos.

Tagalérica, embora mantendo o seu jeito falador, revelou-se de um discurso vazio, vulgar, simplório, parecia que tentava rechear com palavras muitas a pobreza do conteúdo do seu pensar. Trocou de nome, lá pelos dezesseis, passando a Deslumbrântica, motivo de decepção do pai, que via na escolha do novo nome a confirmação daquilo que achava da filha, vulgar e despida de qualquer autocrítica.

Fedorosa, jamais fez comentários quanto ao seu nome, não perguntava de onde veio e para onde ia, revelou-se dona de um equilíbrio invejável, boa aluna, sutil e ponderada, se não era possuidora de beleza ímpar, entretanto sabia realçar seus traços, seu corpo, sua personalidade. Seu talento incrível era no lidar com os aromas, adorava as flores, o mato, as plantas, os perfumes, e desde mocinha passou a fazer os seus próprios perfumes, suas colônias, misturando com delicadeza e bom gosto, perfumes presenteados ou comprados, essências artificiais nas quais adicionava essências retiradas de flores e seivas naturais. Muito depois, já possuidora de uma indústria de perfumarias, seu marido sugeriu por que não mudava de nome, algum outro mais condizente com sua vida e atributos e profissão enfim, Fedorosa riu abertamente, dizendo que talvez tudo que ela tenha construído e que ele havia enumerado fosse fruto justamente daquele nome.

E assim vem seguindo até hoje a vida na Cidade dos Nomes. Jeitosino morreu, e foi substituído à altura por Socrática, em todas as funções públicas (é bom que se diga não ter havido qualquer nepotismo ou favorecimento indevido, ela revelou-se, à princípio até contra a vontade do pai, de igual talento ou até maior). Tentaram trocar o seu nome, para Nomenclatrópoles, mas felizmente o plebiscito foi contra, nome difícil de pronúncia e mais ainda de entendimento, os cidadãos sabiam que o nome da sua cidade serviam menos à eles, e muito mais àqueles que ainda não a conheciam.