Bravos Guerreiros

Num antigo campo de batalha, que doravante tornou-se pasto, com os anos deserto, hoje não passa de lembrança, enfrentam-se dois exércitos. À frente deles, degladiavam-se, em combate singular, os mais valorosos hérois, carregados de ferro e bronze batem-se há tempo impensável. Segundos passavam e mesclavam-se em minutos, que arrastavam-se e fundiram-se em horas. Mesmo além da exaustão o combate prossegue, ferro contra bronze, vontade contra vontade; o clamor dos homens que assistem já extingui-se, vozes a gritar por horas tornam-se roucas, e então mudas. Mutualmente ambos se afastam, em haustos profundos e penosos de respiração, um profere inusitadas, porém carregadas de saber, palavras:

- Ó nobre adversário, que achas de tomarmos breve pausa do embate? Visto que produtivo ele já não é.

-Ora, o tinha em tão alta conta, e agora evade-se tão covardemente de nossa batalha?

-Bufão! Não evado-me de coisa alguma, mas é evidente que não nos encontramos em condições, tolo! Se continuarmos arma alguma romperá couraça alheia, lâmina alguma beberá sangue ou partirá ossos antes que repostas nossas forças tenham sido.

-Ainda me sobram mais forças do que imaginas, cão ignóbil!

-Não sejas tolo, vosso braço, antes poderoso, agora treme tal qual ao de uma velha a carregar um pesado cântaro d´gua.

-E o teu? Antes capaz de segurar pelo pescoço boi de farto porte, não seguraria levíssima lebre que passasse saltitando a lhe troçar.

Ambos se estudam, e com sorriso desprovido de graça, concordam. Aquele que iniciou o diálogo, torna a formar palavras:

-Então sentemos, e que após merecido recesso, o vigor torne a inundar nossos exaustos músculos.

-Dizes a verdade, valoroso nemesis, pois lá como estávamos, um morreria de puro cansaço, se não os dois. E não é fim para um guerreiro, cair por terra meramente pelo coração cessar, de ao peito bater, por simples falta de folêgo.

-És sábio quando queres, um guerreiro que mate ou pereça pela espada, caso diverso, abandona qualquer chance de abraçar a glória.

-Ah, é por glória que lutas?

- Ser sincero-ei, pois és, mesmo estando do lado oposto da guerra, meu irmão em armas. Não sei se por glória, afinal, o que é ela? Certamente, caso venha a trespassar-te com a espada que carrego, ou teu crânio partir com meu machado, serei prontamente ovacionado pelos meus. Repudiado pelos teus, mas e depois? Não posso saber como, em tempos vindouros, falarão sobre nossas batalhas. A fim de ter por motivo glória, deveria ser ela eterna, não incógnita. Entendes?

-De sábio me chamas num momento, noutro põe em cheque minha capacidade. É claro que compreendo. Dizem que nossos nomes serão gravados a golpes de espada e tingidos com sangue, ficando assim eternamente nos anais da história. Mas podem esquecer-nos, ou citar-nos como bárbaros vis e cruéis que a troco de nada se batiam com espadas e machados, encharcando a relva com sangue rubro.

-De veracidade, transbordam vossas palavras, as vezes penso eu, que melhor seria lutar como sombra, sem nome, para que gerações futuras jamais pudessem associá-lo a um acéfalo sanguinolento.

-Afora isto, como muito bem colocaste previamente, glória só é metade gloriosa, pois para cada um que lhe disser amar, um certamente lhe odiará.

-Mera possível glória realmente não parece dourada em meio a tamanha atrocidade, chamada guerra. Perguntaste de mim, mas e tu, luta a troco de que? Vosso rei por um acaso?

-Bah! Só se for pelo ouro que encherá vossos cofres, mulheres que chorarão em vossa cama ou terra que clamará para si. Se tem viva alma neste mundo, por quem não vale a pena verter sangue e suor, é aquela vil majestade.

- Então vosso senhor é pura ganância? Não te aflijas pois não sofres sozinho, aquele que reina sobre a terra na qual piso, é pura criança, impulso em forma humana, busca fama, sem das consequências tomar conhecimento.

- Creio eu que toda realeza seja de tal modo nefasta, alheia a tudo, afora o próprio umbigo fedorento. E então pagamos nós, na moeda mais cara, pelos caprichos reais. É por ouro, então, que tiraste a afiada espada de vossa bainha, e para estas pradarias rumaste?

-Em verdade, ouro não me falta, nem virá a faltar aos meus filhos, e aos filhos deles, nem se permanecerem ociosos do dia em que forem expelidos, gosmentos e sujos de sangue do ventre de vossas mães, até que sua última respiração saia peito afora. Imagino que não seja este também vosso motivo, pois hás de saber, tão bem quanto peixes sabem nadar, que quando um braço forte, espada carrega, o outro tem por fardo, o doce peso do ouro.

-Outra vez mais, mostra-te de julgamento acurado. Riqueza não me falta, sendo que passam a ser minhas, as posses daqueles que falecem vítimas de meus golpes.

-Quereis então se deliciar entre as coxas de estranhas donzelas, que aos berros tornam-se escravas da devassidão, uma vez capturadas e divididas como espólio?

-Tentador, mas já tenho amada esposa, a quem amo incondicionalmente, que me satisfaz toda e qualquer necessidade; do mais tenro carinho ao mais depravado desejo. E tu?

-As tenho aos montes, e não é a troco de troçar-te, ou do vosso amor, que digo que amo-as todas também, incondicionalmente; não vejo como precisaria de mais. Sendo que as muitas que já possuo, me dão, em igual medida, satisfação e labor.

-Pelo povo?

- O povo vive longe, tem seu lar e sustento há semanas de marcha. A terra que aqui conquistarmos, caso conquistarmos, não será fendida pelos arados de quem por lá tem morada, nem fecundará sementes que jamais seriam trazidas de camponeses lá acomodados.

- E do ouro saqueado, não verão sequer o brilho. Talvez se regojizem ao saberem serem parte de um povo brilhante nas sangrentas artes bélicas, acumulador de vitórias. Realmente, para estes, de nada presta este tipo de guerra. E aos pobres soldados, muitos arrastados contra seu livre arbítrio para eses campos de morte.

- E que não hão de agrariar mísera riqueza que seja, quando muito, irrisório soldo. Pois caso venham a engajar-se com lutadores ferrenhos, cujas posses valham algo, apenas caem sem vida.

-Pobres almas, é fato que não podemos dizer dizer que é por estes desgraçados, povo e soldado ralé, que lutamos, nada ganham enquanto tem tudo a perder.

-E os braços, já os têm fortes?

-Como sempre o foram, só resta cá uma dúvida, lutaremos pelo quê? Visto que motivo plausível falhamos em encontrar.

- A saída é tão simples quanto somar os chifres de um cervo. Seremos hipócritas!

-És realmente dotado de exímio raciocínio. Então urraremos aos quatro ventos que lançamos golpe após golpe, deixamos aos nossos pés cadáveres sem conta, por nossos virtuosos governantes?

-Sim! E pelos bravos soldados de infantaria, que regam com sangue estas terras, e hão de enriquecer com esta imprescindível guerra.

-Não esqueçamos que queremos que nossos nomes jamais abandonem as bocas de centenas de futuras gerações, que bardos e menestréis dedilhem em finos isntrumentos melodias ímpares sobre nossos heróicos feitos!

-Sem deixar de lado as belas cativas, que se afundarão em nossas cobertas e alçarão gemidos de puro deleite aos céus.

-Tudo isto, e o mais reluzente ouro, cujo brilho será escarlate, pois ele virá banhado com a seiva da vida dos inimigos prostrados.

-Hei de ser sincero, meu corpo regojiza-se com o descanso que lhe foi provido, mas o âmago de meu ser não se inflama pelo combate, como lhe é usual. Não vejo como prostar-te aos meus pés à golpes de espada, possa trazer-me satisfação.

-Caro irmão guerreiro, abominável algoz, companheiro de ideias; hoje um de nós há de cair estrebuchando ao solo, ferido pela espada do outro, e até então, tenho de admitir, tinha-se apagado o fogo que movia meu braço. Mas vosso comentário, fez com que um motivo viesse-me à mente, reacendendo a até então extinta chama.

-Conta-me então, não te demoras, escuta aqueles que acompanham-nos, clamam pela continuidade do enfrentamento. E sincero hei de ser, pois é deveras necessário sê-lo, compartilha comigo o que lhe faz arder, pois no estado de espiríto em que encontro-me, não serei capaz de lutar com toads as forças que de costume fazem parte de meu ser, e tão certo quanto a noite virá, há de matar-me. Mas vejo que és justo combatente, e tal resultado, como um jogo de cartas marcadas, lhe traria desagrado, tal como o traria à mim.

-Dentro em pouco, um será carne esparramada, sem vida, e outro vitorioso. Desenhei esta imagem em minha mente, e lhe digo, o que me pôs em estado combativo, foi o mais vil dos sentimentos. Me vi caído perante ti, de espada a pingar sangue, sangue meu, e foi ferido meu orgulho. Lutarei contigo sem ressalvas, apesar de óbiva amizade ter brotado em terreno tão inóspito, pois me é impossível ver-me perdedor.

-Orgulho, é a melhor das piores razões, também me preenche de asco a simples ideia dos teus celebrando minha morte, rindo e cantando as custas do meu falecimento, lutarei para evitá-lo. Mas posso fazer-te uma sugestão?

-Faça-a brevemente, pois todos, eu incluso, aguardam com incontida excitação que testemos armas e habilidade um contra o outro.

-Breve serei, chamemos este orgulho, honra, aí não parecerá fútil a razão que nos impulsiona, será algo nobre, pelo qual é justo que se enfrente qualquer cavaleiro, guerreiro, afronta ou batalha.

-De acordo, façamos assim, quem quer que possa banhar-se com o dourado da próxima alvorada, passará para aqueles, que considerar capazes de compreendê-lo, nosso recém nascido conceito de honra.

-Assim será. Estás pronto?

-Sempre o estive, e tu, estás preparado?

-Meus braços hão de mostrar-te!

E assim, tornaram a bater-se, tão honrados homens.

Pietro Tyszka
Enviado por Pietro Tyszka em 23/02/2011
Código do texto: T2809099
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