O Vampiro POPSTAR!

Ok. Vamos começar! Eu já adiei isso o máximo que pude. Está na hora de ficar famoso! É hoje! Um dois, um dois, alongamento... ahhh, ok agora aquecimento! Estica a mão, fecha, estica, fecha, beleza, tô pronto. Sentando na frente do computador, são exatamente vinte horas, tá na hora. Isso aí, energia, vibração, belezura, to sentindo que vai sair... é agora... a qualquer momento... Peraí vou tomar café.

Fernando levanta da cadeira de couro e caminha até a cozinha. Na mente apenas espaço para a tarefa que ele deveria ter realizado há meses: criar uma história de vampiro que, ao se apaixonar por uma mortal adolescente, decide sair das trevas e lutar pelo seu grande amor! A família da mortal não aceitaria a união e fariam de tudo para balançar o coração da ingênua para o lado de Dagnaldo, o valente entregador de jornais da vizinhança, que caçava vampiros nas horas vagas! Abedenego, ao sentir a rejeição pela primeira vez em 200 anos, iria imprimir sua dor em letras de música que tomariam de assalto toda uma geração de menininhas, transformando-se em um ícone da cultura pop. Sim, o amor, os vampiros, a família insensível, essa história teria tudo para dar certo, se não fosse um grande problema. Fernando tinha alergia a mediocridade. Agora ele jazia no fogo cruzado entre o amor próprio e o amor ao dinheiro, uma luta épica, um embate histórico que remonta dos tempos do nascimento da sociedade. Mas, quisera os deuses que um destes titãs estivesse com seu lado em vantagem.

- O gás acabou! Gás filha da puta! Como que eu vou fazer café agora? Será que dá pra fazer café com água fria? Melhor nem tentar. Ainda tem café na garrafa. Mas, quando foi a última vez que eu fiz café? Ok, força, isso é por uma boa causa! Teste de masculinidade, se o café não estiver verde dá pra tomar, beleza! Não tá verde... e formiga faz bem pras vistas! Isso não pode ser mais amargo que pinga! Teste de masculinidade! Vou tomar! É por uma boa causa! AAAAAAAA....

O trago do café de três dias desce goela abaixo acendendo todos os sentimentos de repulsa conhecidos pelo homem. Fernando sente o estômago protestar violentamente contra o ato, os sentidos lhe faltam por um segundo, e a pressão em suas veias cai vertiginosamente. Sem força nas pernas ele se senta na cadeira da cozinha. Oxigênio! Ar! Finalmente consegue respirar. Olha para o copo, vazio. Dentro deste somente uma das formigas remanesce entre suas antigas colegas, vítimas inocentes da guerra entre os titãs personalíssimos de Fernando. Enquanto ela luta para escalar o paredão de vidro, ele tenta se manter sóbrio, focado na tarefa árdua que virá a seguir, na concepção, na criação, mas principalmente, na mediocridade. Ele pensa em desistir. Sente-se aliviado, ele quer desistir. É quando ele lê o quadro da cozinha. Um quadro que foi posto para causar risos, para ser engraçado... Porém naquele contexto, naquele ambiente, as palavras sentenciavam uma morbidade sem fim, sem esperanças. O inocente quadro as ostentava, o inocente quadro de onde se lia: “Aviso aos navegantes: Faltam 14 dias para o próximo salário”.

.................

Abedenego sorri para Petrona enquanto caminha quase levitando pelos túmulos... “Puts ta um lixo... de novo.”

Abedenego fita Jackeline enquanto levanta de seu caixão... “Ai, ate dói ler isso. Ok, se eu fosse um vampiro e tivesse a fim de uma menina chamada.... Vick! Isso ai, eu te amo Vick Lester. Agora, eu quero pegar a Vick, como eu faria...”

Vick Lester sente os olhares de Abedenego acariciando sua pele enquanto entra na mansão do misterioso colega de escola. Finalmente ele a havia convidado para fazer o trabalho em sua casa. Vick estava esperançosa que Abedenego corresponderia aquele sentimento, aquele calor que ela nunca sentira antes. Vick estava absorta em suas ilusões quando a voz mansa de seu querido a acordou.

- O que você acha da minha humilde casa?

- Nossa é linda, parece que saiu dos filmes de amor, como é romântica a sua casa...

- Pertence a nossa família há gerações...

Fernando continua a escrever linhas e mais linhas, porém sempre a lembrar que a mediocridade deve ser o ponto principal da história. Desta forma, sempre que terminava de escrever um parágrafo ele relia, desfazia qualquer indício de talento, e tornava a escrever. Após algumas linhas ele se acostuma com o ritual, como alguém que faz uma tatuagem se acostuma com a dor da arte, seu cérebro estava se acostumando com as agulhadas da mediocridade. Na verdade aquilo até parecia um exercício de força de vontade, depois de vencida aquela tarefa ele seria mais forte. Assim ele esperava.

Vez ou outra, Fernando olhava da sacada de seu apartamento admirando a noite. Como era bonita a cidade de noite, como era calma. Pouquíssimas pessoas passavam na rua e carros pareciam tão raros quanto estrelas cadentes, tudo estava calmo. Um presente de um dia quente e abafado: uma noite calma e fresca. Foi quando um baque surdo na sacada ao lado acelerou seu coração. Fernando corre para a sacada, será que alguém subiu aqui? Não seria difícil, já que ele morava no primeiro andar. Olha em volta da pequena sacada, olha a sacada dos vizinhos e não vê nada. Apenas a escuridão, os diversos vultos e o silêncio. Medo. Somente a escuridão e o medo estavam ali. Ele sabia que tinha ouvido algo, mas o custo da razão é ser incrédulo. Cínico, ele volta para o quarto, finge desacreditar, finge que, ali no quarto do primeiro andar, naquela noite, a mais negra de abril, ele, cínico, estaria seguro. Neste momento, uma rajada de vento varre a copa das árvores, uma tempestade se aproxima.

- É... deixa eu ver.. A capacidade de esquecer, a benção dos ignorantes.

Abdenego tem que ser sedutor, mas nesse caso ele sabe que encontrou o amor, isso! Nesse ponto quem está com desejo mesmo de sexo é a mocinha inocente, ela acha que é amor, mas na verdade é tesão! Hahahaha, já o Abdenego quer conquistá-la, quer algo mais que a simples atração, isso aí! Mas peraí, não posso deixar isso explícito, tenho que mascarar os sentimentos da mocinha, é nesse ponto que o livro se funde com os sentimentos das pré-adolescentes que o leram, elas tem vergonha de sentir tesão, até mesmo de ler a palavra! Mas se forçarmos umas cenas de amor clichê, eles vão achar que isso é amor! Paixão! Claro que esse Abdenego tem que ser um eunuco do caralh... que foi isso?!

Perto dali, um barulho estrondoso, como o de um armário caindo no chão corta a concentração de Fernando. Parece que veio do corredor do prédio, da área comum, mas... um armário, na área comum? Fernando olha pra fora, ligeiramente iluminadas estão as gotas da chuva que já começou a cair, quem estaria mudando nesta hora? E na chuva?

Ele se levanta, abre a porta do quarto, tudo escuro. Nem sequer a televisão da sala irradiava a luzinha vermelha característica. “Medo racional da conta de luz”, riu Fernando. Uma piada sem graça, que apenas disfarçava o sentimento que brotava de suas entranhas ao atravessar a sala procurando o interruptor de luz. Como quem pede por oxigênio, ligou a luz disfarçando de si próprio o desespero para enxergar. Pronto, Fernando, você saiu deste oceano de escuridão, pode respirar a sua luz por um momento, agora só falta o corredor até a porta do apartamento, você poderá satisfazer também sua necessidade de racionalização, veja o que jaz detrás da frágil porta que o separa do mundo externo. Aproxime-se da porta, venha, abra a porta, do olho-mágico não dá pra ver nada? Que pena. Abra a porta. A luz de fora está ligada? Como se houvesse movimento lá fora? Abra a porta. Que pensamentos são estes? Abra a porta, abra a porta, abra a porta. Abra!

No corredor somente silêncio. E o medo. Nada mais, não havia armário, não havia outros moradores, não havia nada para satisfazer a racionalidade. Enquanto fechava a porta podia sentir a mão gelar, as pernas amolecerem. Seu corpo sentia que algo estava errado, seus instintos primitivos tentavam lhe avisar do que ocorria ali, tentavam avisar que ele estava sendo vítima de um jogo, um jogo que ele não podia vencer.

- Estou enrolando a mim mesmo... Que bobeira, hahaha, isso tudo porque não quero fazer este livro. Mas agora vou entrar naquele quarto e só vou sair depois de terminar tudo. Agora vou fazer um momento cômico do livro, só pra relaxar um pouco, isso vai me acalmar também.

Neste momento, uma risada veio detrás da porta do apartamento, de onde Fernando tinha acabado de vir. Essa risada passou arranhando sua pele, e mais uma vez ele fingiu, apenas isso lhe restava, fingir...

- Um momento cômico, sim, é tudo que eu preciso.

Abdenego colocou sua calça de couro, passou gel no cabelo e retocou as sobrancelhas. Estava pronto pra ir ao encontro de sua amada que o esperava em casa, ansiosa. Olhou para a sua velha conhecida, rainha dos amantes, a noite. Aproximou-se da janela de seu quarto, subiu no parapeito com sua agilidade sobrenatural, equilibrou-se ali por alguns segundos enquanto encarava os olhos da lua e sentia o vento gélido passar pelos cabelos, então saltou. Pouco antes de tocar o chão, transformou-se em forma alada e cortou a floresta até a morada de Vick, esta noite ela deixaria a vida de mortal, esta noite ela se tornaria jovem e linda eternamente, esta noite Abdenego a possuíria.

Do alto o amante sombrio vislumbrava a morada de sua amada, mesmo naquela altitude ele podia sentir o cheiro de sua pele macia, ouvia seu coração bater ansioso, sabendo o que a esperava. Aqueles sinas atiçavam ainda mais seu instinto caçador, aquela mistura de instinto com amor era mais forte do que qualquer coisa que ele já havia sentido nestes últimos cem anos. Não aguentou mais se torturar, pousou na varanda da casa de Vick, transformou-se na forma que ela olhava com desejo e admiração, aproximou-se da porta arrumando o cabelo e levemente bateu na porta e...

Fernando segurou-se na cadeira quando um golpe sobrenatural despedaçou a porta de entrada do apartamento, o som do golpe e dos pedaços de madeira ricocheteando pelo apartamento inunda seu quarto, ele vê a porta da entrada colidir com a parede da sala, algo entrou em seu domicilio. O vento passou voraz pela janela e fechou violentamente a porta de seu quarto, censurando a seu espectador, a identidade da criatura que violava seu apartamento. O pavor era tanto que Fernando não pode se mexer, ficou ali esperando a morte com a feição de quem sabe que o pior irá acontecer, de sua confortável cadeira de couro ele escutava os passos inexoráveis do intruso. Primeiro o corredor, vindo pela sala, o andar da criatura não tinha outro objetivo a não ser aumentar o pavor já insuportável de sua presa. A criatura sentia o cheiro do medo, espreitou-se atrás da porta do quarto, arranhando de leve a sensível barreira de madeira, causando um ruído de garras que permaneceria até a morte na memória de sua vitima, mas naquele momento, a morte não iria demorar. Tomado pelo pavor, a única coisa que a presa podia fazer era implorar:

- Misericórdia! Por favor misericórdia! Eu achei que vocês não existiam, eu não sabia! Por favor, eu não vou escrever mais nada sobre vocês! Me deixe viver por favor!

Mas as palavras causaram apenas risos no intruso, aquilo ia acontecer, não havia nada que Fernando pudesse fazer, naquele momento ele estava nas mãos da criatura.

As sombras debaixo da porta sumiram. Por um segundo Fernando sentiu que seu apelo fora atendido, sentiu a vida lhe sorrir novamente, sentiu que lhe foi permitido ver o sol mais uma vez. Foi quando sentiu o baque da porta sendo arrebentada, o ar passando violento pelo corpo, protegeu seus olhos dos pedaços de madeira que se espalharam pelo quarto. Aterrorizado, olhou para a criatura com os punhos fechados, ele poderia morrer, mas iria morrer lutando, mesmo que fosse inútil, ele desejava viver e lutaria até a morte por isso. Mas a visão da criatura mudou isso tudo. Medo, pavor, todos esses sentimentos cessaram. Tudo passou quando a criatura se revelou. Diante daquele ser, nada era comum. Todos os sentimentos deram lugar a outro, digamos assim, mais primitivo.

De baixo para cima os olhos de Fernando descreveram a criatura para sua mente. Via-se, dentro de um salto-alto, um pé feminino com unhas pintadas em vermelho sangue e uma tatuagem aracnídea, subindo um pouco mais, pernas que apenas séculos de malhação poderiam esculpir, uma cintura que tinha poderes sobrenaturais, um busto que de tão perfeito parecia feito em marfim, um cabelo que caia em fios de ouro até a cintura e um rosto que ofuscaria a Lua em sua noite mais bonita, além de olhos ametista-verde.

- Caraleo...

- Então eis que me surge o mortal que tece histórias tão atraentes, que me diverte nas noites intermináveis da minha imortal existência... Me perdoe pela falta de condolências, querido, mas meu desejo em te ver cresceu em cada linha fantasiosa de sua bela cabecinha, e despertou os desejos mais selvagens que uma morta-viva como eu poderia sentir...

- Caraleo...

- Então me diga, mate minha curiosidade, minha dúvida! É você a quem chamam de “Gabriel”.

- Hum.. é sou eu.

- Esplêndido, você vem comigo!

- Peraí moça. Vou pra onde?

- Você vai morar no meu palácio, no alto da montanha do Vale do Aço, aonde a noite e eu reinamos absolutas, você vai me entreter todas as noites com suas histórias e todas as noites eu vou te sugar por inteiro!

- Você vai me “sugar” todas as noites? Peraí moça, sou um rapaz de família!

- Você vai me servir no início e depois vou te transformar no Rei do meu império! Minha ansiedade cresce para te possuir!

- Olha, minha ansiedade tá crescida também, mais sou muito jovem pra casar! Não tem como a gente se conhecer primeiro não? Prazer meu nome é Fernando...

O olhar da vampira tira o fôlego do mortal, ela o consome de cima a baixo com aqueles olhos verdes e Fernando sente um frio na espinha ao ver o sorriso se formando no canto daqueles lábios carnudos. Ela se aproxima, o flutuar de seu corpo hipnotiza todos os sentidos de sua presa. Atônito, ele apenas espera pelo inevitável, ele está nas mãos dela.

- Muito prazer, diz ela ao pé do ouvido de Fernando. Meu nome é Ester... Victoria... Blodget, Rainha Ester Victoria Blodget, mas você pode me chamar de: Juju Paniquete.

A luz pisca em um quarto de Valadares, a janela está aberta, o recinto vazio. Dentro deste apenas uma cadeira de couro gira descontroladamente, e apenas a cadeira é testemunha de um grito que corta a noite, mas nem ela sabe se é dor ou prazer.