O Jardim

Capítulo I

O Sr. M. vivia ali na Rua Rio de Janeiro, 281 já havia cerca de 20 anos com sua esposa dona Amélia “a camélia do meu jardim” como o próprio Sr. M. repetia vivamente a todos os vizinhos e conhecidos que encontrava pelas ruas especialmente nas suas caminhadas matinais na Praça do Paraná – geralmente por volta das 07h30min – de onde, aliás, ele emendava o caminho até a panificadora mais próxima e de lá levava pão, leite e biscoitos para o café da manhã. Sempre encontrava dona Amélia desperta sentada a mesa composta de café (recém preparado) e dos demais acepipes que seu marido pudesse trazer da rua, Amélia era muito recatada e não gostava de acompanhar o esposo nesta rotina pré desjejum, mesmo sendo mais nova que seu companheiro ela quase nunca saía às ruas era uma dona de casa devota e no mais gostava apenas de ir à missa aos domingos (ou a alguma novena) e só era vista novamente quando a tarde ia cuidar do seu belo jardim recheado de tulipas, crocus, galanthus, narcisos, flor do jardim e flores do campo. Era este sem dúvida o jardim mais bonito do bairro e despertava curiosidade admiração e inveja em toda a vizinhança que sempre indagava dona Amélia sobre o maravilhoso jardim e ela sempre respondia serenamente que os méritos deste fabuloso jardim eram todos de Deus que havia criado a natureza com sua beleza harmoniosa... – de fato ela gastava boa parte do seu tempo com o jardim como se cuidasse de um filho e dizia que jardinando sentia se livre quase que podendo tocar o céu as estrelas e até mesmo a lua ela se sentia completando uma obra superior – o Sr. M. venerava muito a mulher e lhe respeitava a opinião, mas, ele mesmo se havia convencido de que Deus não existia, senão nos sonhos e devaneios de Amélia, ainda assim ia a todas as missas (e novenas) acompanhando dona Amélia como se fosse o mais fervoroso dos fiéis. Tudo ia muito bem à vida do casal (que estava prestes a ter seu primeiro filho já no verão deste mesmo ano) cinco dias antes do previsto dona Amélia foi levada à maternidade da cidade sentindo fortes dores e naquela noite ela acabou expirando às 22h30min. Amélia havia morrido (e o Sr. M. custava a acreditar), entretanto, das pétalas caídas surge o perfume do novo botão e da nobre dama surge uma nova vida de seu leito de morte irrompe a flor jovial a sua Emiliana que tem agora a missão de alegrar seu pai.

Capítulo II

Quinze anos após a morte de Amélia e o Sr. M. tornara-se agora muito parecido com a sua falecida esposa totalmente recluso só saía de casa para ir ao jardim fazer a poda do mato (que agora crescia desordenadamente) ou das poucas flores que ainda restavam e tornavam se mais raras a cada mês (por falta de cuidado do velho). Emiliana adorava o jardim e vivia tentando convencer o pai a lhe deixar cuidar do que era a esta altura o jardim mais sombrio da região, apesar de seus esforços o velho pai não a deixava nem ao menos olhar o jardim por muito tempo. Emiliana era uma adolescente normal fora criada em casa (tendo inclusive aulas particulares do próprio Sr. M.) e quase nunca saía dela vivia praticamente trancada no seu quarto (exceção feita às horas de refeição) lendo os poucos romances que conseguia esconder do pai, que não gostava que a menina lesse “esse tipo de bobagem” o que segundo ele fazia mal a mente das crianças. Da sua janela ela gostava de observar as pessoas passando pela rua e imaginava como seria a vida fora daquela casa ou daquele quarto, a noite adorava ver as estrelas e principalmente a lua. 23h50min e o Sr. M. levanta assustado com um ruído ululante na escada. O que é isso pensa ele horrorizado seriam ladrões? Mais em 40 anos ninguém nunca tinha ouvido falar de ao menos um assalto naquele bairro, por via das dúvidas agarrou o primeiro objeto a sua frente – era um abajur – o que era oportuno, pois posso iluminar e se for o caso... Pensava M. empolgado com a possibilidade de abater o intruso, mas, de repente escuta um barulho na porta da frente. Já está indo embora?Será que ele percebeu que eu acordei? Perguntava se M. totalmente confuso apagou então o abajur e procurou ficar mais quieto quanto possível e segurou firme o objeto com as duas mãos enquanto seus pés deslizavam suavemente pela escada avistou a porta aberta desceu esguiamente os antigos degraus de madeira esgueirando se até a fresta da porta entreaberta e espiou de soslaio enxergou uma lua luzindo tão intensamente que quase o deixara cego num primeiro momento, depois disso viu Emiliana no jardim não era um assalto e sim um sequestro ia levantar se para resgatar a filha quando ouviu passos e via alguém se aproximando da menina decidiu esperar para pegar o canalha com a mão na massa os dois estavam já próximos M. preparava o bote até vê-los abraçados e trocando carícias era pior que um sequestro era um provável namoro como isso foi acontecer? Pensou o perplexo Sr. M. que agora deixara o corpo cair estrondosamente ao chão (fazendo um ruído que os dois ouviram) Emiliana despediu se tão rápido quanto podia de seu amado e voltou correndo para casa encostou a porta olhou ao redor e tudo parecia calmo aquele barulho provavelmente foi algum rato pensou preocupada com a reação do pai caso a visse nesta situação, subiu vagarosamente os finos degraus de madeira observou o quarto do seu pai o panorama parecia inalterado, contudo, olhou pelo buraco da fechadura para confirmar e viu o velho enrolado entre as cobertas virou se para o outro lado e foi para o seu quarto. O Sr. M. revirava se debaixo das cobertas planejando o dia seguinte. Pela manhã assim que Emiliana desceu em direção à cozinha o pai lhe observava de maneira que a jovem nunca havia visto e em seguida agindo de um jeito muito mais estranho pedindo a ela que fosse comprar pão e leite (até ontem o velho fazia todas as compras a fim de evitar o contato de Emiliana com o ambiente externo) entregou-lhe o dinheiro e explicou oralmente o caminho – de forma displicente para que a filha demorasse um pouco mais – mal esperou ela sair cantarolando e subiu ao quarto da moça tentando achar alguma evidência de que aquilo que testemunhara na noite passada não fora apenas um pesadelo vasculhou por todo o local e não achou nada, estava quase desistindo (por medo da adolescente a surpreender ali) quando percebeu um papel de cor branca dobrado no bolso de uma roupa jogada sob a cama – era uma carta - que dizia mais ou menos assim:

"Meu amor não se preocupe amanhã estarás livre de teu cativeiro e de quem te mantém cativa, prepare se, pois fugiremos nesta madrugada, atenção irei te buscar 00h30min no local de nossos encontros mil beijos apaixonados do seu amor ass: lua"

Capitulo III

M. não teve tempo nem de pensar muito na carta, o barulho no portão de aço indicava que a filha retornara guardou velozmente o papel aonde o encontrara fechou a porta do quarto e caminhou até a sua cama. Emiliana chamou pelo pai que respondeu do andar de cima ela deixou a encomenda na cozinha antes de subir as escadas e encontrar o pai acamado e pálido (pela carta que acabara de ler) ela preocupada com a saúde do pai tentou convencê-lo a ir ao médico,todavia,o máximo que conseguiu foi levar lhe o café na cama. A tarde se foi rapidamente e M. permaneceu deitado em seus aposentos a princípio ficaria assim apenas até o fim da manhã, porém ao perceber os cuidados da filha para com ele achou melhor seguir fingindo estar doente para tentar evitar a fuga dela na próxima madrugada e caso isso não fosse possível (estaria no jardim o provável “local dos encontros” esperando pela fuga dos dois e tentaria afugentar o tal de lua – lua deveria ser um apelido ou coisa que o valha pensava o velho – Emiliana consulta o relógio fixo sobre a porta (00h25min) pega cuidadosamente a mochila com suas roupas, livros e demais pertences desce silenciosamente por entre os degraus abre e fecha suavemente a porta da frente quase sem respirar e agora caminha confiante rumo ao jardim onde o seu futuro será definido. M. esperava lá fora a cerca de dez minutos cochilou até ouvir sons próximos a porta da frente (estava escondido numa moita em frente ao jardim) viu Emiliana carregando uma mochila e marchando levemente até o local combinado 00h29min e não se tinha sinal de moto carro ou passos na rua e ele já achava que a tal fuga não ocorreria,quando de repente a lua começa a luzir veementemente como na noite passada ele quase não via nada,entretanto, observou um rapaz bonito vestido de branco que parecia descer dos céus aparentemente levitando em direção a moça, M. levantou boquiaberto como que em transe (absorvido pelo que acabara de ver) Emiliana então reparou o velho pai apalermado olhou para o amado (agora já a teu lado) este aproximou se de M. e explicou-lhe que havia colocado este jardim a disposição dos homens há muito tempo atrás a fim de conhecer uma pessoa pura e carinhosa que seria aquela capaz de cuidar bem de seu jardim e assim depois de muito tempo ele encontrou Amélia e então lhe fez uma proposta de casamento a qual ela rejeitou dizendo que já era casada, no entanto, ela prometeu que teria uma filha que estaria destinada a casar se com a lua e hoje era o dia em que a promessa cumprir se ia, o jovem pedira a M. que não tentasse o impedir e não dissesse o que presenciara a ninguém e se foi como um raio de luz levando consigo Emiliana e seus pertences. A partir daquele dia M. jamais foi visto novamente naquela casa, todavia, ele fora avistado várias vezes nos limites da cidade gritando que sua filha havia fugido com a lua e que a ele só restava o jardim.

Capítulo IV

M. acordou às 11h00min da manhã naquele dia olhou surpreso ao redor e redescobriu sua velha casa observou sua antiga cama viu as cobertas dobradas como no tempo em que dona Amélia estava viva, saiu cambaleante desceu as escadas olhou pasmado pela janela aberta o belo jardim revelar-se lá fora foi até a cozinha e se deparou com a mulher preparando o café, pálido como um fantasma M. não sabia o que dizer fechou os olhos e os descerrou, acabou imaginando que tudo aquilo fora apenas um sonho ou seria agora um sonho ele já não sabia nem queria saber, pois tudo que importava para ele estava ali era Amélia cuidando do jardim

Luiz Henrique Santos
Enviado por Luiz Henrique Santos em 04/05/2011
Código do texto: T2949710
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