Acordando para a Guerra

Trombetas podiam ser ouvidas naquela manhã. O som que era jogado contra as paredes pelos instrumentos fazia a terra tremer e com certeza interromperam o sono de Jacques. Mal tinha amanhecido naquele momento; nem as preces diárias do amanhecer haviam sido feitas. Mas diante da situação, vestir seu corselete de couro, sua túnica, seu cinto de couro e desembainhar sua espada; foram às ações mais bem feitas para contemplar aquele nascer do sol de cor amarela alaranjada. Alguns diziam que esse era o momento certo para acordar para a guerra, com o nascer do sol.

Deslocando-se em velocidade incrível até o sino que havia nas proximidades, dentro da cidade de Jerusalém, Jacques de Rossal badalou sete vezes. Não se passaram minutos e os Cavaleiros Templários, portadores de tal nome, honra e costumes estavam de pé deslocando-se com pressa para o sino antes mesmo de terminar de amarrar vossos cintos. O primeiro a falar, foi Godofredo de Saint-Omer. Com seriedade e respeito à Rossal, o dito responsável pela maioria quando Payens partiu, perguntou em tom varonil e áspero; talvez pela manhã desperta sem uma bebida ainda:

- O que houve Rossal? Dessa vez os sarracenos foram ousados o suficiente para tocarem trombetas próximas da cidade?

- Não, respondeu Rossal calmo e calculista.

- O que está vendo ai em cima, meu irmão? Gritou Jacques de Rossal em direção a Gondemar que estava no topo da muralha avistando as proximidades invadidas pelos mulçumanos.

- São apenas tropas de passagem! Sem sair do cotidiano, todo primeiro nascer do sol do mês eles fazem isso. Costume oriental! Berrava Gondemar meio desequilibrado da muralha relativamente alta que cercava e protegia a cidade. Godofredo revoltado então disse:

- Jacques de Rossal! Meu irmão! Detentor da palavra de Hugues de Payens entre nós! Irmãos. Irás deixar tropas inimigas andarem em círculos em nossos domínios como se fossem seu pátio em Ascalão?

O modo com que Rossal pensava foi o responsável por sua ascensão na Ordem. Ele era um homem puro, monge que abdicou de seu dever com a Igreja para lutar nas guerras de seu povo, no final da história tornando-se Cavaleiro Templário. Rossal pensava com a cabeça e não com o punho como era o cotidiano de Saint-Omer. Payens e Montbard, deixaram as terras de Jerusalém no intuito de conseguir alianças na França que facilitassem a ascensão da Ordem com um Concílio, porém temiam uma desunião entre os irmãos graças à insistente força do Demônio em separar o que as mãos de Deus unem. E isso aos poucos estava ocorrendo, era apenas questão de tempo. Por isso Rossal havia sido escolhido. Meio a pensamentos e ações mal pensadas, discussões geradas e mal olhares entre os três irmãos que estavam na pracinha de Jerusalém houve um berro e um abafo. Gondemar havia sido atingido e caíra do alto da muralha. Uma lança atingiu seu peito esquerdo e um possível acerto no coração era esperado. A lança era grossa, talvez 30 cm de diâmetro. Era algo difícil de encontrar-se, mas nas terras orientais as mais diferentes armas eram utilizadas. Ninguém conhecia a técnica de um homem ter tanta força para lançar uma lança de tal peso, mas esse fato dito como lenda acabava de acertar em cheio o peitoral esquerdo de um irmão. O abafo gerado pela queda de Gondemar na areia fez com que Godofredo de Bisol rapidamente subisse pelas escadarias de madeira já podres desde a última reforma para avistar o progresso das tropas mulçumanas.

- Eles são mais de dois mil. Berrou Bisol lá de cima.

- Dois mil? Disse pensativo Rossal.

- Talvez três, respondeu Bisol.

- Será difícil. Concluiu Rossal.

Existiam alguns soldados da guarda real de Jerusalém no momento que chegou a olhar de lado Rossal. Eles não tinham nem quinhentos homens. Independente do que houvesse, se eles adentrassem Jerusalém eles destruiriam as tropas de guarda em questão de poucas horas. Era inevitável a derrota e Rossal em tom sério dizia que seria difícil.

- Meu senhor, será difícil? Eu prefiro 'impossível', falou um guarda em tom pessimista.

- Já disse para não chamar-me de senhor.

- Será difícil, mas com a minha espada sendo guiada pela mão de nosso Pai todo poderoso, nenhum exército mulçumano será capaz de derrubar esses portões.

De repente, o diálogo de Dosil e Rossal foi interrompido por um grito de cima da muralha:

- Estão dando a volta Rossal! Irão recuar!

- Graças ao nosso Pai! Todo poderoso!

Outra lança ultrapassou as muralhas e pôde trespassar pelo braço esquerdo de Bisol. A lança era da mesma espessura da anterior. Sendo no braço com certeza havia inutilizado o membro por um bom tempo.

- Foi apenas meu braço esquerdo! Disse então em tom firme Bisol, como se a lança houvesse quebrado sua unha.

Infelizmente, para a pequena tropa que guardava Jerusalém, graças ao medo, Rossal resolveu iniciar a batalha. A maioria temia falecer ali, mas Rossal nunca havia tombado em batalha, apesar de essa ser a primeira sobre sua liderança.

- Subam até as muralhas! Preparem os Arcos! Irmãos preparem-se frente às muralhas com vossas espadas. Gritava continuamente Rossal, esperando que a velocidade com que se preparassem fosse próxima à velocidade dos golpes desferidos aos adversários.

As tropas mulçumanas nunca entravam em conflito com as pequenas tropas de guarda de Jerusalém. Retirando o fato das pequenas tropas de movimentação ultrapassaram toda a tropa de guarda da cidade, eles não tinham motivo para ficar nesse troca-troca de Jerusalém que sempre existiu. Porém, por algum motivo uma parcela significativa com cerca de mil homens havia se deslocado de seu grupo para batalhar com os Templários e a tropa de guarda de Jerusalém. Pôde ser visto pelos arqueiros e demais localizados no alto da muralha uma frente inimiga também se formando de arqueiros. Imediatamente quando houve a primeira formação do inimigo, Rossal viu que era um momento crítico onde poderia abater uma quantidade significativa de mulçumanos. Um sinal de punho fechado descendo em noventa graus para frente fez com que a primeira remessa de flechas rasgasse o vento em direção ao inimigo e caísse como uma chuva densa atravessando suas pequenas armaduras improvisadas.

- Boa parte abatida, meu irmão! Gritou Bisol.

- Eles estão se escondendo nas moitas existentes ao longe da muralha. Lá ela é densa e seca graças as condições climáticas, ficando impossível saber a posição de uma grande parcela.

Rossal precisava pensar, e rápido. Ele era apenas um Templário e não um semi-deus. Independente do que fosse fazer nos próximos segundos, não poderia desapontar seus homens e muito menos seus irmãos. Um raio passou por sua cabeça e uma idéia surgiu. Berrou então para Bisol, enquanto mais uma remessa de flechas era lançada impedindo que o exército inimigo aproximasse mais ainda das muralhas de Jerusalém.

- O sol está muito forte ai em cima, Bisol?

- Sim meu irmão. Mal podemos mirar com os arcos, já que as flechas de guerra são pesadas e é preciso atirá-las para cima.

- Perfeito então meu irmão. Boa hora para iludi-los e atirar flechas pegando fogo. Mande atirarem na mata, isso vai assustá-los. O fogo irá se extinguir rapidamente com a pouca vegetação e será o suficiente para amedrontá-los. Não abram os portões. Se por algum motivo aproximarem-se mais, abriremos com tudo e poderão ter uma surpresa.

Foi dito e feito, como imaginava Rossal temendo ter que abrir os portões para um conflito corpo a corpo. Com certeza independente da vitória ou não, uma grande quantidade de homens iria jazir o que não era bom para Jerusalém. Como o amanhecer do sol ofuscava a visão, os inimigos só notaram a presença de flechas pegando fogo quando as matas onde haviam se escondido estavam a queimar junto com grande parte de seus homens. Realmente, não era objetivo dos mulçumanos no momento reaverem Jerusalém. Os Templários mostraram que por mais algum tempo mereciam permanecer com essas terras. Após a segunda remessa de flechas em direção aos mulçumanos, o inimigo movimentou-se rapidamente em círculos até que pode ser visto uma movimentação interna que deu origem a uma batida em retirada.

- Foram embora, gritou Bisol!

Era um bom momento após toda a tensão, para um sorriso invadir a face suada de Rossal. O sol no momento acabava de terminar sua ascensão ao céu. Repentinamente desce Balduíno II amedrontado temendo outro massacre repetindo para todos em uma grande quantidade de vezes:

- O que houve? Indagava para um.

- O que houve? Indagava para outro.