1 - O Principe dos Sonhos

Esse conto nao tem nada a haver com a serie que Neil Gaiman fez. Faz parte de inspiraçao pessoal.

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Janice arrumava os pratos na pia da cozinha. Ela cantarolava com um sorriso doce nos lábios. Usava um vestido antiquado de flores amarelas e azuis. Seus olhos azuis irradiavam felicidade e ternura. Tinha sessenta e cinco anos mais demonstrava jovialidade e força de vontade.

- Janice! – gritou uma voz da sala. – poderia me trazer um copo com limonada?

- Claro. – respondeu, com o seu sorriso mais radiante.

Ela apanha uma bandeja, um copo e a jarra com a limonada. Vai a sala composta de moveis antigos e empoeirados. Na parede, em cima da lareira, uma foto antiga de um jovem casal rindo.

- Aqui está querido.

Alfred sorri afável para a esposa. Estava na cadeira de balanço que outrora pertencia ao seu pai. Ele era robusto, cabelos brancos nos braços e no peito. Sua barriga saliente o obrigava a desabotoar três botões de sua blusa.

- Obrigado.

- Alfred... – Janice fez um carinho com as costas da mão na bochecha de seu amado. – é tão bom estarmos juntos de novo depois de tantos anos separados. Havia noites imaginava que não suportaria mais viver de tanta saudade. Você foi a melhor coisa que aconteceu em minha vida. Você não acredita o quanto nossos filhos cresceram, nos deram netos lindos. Deveria visitá-los qualquer dia desses.

- Seria bom. Mas você sabe, eu não posso.

- Sei sim.

- Eu adoraria vê-los. – ele sorriu consternado.

- Eu vou terminar de lavar os pratos. Que tal um passeio pelo campo no fim da tarde?

- Uma ótima idéia.

Janice beijou a testa do marido e volta para a cozinha. Ao religar a torneira, escutou batidas na porta. Espantada e surpresa, olhou para a porta. Demorou alguns segundos para acordar de seu devaneio. Aproxima-se da porta e ainda escuta novas batidas pausadas, sem pressa alguma.

Ela abriu a porta, sem retirar a correntizinha de proteção. Colocou um olho para ver.

- Quem é?

- Janice?

De pé, com as mãos no bolso, um homem alto e magro, vestindo uma roupa escura. Sua pele é branca como a lua, seus cabelos pretos e desalinhados, olhos azuis penetrantes como o céu.

- É ela. O que deseja?

O homem dá um sorriso bonito e fácil. Janice sentiu uma espécie de empatia por ele, mas também receio e pesar. Não sabe porquê.

- Seu lugar não é aqui. Muitos esperam pela sua volta. Sei que deseja muito que essa seja a sua realidade, mas não é. Volte comigo.

Janice olha para ele como se este fosse um lunático. Forçou a porta para fechar, mas ele pôs o pé. Ela arregalou os olhos, temerosa.

- Não sei o que pretende, mas vá embora. Está me deixando com medo.

- Não precisa ficar com medo. Onde nós estamos, ninguém pode se ferir realmente.

- Você é algum tipo de louco?

- Não senhora. Vim aqui pois sei que seus filhos e netos estão com muita saudade e precisam da senhora. Não os abandonem antes da hora. Não seja egoísta até esse ponto.

- Já disse a você, não sei do que está falando. Por favor, vá embora.

O homem baixou a cabeça, pesaroso e triste. Voltou a olha-la como uma criança tentando explicar algo muito importante a um adulto.

- No dia 16 de agosto desse ano você estava no seu carro, como de costume, fazendo compras. Foi quando um caminhão a atingiu, fazendo seu carro rodar varias vezes todo estraçalhado. Por algum milagre, você sobreviveu. Permaneceu em coma desde então...

- O que quer dizer?

- Você tem a oportunidade que poucos têm. Você tem uma nova chance de sair desse sonho e voltar para seus filhos e netos. Eles choram e rezam por você na beira da cama. Sofrem. Você precisa aceitar que o passado não pode ser mudado, mas que se aprende com ele. Muitas pessoas vêem a vida pelo prisma errado, por isso fazem o que fazem. Não seja essa pessoa.

Janice estava com os olhos marejados de lágrimas. Fitou seus dedos enrugados espremendo um no outro. Abriu a boca, mas não falou nada. Fechou os olhos e uma lágrima brilhante como um cristal rolou pelo seu rosto. Ela fez que não com a cabeça, decidida de alguma coisa.

- Não posso deixar Alfred. Ele precisa de mim. Por todos esses anos eu sofri, acalentada pela solidão e pela sua falta. Não posso suportar mais um único dia sem ele.

- Ele morreu – disse o homem com olhos suplicantes. – ele morreu e não voltará. Os vivos querem você de volta, pois você é importante para eles. Você é a pedra fundamental. Não é o momento de você partir, há muitas coisas para fazer ainda na sua vida.

- Eu... – ela gaguejou.

- Se não voltar agora, comigo, não voltará jamais.

Janice respirou com dificuldades, não encontrado respostas. Retirou a correntizinha que segurava a porta. A abriu lentamente. Deu três passos para trás. Olhando sobre o ombro não encontra mais Alfred. Apenas a cadeira de balanço onde antes ele estava sentado, sorrindo cordial. Agora, parecia que estava acabado.

- Onde ele está? – perguntou Janice, com um angustiante aperto no coração.

- Quando percebeu que tudo era uma fantasia, você aprendeu a controlar suas emoções e desejos.

Ela sorriu mais contrafeita.

- Eu voltarei a vê-lo quando morrer?

O estranho homem sorriu de volta para a mulher, mostrando seus dentes brancos.

- Você não precisa morrer para estar com ele. Ele vive dentro de você.

Janice chorou mais uma vez, agarrada a barra de sua saia. Chorou como uma criança, piedosamente. O homem aguarda com paciência. Ela olhou para ele. Seus olhos estavam vermelhos. Ele estende sua mão pálida para ela.

- Vamos voltar?

- Vamos.

Eles atravessam o alpendre e descem a escada da varanda. Ela o fitou com olhos cheios de empatia e curiosidade infantil.

- Ainda não sei seu nome. – ela perguntou, tímida.

Ele retribui o sorriso.

- Chamo-me Morpheus. Também tenho um irmão chamado Sandman.

- Este... Sandman?! Sandman, não é? Ele faz a mesma coisa que você? Digo, trás de volta pessoas em coma?

Morpheus ri mais uma vez e encara a mulher de forma simpática.

- Sim. Mas não são apenas de comas que despertamos as pessoas. Há diversos estados no mundo do sonhar. Existem até mesmo aqueles que estão perdidos, a esmo, sem qualquer perspectiva diante da vida que lhe é entregue. Estão mais mortos que vivos. Esses também precisam de ajuda. Espere, é aqui. – ele aponta para um ponto luminoso à frente, como um pequeno sol se formando do nada.

A luz é tão forte que chega a cegar momentaneamente Janice. Ela sente formigações pelo corpo e frio na garganta, como se expelisse rajadas de vento siberiano.

- Adeus, Janice.

Ela ainda escutou, antes que tudo ficasse branco como nuvem.

davifmayer
Enviado por davifmayer em 22/12/2006
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