Presentes

Era um sábado quase comum. Conversavam despreocupadas. Um ventilador velho tentava disfarçar o calor, mas não fazia mais do que soprar o desânimo das três da tarde. Tudo poderia acabar naquele exato instante desde que continuassem juntas. Uma das filhas passava esmalte cuidadosamente nas unhas dos pés da mãe. A outra filha estava na janela comentando sobre as flores que haviam desabrochado na última semana. "Nesse ano, quero comprar os presentes de natal mais cedo. Pelo menos, os dos meninos", disse a mãe. Ela tinha cinco netos. Dois deles eram da filha mais velha, um menino e uma menina, e um deles era da filha mais nova, uma menina. Os outros dois netos eram do filho do meio, mais um menino e uma menina.

Continuaram conversando sobre os preparativos para o natal. Decidiram que precisavam fazer uma limpeza completa. Era uma tradição. Tiravam os quadros, os carpetes e arrastavam os móveis. Deixavam tudo brilhando para esperar o natal. Permaneceram naquela conversa de planos até escurecer e as filhas voltarem para casa e o dia acabar. O domingo também não demorou a desaparecer. Foi preenchido pelo frango assado no almoço e as brincadeiras dos netos. Dessa vez, estavam todos juntos, aliás todo o mundo que lhe importava estava ali: seus filhos e netos, sua família. Enfim, o domingo também passou e na segunda-feira, a avó foi comprar os presentes. Foi sem que ninguém soubesse. Saiu de casa logo depois do almoço, com um vestido de flores e uma bolsa debaixo do braço. Quando começou a anoitecer, ela voltou para casa trazendo as sacolas com os presentes dos netos. No dia seguinte, sairia para comprar os presentes dos filhos.

Mas, na manhã de terça-feira, o tempo acabou e nem mesmo ela poderia resistir mais. A vovó passou mal e morreu. A tristeza daquilo arrasou toda a família. Todos sabiam que ela era doente e já haviam se acostumado com as internações inesperadas, mas ninguém, ninguém está preparado para a morte. Seria impossível dizer o quanto a família sofreu, porque as lembranças daqueles dias são turvas e esmaecidas, como um borrão de memórias indesejadas. Uma insignificância gigantesca tomou conta de tudo. O mundo continuou como se não houvesse mudado. O trabalho, a escola, os carros, os vizinhos. Mas, nada era como antes.

Depois de tudo o que aconteceu, da tristeza insuportável e depois de alguns dias sem a vovó, tiveram que reunir coragem para tocarem no assunto. Naquele dia, a filha mais velha, voltou ao quarto da mãe e o silêncio lhe fez chorar. Perdeu-se entre a penteadeira e a cama. No maleiro do guarda-roupas, encontrou as sacolas de presentes do natal que havia passado há uma semana. Os presentes estavam embrulhados e havia um para cada neto. Então, a filha mais velha decidiu que era a hora de entregar aqueles presentes.

Então, nos dias seguintes, ela entregou os presentes aos filhos e sobrinhos. "São os últimos presentes que a vovó quis dar a vocês." Apenas a mais nova dos netos abriu o presente no instante em que ganhou. Talvez, fosse pequena demais para entender o que ele significava. No entanto, foi uma sorte ela ter aberto. Naquele mesmo dia, a linha de sua máquina de costura de brinquedo havia acabado e o presente era um lindo carretel de linha lilás que combinaria perfeitamente com as cores dos vestidos que pretendia costurar. Ela costurou vestidos novos para todas as bonecas.

Em seguida, a filha mais velha entregou os presentes de seus outros dois sobrinhos. O sobrinho mais velho levou alguns anos para abrir seu presente. Ele simplesmente agradeceu e enfiou o embrulho dentro de uma mochila. Quase se esqueceu do presente. Dois meses depois de ter completado 18 anos, prestou vestibular para medicina. Ser médico sempre havia sido o seu sonho, desde pequeno vivia dizendo que seria cardiologista para cuidar da vovó. Mesmo não tendo mais a vovó para cuidar, ele seguiu em frente. A mãe, extremamente protetora mas esquecida, havia preparado sua mochila. Sombrinha, moleton, chocolate, caneta, borracha... "Cadê a lapiseira?" Ele revirou a mochila, enquanto o fiscal vigiava desconfiado. Até que lá no fundo estava o embrulho, o presente de sua avó. Sem pensar, ele rasgou o papel e lá estava um trio de lápis maravilhosamente apontados. Satisfeito, ele sorriu, como se já esperasse que sua avó iria ajudá-lo. Já que ele não podia mais ajudá-la, ela lhe ajudaria. Aquele foi o primeiro passo para que ele colocasse um "doutor" antes do nome.

O terceiro presente foi o da irmã do sobrinho mais velho. Era uma caixinha minúscula, parecia uma caixinha de fósforos. Ela também não ousou abrir o presente. Abraçou a tia com carinho e derramou um par de lágrimas tristes. O pequeno embrulho ficou muito tempo em uma encantadora caixinha de música e muito tempo passou sem que alguém se lembrasse dele. Em um dia especialmente escolhido em maio, ela encontrou o embrulho. Tudo estava preparado para o casamento da sobrinha. Os convidados já estavam na igreja, o noivo provavelmente também já estava lá, os padrinhos conversavam especulando o motivo de tanto atraso. E a noiva, a sobrinha, estava desesperada. As duas tias foram encarregadas de lhe ajudar a se aprontar, mas no momento em que entrou no vestido um dos botões que fechavam o corpete se soltou e ela já estava vinte minutos atrasada. Reviraram o quarto, reviraram a casa em busca de algo que pudesse consertar o botão e não encontraram nada, até que a sobrinha pensou em procurar na caixinha de música. Esparramaram os brincos e anéis e lá estava o pequeno embrulho e dentro dele encontraram um alfinete.

Por fim, a filha mais velha entregou os presentes de seus dois filhos. A filha levou muito, muitos anos para abrir o presente. Foi numa noite tempestuosa, na primeira noite depois da morte de seu marido. Os filhos estavam com medo, ela mesma estava amedrontada. Não sabia o que fazer, nem o que sentir, nem como continuar vivendo. Então, pediu suas crianças para esperarem. Respirou fundo , foi até o quarto e de dentro de sua caixinha de recordações tirou o embrulho de sua avó. Sempre soube o que era, mas, até então, nunca soubera quando deveria abri-lo. Voltou para a sala com um pouco mais de força, trazia o pequeno livro nas mãos e um cobertor nas costas. Sentaram-se no tapete, dividindo o cobertor quentinho e ela lhes contou a história que sua vovó havia escolhido. Sem que percebessem, os três adormeceram.

O último a receber o presente foi o neto mais velho, mas ele não foi o último a abri-lo. Diziam que ele sofreu muito com a morte da avó. Sempre foi um menino quieto, ciumento e estranho. Ele se tornou escritor, daqueles que escrevem histórias banais em jornais ou revistas sem importância. Em um momento de desilusão e descrença em si mesmo, ele abriu o presente e dentro do embrulho, ele encontrou as lembranças incríveis de sua infância. Então, daquelas lembranças, daquele embrulho nasceu seu primeiro livro, uma história deliciosa sobre uma vovó encantadora e inesquecível.