À Espera da Morte

Ele estava sentado na beira do penhasco,imóvel.Se achava tão absorto que nem percebeu eu chegar,apesar do vento forte que minha presença evocava.Fiquei em dúvida sobre tirá-lo do transe ou não,porém,de súbito,ele se virou pra mim e sorriu:

-Oi!Finalmente você chegou.

O fitei fixamente.Não parecia preocupado ou amedrontado.Tinha morrido há apenas alguns minutos;seu corpo se encontrava caído,no fundo do precipício.Era a sua alma,límpida,que sorria agora.

O histórico de vida dele passou pela minha cabeça:trabalhava num emprego normal,era razoavelmente feliz(a felicidade humana sempre foi um enigma pra mim) e não possuía nenhum vício que alterasse sua razão.Então,por que se matou?

Bem, não era da minha conta.Só estava ali para coletar sua alma e pronto.Ainda assim,me vi perguntando:

-Por que fez isso?

Ele parou de sorrir e sua alma adquiriu um tom mais escuro:

-Me matar?É confuso.Quero dizer,eu me sentia feliz,realizado.Contudo,um dia percebi que escondia a verdade de mim mesmo.Essa alegria era só fachada.Por dentro,não havia nada.Por isso me matei.Não poderia oferecer coisa alguma ao mundo.

Foi estranho saber que a vida dele,aparentemente maravilhosa,na verdade era rodeada de sentimentos escusos.Também nunca entendi isso nos humanos.Como podiam mudar a si mesmos de maneira tão repentina e radical?De nada adiantava tentar compreendê-los.O melhor era fazer meu trabalho,que já se atrasava.Havia mais almas para coletar,além dessa.

-Vamos.-falei.

-Ei,eu vou para o inferno?Os suicidas vão para lá,não é?-ele perguntou,me acompanhando.

-Não sei-respondi,sisuda.

E realmente não sabia.Eu só levava as almas até determinado lugar.Depois disso,o que acontecia estava fora da minha alçada.Por incrível que pareça,não acredito em Céu ou Inferno,Deus ou Diabo.É puro folclore.Na minha opinião,as almas habitam num só local,vivendo o próprio inferno ou paraíso somente nas suas mentes.

Mas esse homem não temia seu destino,fosse qual fosse.Ele andava ao meu lado com passos calmos e firmes.Dado um momento,segurou minha mão esquerda e murmurou:

-Não é tão fria quanto pensava.

Se eu sentisse alguma emoção humana,teria rido.

Elaine Rocha
Enviado por Elaine Rocha em 18/02/2012
Reeditado em 18/02/2012
Código do texto: T3506717
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