Fantasia de Carnaval

Lá no campo de erva verde havia um moço algo apampado que lhe chamavam o Cancelas.

O Cancelas cuidava, porque queria, dos bodes que ia encontrando pelos caminhos. Ultimamente tinha-se enfiado na fantasia de Chefe de Cordeiros e o moço andava de cá para lá com um ar de general dos exércitos que punha respeito.

Havia também por ali uma cotovia algareira que cantava todos os dias. Fazia ninho e torre numa árvore que lhe chamavam a do Tesouro por antes ter sido lugar de namoros de piratas. E diz que enredado entre as raízes havia um cofre cheio de alfaias de outros tempos.

O Cancelas, que era cobiçoso, odiava a cotovia por não saber empregar tão imensa riqueza. Parecia-lhe parva, sempre cantando sem vender as joias para viver com o luxo que corresponde aos afortunados. Já disse que o Cancelas era um moço algo apampado.

A raposa, que andava esfomeada, chegou um dia junto ao Cancelas para lhe falar do seu plano: acabar com o ninho da árvore do Tesouro. Com um olho no Cancelas e o outro nos cordeiros, a raposa fantasiada de conselheira falou assim:

- Cancelas, se me emprestas um cabrão ponho-te rico!

- Uh? - disse o Cancelas - Tu vais-me pôr rico, como?

- Tu deixa-me fazer a mim, que ficas com o tesouro - respondeu a raposa entre dentes.

- Mas de que te vai servir a ti um cabrão? - perguntou, pampo, o Cancelas.

- Vais ver, devolvo-cho intato - disse de esguelho a raposa.

O Cancelas, que não se fiava, procurou entre os bodes já crescidos e escolheu o mais madurote, forte e de bons cornos para acompanhar à raposa sem medo de o perder nos primeiros compassos. E, sem mais falas, puseram-se a caminho os três: o cabrão, a raposa e o apampado do Cancelas.

Entrementes, os lobos com pele de cordeiro que havia no rebanho aproveitaram para abrir um debate sobre a conveniência de terem um pastor rico. Mas deixemos por um momento a fantasia e continuemos com a realidade.

Estavam já os três ao pé da árvore e a cotovia cantava um pouco inquieta pela estranha visita. A raposa sugeriu ao Cancelas que mandasse ao cabrão empurrar a árvore com os seus cornos. Feito isto a cotovia abriu as asas e voou antes de que o ninho a levasse com ele para o chão.

Já sozinhos e em silêncio, a raposa babava-se a olhar para o cordeiro, o Cancelas procurava uma pá para desenterrar o tesouro, e o bode, atordoado e confiante no seu Chefe, ruminava umas ervas ao pé do tronco descotoviado.

Nisto a raposa não aguardou mais e aproveitando que o pampo do Cancelas andava no seu negócio, chantou os dentes no pescoço do cabrão que morreu sem poder crer o que acontecia. Ao voltar, o Cancelas viu o estrago, mas cego de cobiça deu por boa a cobrança da raposa, e a seguir cavou e cavou até que o toque sonoroso do ferro lhe anunciou que acabava de dar com o cofre do tesouro.

Desenterrou, abriu o cofre e não achou joias nem alfaias. Havia somente cartas de amor e uns indecifráveis mapas de piratas.

E justo nesse desolador mas luminoso momento em que o apampado do Cancelas enterrava bode morto e cofre, a narradora deste conto de Carnaval lembrou que entre os cordeiros que ficaram sozinhos havia alguns lobos fantasiados.