Sangue nos dentes

A morte é estritamente necessária para o movimento do mundo. Irônico ou não, sem ela não sobreviveríamos; e embora sempre fiquemos tristes quando um membro da alcateia se vai, sabemos que isso é, na verdade, um renascimento.

Mesmo assim, é difícil ver o Velho Lobo morto. Eu senti que a morte se aproximava dele, sombras escuras permeavam seu corpo ao longo da semana. Quando ele desapareceu, logo percebi que queria morrer em um lugar afastado, longe de nós. Ah, o Orgulho que cada lobo tem incrustado no coração...

Tudo é tão unilateral agora, tão estranho. Ele está morto, seu espírito, porém, continua vivo na floresta, e continuará eternamente. Faço um sinal para os outros que vieram comigo para procurá-lo; não há mais nada para fazer aqui, o corpo do Velho já está protegido das feras, nessa toca.

Meus olhos se aguçam e uma carapaça dura dá lugar ao abalo que eu sentia. Sou o Alfa, e um líder mostra respeito aos mortos, mas nunca se lamuria muito. Aliás, é hora da caça, e sei que ele não gostaria que nosso ritual de sobrevivência fosse atrapalhado por sua causa.

Depois de um tempo, conseguimos abater uma corça média. Outra vez, a morte é o centro de tudo. Nos meus dentes, um pouco da essência do antílope ainda pulsa. Não sinto remorsos, não sinto piedade, mas fico inquieto enquanto, aos poucos, essa essência se desvanece. No final, só resta um sangue frio.

Elaine Rocha
Enviado por Elaine Rocha em 08/06/2012
Reeditado em 29/06/2012
Código do texto: T3712599
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