O temível Surrupia

-Está pronto! - Exclamou o operário, enquanto limpava o suor que escorria por sua testa, branca pelo pó da obra.

Brasília, um dos projetos mais rápidos já realizados no Brasil estava pronta. Todos os operários, pobres, humildes, trabalharam duro para que o meio do nada virasse o Distrito Federal, que seria frequentado diariamente pela elite política do Brasil. Diante daquelas belíssimas estruturas produzidas, os operários juntaram seus pertences, que eram mínimos, e se foram para suas casas, que ficavam nas redondezas do distrito. À noite, quando já não havia ninguém nas ruas do pequeno lugarejo cheio de casebres, surgiu um homem, que andava por ali, louco para ver o término da obra que adaptaria seu futuro escritório. Ribamar chegou à entrada do belíssimo Palácio Nereu Ramos, o Palácio do Congresso Nacional. Ali, o cheiro de poeira de obra era terribilíssimo, tornando o ar praticamente irrespirável para um alérgico. Mas ele estava ali, subindo aquela vasta rampa e entrando no que foi projetado para ser o Congresso Nacional.

Ao entrar, Ribamar foi tomado por algo inexplicável. Era como se o lugar possuísse uma magia capaz de modificar o DNA da pessoa, mas não de qualquer pessoa. Apenas pessoas com sede. Sede de poder.

Ribamar já não era mais o mesmo, estava frio, mecânico, sem sentimento algum. De súbito, ele viu uma única luva ao chão, caída. Pegou-a, guardou em seu bolso e saiu do Palácio, com uma ainda mais insaciável sede de poder, dinheiro e mais: súditos subordinados que trabalhassem para ele. Caminhou, pois, sozinho, para as ruas do lugarejo que havia se formado com as casas dos operários do distrito. Ele precisava iniciar seu trabalho, que consquentemente lhe custaria um mandato valoroso.

Já era madrugada, fria e chuvosa. José andava distraidamente nas redondezas das pequenas, desorganizadas e tortas casas dos operários de Brasília. Ele mesmo era um. Ele havia acabado de sair da casa de um companheiro de trabalho que devia dinheiro para ele, pois lhe pedira emprestado. José caminhava a passos largos, querendo logo chegar a sua rua, uma das últimas. Os pingos de chuva caíam febrilmente em sua pele, morena como a brasa. José estava preocupado. Não sabia o porquê, mas sempre que tinha algo que poderia ser de valor e importância para si, ficava nervoso, lançando olhares de esguelha por onde passava, como se pudesse ser vítima de um ataque iminente.

Quando um som de passos rápidos foi ouvido, José olhou para trás, para um lado, para o outro e nada. Não havia ninguém por ali, mas o som dos passos ecoava pela noite molhada. José adiantou-se. O som dos passos parecia distanciar-se, até que, de repente, apareceu um homem diante de José, de modo que ele quase caiu para não bater na face do mesmo. Era simplesmente inexplicável a forma como aquele homem chegara ali, apenas aparecera. O homem tinha um sorriso hipócrita, mas convincente. O homem era Ribamar. Ele ergueu sua mão esquerda dizendo, soturno, porém hipócrita:

-Boa noite, meu caro! Como vai?

José gelou. Quem seria esse homem e o quê quereria dele?

-Vou bem, o quê você quer? - Perguntou, de súbito, José - um tanto rude.

-Quero dizer o quanto eu me preocupo com você e como eu gostaria que você pudesse me ceder um minuto para eu dizer tudo o que posso fazer para ajudar-lhe. - Respondeu Ribamar, ainda sorrindo.

José parou. Sentiu alguma confiança nas intenções de Ribamar e disse que o ouviria, contanto que fosse rápido, pois estava com pressa. Ribamar olhou, bateu as palmas das mãos, sorriu ainda mais firmemente e disse:

-Você votaria em mim?

José pensou.

-Sim, dependendo do que você prometer, eu voto sim.

-Pois eu prometo dar dinheiro todos os dias para sua família.

José riu, sentindo que poderia subir na vida através daquele encontro inusitado com Ribamar, que continuou sorrindo e completou:

-Basta você fazer uma única coisa.

-O quê? - indagou José.

-Confiar em tudo o que eu vou fazer e falar para você - Propôs Ribamar.

-Sim, confio - respondeu, convicto.

Ao som dessas palavras, Ribamar pôs um pano preto no rosto de José, de modo que os olhos dele estivessem vendados. Antes que José pudesse correr, Ribamar segurou-o e ergueu-o no ar. José gritava. Ribamar ria, satisfatoriamente. Agora um riso menos simpático para José, que estava sendo carregado não se sabia para onde.

Quando ele foi posto no chão. A venda foi retirada. Ribamar o olhava, com seu inacreditável e hipócrita sorriso imóvel. Eles estavam num lugar escuro, sombrio, como uma casa abandonada. Não era conhecido o que iria acontecer. Ribamar continuou de frente para José e disse, com sua incrível persuasão que queria o bem dele, por isso, aquilo seria feito. E então Ribamar pôs uma luva branca, brilhosa, e posicionou sua mão direita extamente sobre a cabeça de José, que, de súbito, arregalou os olhos e empalideceu. Passaram-se cinco minutos, aquilo parecia não terminar. Quando Ribamar retirou a mão de seu volumoso cocuruto, José já não era mais o mesmo. O operário levantou-se, robótico, tolo, desentendido; olhou para o sorridente Ribamar e disse:

-Doutor, tô do seu lado sempre que precisar, porque sei que seremos todos abençoados com sua vitória nas eleições.

Ribamar gargalhou. Seu primeiro trabalho estava feito. Com a mente obsecada pelo poder, a primeira vítima do surrupia estava ali, no distrito onde o primeiro de todos surgiu. Onde ninguém mais iria escapar das garras violentas daquele que quer sugar o dinheiro de todos e ter inúmeros subordinados. José deu as costas a Ribamar e saiu pelas ruas de Brasília, voltando a sua casa.

Assim, o primeiro de muitos cidadãos perdeu o foco do melhor para a política local e nacional. Com o surrupia, nenhum cidadão sem opinião própria foi e nem é poupado. Todos aqueles que não possuem virtude política perdem aquele que é o maior e mais valoroso de seus direitos: a liberdade de pensamento.

Reza a lenda que hoje existem inúmeros Surrupias à solta e, a cada dia, mais e mais pessoas tornam-se vítimas, ou melhor, eleitores desavisados que acabam por detonar os bens públicos e satisfazer o interesse dos lendários e obcecados Surrupias, que se renovam a cada eleição.

Cuidado! A próxima vítima pode ser você! ELES ESTÃO À SOLTA!

Ronaldo Junior
Enviado por Ronaldo Junior em 06/10/2012
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