De Sangue e Ferro - Parte I: Ascensão

- Isso é inaceitável! – esbravejou um dos monges. Seu grito retumbou pela sala redonda, onde outros nove monges observavam-no, apreensivos. – Não podemos permitir nunca que alguém tome posse do trono de Kûl-thäll-alendir nessas condições.

- Mas Dûll-Ur, este homem salvou o reino. Se não fosse por ele, estaríamos todos sob o domínio de Kildren. E além do mais, corre sangue real em suas artérias. – disse Feetrindill, o mais velho dentre eles.

- Nunca acontecerá enquanto eu fizer parte deste conselho. Protesto veementemente contra tal ato espúrio. Nunca um híbrido assentou-se neste trono. E jamais se assentará.

- Nobres colegas e amigos, não se exaltem de tal maneira. Pelos deuses sagrados, eu os imploro. Dûll-Ur, não caçoe assim da vontade dos deuses. Você, melhor que ninguém, conhece as profecias arcanas.

- Mas me recuso a aceitar que um híbrido seja o detentor de tal título. Senhores, eu os esconjuro que reconsiderem tal decisão. E afirmo que será a ruína deste reino, caso este ser ignóbil assuma o trono .

- Agora chega Dûll-Ur... – gritou Khaar-than, irado, levantando-se de sua cadeira na outra ponta do círculo de monges que compunham o conselho.

Khaar era um dos membros fundadores do Conclave dos Monges. Era ainda jovem quando participou do primeiro conclave, onde foram redigidas todas as Sagradas Tradições. Foi neste primeiro conclave também que o próprio deus Krit materializou-se em meio ao mesmo salão redondo onde se encontram os monges agora. E nesta mesma ocasião, foram proferidas as profecias arcanas. Não por acaso, Dûll-Ur foi um dos servos dos monges que proferiram as palavras das profecias.

- Seu desprezo pelo nosso futuro rei me enoja, Dûll-Ur. Não se esqueça de onde saiu, e, tampouco, do motivo que o levou a fazer parte deste conselho. Você só está entre nós porque caiu nas graças do deus sagrado. Mas não pense que isso lhe torne melhor que qualquer um aqui. Nem mesmo um protegido dos deuses sairá impune por quebrar as Tradições. Tradições essas entregues pelo próprio deus sagrado Krit.

- Você se engana, Khaar. Você está velho, e não percebe o perigo de um híbrido reinar sobre nós. E não, eu não me esqueci, nem nunca me esquecerei de onde vim. – respondeu Dûll, asperamente, levantando a parte superior de sua roupa sacerdotal, mostrando as horríveis cicatrizes que envolviam todo o seu tronco.

- Pois bem, - continuou Khaar, desprezando o gesto de seu companheiro de conselho – retrate-se agora, então, destes seus atos, e curve-se diante de seu novo rei amanhã ao momento da coroação. – concluiu, assentando-se e ajeitando suas vestes.

- Isso nunca. – disse ele, levantando-se, com raiva.

Nesse momento, o estrondo de um trovão ecoou por toda a sala e das sombras surgiu um homem vestido com um manto vermelho-sangue. Seu rosto era coberto por um capuz e em sua mão direita havia um cajado de madeira velho e carcomido por cupins.

O misterioso ser encurvado levantou a mão trêmula e apontou o dedo velho e enrugado, coberto por insetos, na direção de Dûll-Ur.

- Você abusa de sua condição, monge – disse o ser. Sua voz era como um sussurro de agonia e, tom em que falava, faria com que até o mais maligno dos demônios se curvasse de medo.

- Não se esqueça – continuou – que àquele quem muito damos, muito também haveremos de cobrar. Considere isto um aviso, humano. E você, - disse ainda, agora apontando para Khaar – deveria saber que os deuses prezam por seus protegidos. Nunca se esqueça disso.

Quando a criatura disse essas palavras, um outro estrondo foi ouvido, e do lado contrário por onde ela tinha entrado, aparece outra criatura com as mesmas características da primeira, porém, segurando ao invés de um cajado de madeira, um bastão de ouro.

- E é por isso, - disse, ela – que sobre este conselho, hoje, recai a ira de Kil-Maahni. E nós como seus arautos anunciamos que àquele que se interpor entre o seu escolhido e seu destino, sofrerão as conseqüências.

Assim que a segunda criatura termina de falar, um terceiro trovão ecoa na sala e ambas somem da mesma forma que haviam aparecido.

O silêncio impera na sala redonda do mosteiro e os monges se entreolham, pasmados.