CARMEN

Este eu dedico a uma grande amiga que abriu seu coração a mim e me ajudou quando mais precisei. Amigos assim valem ouro e merecem ser imortalizados em obras. Que o Cósmico te proteja e te guie, minha irmã!

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CARMEN

Chegou em Praia de Leste por volta das 13 horas. Era um dia de primavera mas quente, como quase sempre é quente no litoral nessa época do ano. Sabia que era o colo da mãe que precisava mas ao mesmo tempo era mais, era estar em casa, era sentir o cheiro do mangue que circundava a rodoviária, era o cheiro da areia molhada que queria, e a única coisa que poderia apaziguar um coração quebrado, uma cabeça confusa, um sorriso esquecido. Era o lar, longe de Curitiba, perto da família, a de sangue e a de fé, precisava do mar.

Foi para a casa da mãe e almoçou as comidas das quais sentia falta. Falou das coisas do trabalho no Museu em Curitiba e tentou sorrir. Contou das amigas e das festas, falou parcialmente sobre o que a incomodava mas sem se revelar, não queria preocupá-la. Era já uma mulher feita e que a mãe considerava forte demais para sofrer por amor, e queria que ela continuasse pensando assim. Não era vergonha de se expor, era saber que muitas pessoas dependiam de sua força e vê-la quebrada poderia quebrar outros, não podia aceitar isso. Pegou a bicicleta e saiu, dizendo que ia até o mar.

Estava ainda vestida de preto, como quase sempre se vestia, e mesmo com calor não se sentia mal, estava em casa e isso era mais importante que tudo. O cheiro do mar ficava mais forte a cada quadra. Já eram 6 da tarde, o sol começava a querer se por, sentia-se mais viva. Seguiu até o final da Avenida Atlântica, onde o calçamento acabava e começava o areão, continuou cantando uma música de umbanda que simplesmente surgiu em sua mente. Seguiu pela areia, prestando atenção no som das rodas girando sobre o solo úmido. Era uma praia extensa e o sol se punha, iria rodar com a bicicleta até onde pudesse passar com ela, era o primeiro plano.

O sol avermelhando o céu a fez parar, deitou a bicicleta e sentou-se a seu lado, as ondas eram pequenas e brancas, o mar espumava e brilhava com os últimos raios, sentiu mais paz. Viu, na relva a beira mar, pequenas flores e as reuniu, cantarolando as mesmas músicas começou a amarrar as flores com os dons da artista plástica que era, e compor uma pequena guirlanda branca e lilás, sempre cantando. Finalizou o arranjo com as folhas verdes e levantou-se da areia. Seguiu em direção a orla, a praia deserta, ninguém por perto.

Pediu licença a Yemanjá, entrou no mar ungindo a fronte, colocou o pequeno arranjo na água e chorou. Se despediu da Mãe Dágua saindo do mar de frente para ele, andando de costas para a areia, quando algo a segurou, paralisou seu corpo. Os músculos não respondiam. Era como se centenas de pequenas mãos a segurassem, não podia se mexer. Percebeu que alguém a queria ainda dentro da água, e deixou que qualquer coisa acontecesse. Percebeu que o coração se encheu de tristeza com a imagem do homem que amava, e uma sensação de choro a inundou, ao mesmo tempo em que uma voz doce soava em seus ouvidos dizendo “Chora, Minha Filha, chora que estou aqui” e chorou...

Chorou como nunca havia chorado antes, as ondas suaves batiam em suas pernas e as mãos que a seguravam com força agora pareciam abraça-la. Continuou chorando e pedindo que aquela dor fosse levada dali, fosse junto com a água, e viu deslumbrada uma corrente roxa, fluída, saindo de seu peito e caindo no mar, desmanchando-se com a espuma e seguindo contra a corrente, em direção ao fundo das ondas. Soluçava sonoramente, e a corrente roxa jorrava de seu peito como um líquido, as mãos a agradavam, penteavam seus cabelos cacheados e negros, e ela pedia o fim da dor.

O céu ficava escuro e o mar brilhava. Via a substância arroxeada ir em direção as ondas e de repente de dentro delas uma luz clara começou a surgir e se elevar sobre a água. Uma figura antiga e bela, uma mulher de longos cabelos, coroada com uma estrela brilhante na fronte e com um sorriso tão luminoso que ofuscava a própria imagem de seu rosto. A voz macia em sua mente repetia “ Filha, tua dor foi com o mar, tua dor não vai voltar, abraça agora tua Mãe” e a figura aproximando –se de dela abriu os braços, era agora gigantesca, como se tivesse mais de 4 metros de altura ou como se Carmen fosse uma criança que enxerga adultos como seres imensos e imortais. Também abriu seus braços, e sentiu a energia branca e pura se aproximar e a engolir como uma imensa onda. A dor sumiu.

Acordou seca, deitada na areia, a noite alta. Uma estrela do mar na mão direita, uma palma verde na mão esquerda, um cheiro de perfume doce de ervas no ar e o coração em paz. Sorriu. Subiu em sua bicicleta e começou a pedalar para casa. Pensou: nunca mais vou sofrer por amor, meu coração agora é puro e minha alma é limpa. Chegando perto de onde a mãe morava viu que ela estava em pé, perto da porta, esperando. Largou a bicicleta bem antes do portão e correu para abraçá-la. Sentiu o cheiro de sua mãe de sangue e pensou que era tão parecido com o cheiro bom da Mãe Dágua, a apertou forte contra si, e sua mãe sorrindo, lhe disse:

Não fala nada filha, só chora. O que dói, de hoje em diante não vai mais doer...

E desde então tem sido assim.

Carla Umbria
Enviado por Carla Umbria em 23/03/2013
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