A caçada final II

Não havia muito o que se fazer, mas Nur precisava fazer algo. Sem condições alguma existiria outro Lupino protegendo Lua crescente, já que ele era odiado pela maioria e sua tribo havia sido dizimada. Pensamentos rapidamente rodopiaram pela mente de Nur até que ele entendeu o que havia acontecido.

- Meu Deus..

Essas palavras jamais haviam saído da boca de Nur mas ele acabava de compreender um mistério que iria mata-lo e salva-lo ao mesmo tempo. Provavelmente Lua crescente estava criando uma nova tribo, mais lupinos para servi-lo. Isso era um problema enorme para Nur pois teria agora dezenas de bestas sedentas por sangue seguindo-o por toda a sua caçada. Por outro lado, o deserto era repleto de morte por todos os lados e se Lua crescente estava criando lupinos recém-nascidos e fracos ele precisava de muitas coisas, não é fácil criar uma tribo. Ele iria precisar inicialmente de humanos, vários deles, para que ao menos uma porcentagem sobrevive-se e outra servisse de alimento. Esses dados revelavam que havia uma cidade ali por perto e não era pequena, principalmente por que os lupinos precisavam se alimentar e Lua crescente não deveria ter dois, três ou uma dezena apenas de filhos..

A partir de agora, a caçada de Nur tomava outro rumo, o de achar essa cidade antes que Lua crescente, o deserto ou qualquer outra coisa o matasse. Realmente seus pensamentos faziam sentido, jamais um lupino com mais de 10 anos faleceria após receber poucos golpes como os que jaziam na pele já podre da criatura ao seu lado. Era hora de se preparar para uma das batalhas mais sangrentas de sua vida, pois à distância e as desvantagens entre ele e Lua crescente diminuíam cada vez mais, principalmente por que ele acaba de destruir uma das criaturas que futuramente poderiam arrancar sua cabeça; agora tem menos uma preocupação...

Barulhos ecoavam por todos os lados da mata até que Lua crescente com suas garras atravessando alguns arbustos retirou o corpo de uma criatura jogando-a contra uma rocha sólida e extensa.

- Quem é?

Rugidos puderam acompanhar seus dizeres, enquanto sangue escorria de seus dentes, nesse momento de fúria pós-alimentação.

- Sou eu meu mestre, não me machuque por favor.

Os olhos de Lua crescente voltaram-se com mais seriedade, apesar de suas garras retornarem a extensão de início.

- Pigmeu foi morto, aquele caçador realmente é muito ágil.

- Como ele foi morto? Indagou Lua crescente, demonstrando descontentamento em uma de suas crias ter falecido.

- O caçador aparentava estar amedrontado. Ele corria em alta velocidade com seu camelo em direção contrária a nossa. Pensávamos que estava batendo em retirada, mas Pigmeu estava com fome.. cego de fome sinceramente. Eu fiquei ao longe observando enquanto pigmeu saltou por cima dele e não voltou a cair ao chão com vida.

- Criança. Sussurrou Lua crescente. O caçador sabia que alguém iria atrás dele e estava preparado para isso. Agora ele já deve saber nossa localização, afinal vocês vieram por trás dele. Mostraram que estávamos no sentido contrário do que ele buscava.

- Espero que a sua tolice não custe à morte de seus outros irmãos.

Ambos se deslocavam pela mata até chegar ao alto de um precipício. Logo abaixo do mesmo, cerca de 100 metros, eles podiam ver a pequena cidade com nada mais que 1.000 habitantes. Lua crescente nesse instante já dominava a força política da cidade e poderia manipula-la para que fosse contra o forasteiro que logo chegaria.

Nada poderia parar Nur nesse momento. Ele deslocava-se junto a Atif em uma velocidade enorme, haja vista sua fome e vontade de ter melhores condições de esconder-se de Lua crescente. A besta já deveria ter dominado a cidade, mas Nur sabe que é bem mais fácil para ele esconder-se em uma cidade, por mais que seja ínfima, do que em um deserto onde só pode-se ver duas cores; O vermelho do sol, o tom avermelhado do céu sem nuvens, da areia escaldante e o branco das caveiras que avistava por onde quer que fosse.

Horas depois de sua partida daquele ambiente repleto de urubus, moscas e outros animais carniceiros, ele podia ver ao longe o que parecia representar uma pequena cidade. A noite chegava a seu fim e Nur não teria condições de passar o dia em um território desconhecido, ao arder do sol, e pela noite permanecer firme as investidas inimigas. Ele já podia ver o clima mais ameno, o solo menos árido, a vegetação que começava a se fazer presente por mais que essa presença fosse de galhos secos e plantas carecas de folhas. Atif começava a oscilar sua velocidade, haja vista o pique que a horas eles tentavam manter mesmo já havendo alguns dias que Atif não bebia água.

De repente, meio a escuridão, já não tão densa pela presença da lua cheia, ele pode ver uma espécie de cruz onde havia um corpo hasteado. Nur não tinha familiares, amigos e muito menos paixões, ou seja, nada que pode-se fazê-lo ligar para um corpo hasteado em uma cruz feito uma bandeira. Quando se aproximou, viu que o corpo era idêntico ao dele, com seus cabelos negros longos, olhos negros impenetráveis, pele branca como uma alma e corpo forte como de um lutador apesar da agilidade desproporcional com que Nur conseguia se mover. Acima da cabeça do cadáver havia uma frase:

“Crux mesmíssima quadrata”

Tendo domínio do Latim, viu que se tratava da cruz grega e não da cruz cristã e só nesse momento de compreensão pode ver que o corpo estava crucificado a uma cruz grega, ou seja, de proporções iguais, braços totalmente iguais independente de qual seja a haste fixada ao chão. Nos pulsos do cadáver, seus pulsos, ele podia ver corações, dois corações, um cravado com uma estaca em cada pulso, que estavam negros. Nur não tinha a menor idéia do por que, mas uma pontada como a de uma espada pode tocar seu coração naquele momento e ele caiu ao chão com uma dor fina que não o deixava levantar-se de modo algum.

Um golpe certeiro e poderoso lançou Nur metros distantes dali de onde ele não conseguiu levantar-se e muito menos permanecer acordado. Suas últimas imagens foram a de um homem com um manto escuro e olhos mais escuros ainda.