As Crônicas da China Antiga - Hua Bao
As histórias sobre as vitórias de Lorde Ho Liang chegaram até os ouvidos de seu pai, o Imperador Cheng Bao. Ele ficara transtornado quando soube que um velho amigo que lhe ajudou a conseguir o trono havia sido assassinado.
- Lorde Liang deve morrer da mesma forma! – exclamou, exaltado.
Hua estava com medo de que uma nova guerra estoura-se entre as províncias. A última vez que houve uma guerra, a princesa era muito pequena e, quando terminou, uma mulher. A guerra envelhece quem não luta nelas, pensou.
Estava sentada sobre um travesseiro de plumas. Olhava os estandartes de seu clã, oscilando ao vento. O dragão negro mordendo a própria calda em um ciclo infinito estava bordado ou desenhado em qualquer coisa dentro dos limites do Castelo Bao. Grande e imponente, muitos ladrões e homens rejeitados tentavam invadir e roubar as suas riquezas.
Yang Xiu, a Primeira Samurai, entrou pela porta de madeira e ajoelhou-se na frente de Hua. Usava uma armadura dourada com uma katana embainhada numa bainha de couro com pedras preciosas incrustadas.
- Princesa Hua – ela disse solenemente quando ergueu a cabeça. Tinha os olhos puxados, pele branca e olhos negros; o cabelo escuro caia sobre os ombros e pelos braços. – Temos uma mensagem de Feudo Vermelho.
Feudo Vermelho? Não foi o feudo que Lorde Liang atacou semanas atrás?
- Deveria entregá-la ao senhor meu pai – disse no mesmo tom que a samurai. – Não estou apta a receber esse tipo de carta.
- O homem que entregou essa carta a mim, disse que era para entregar diretamente em suas mãos. – Yang ergueu-se e estendeu as mãos até a princesa. – Deve lê-la e depois contar ao Nosso Senhor.
- Pois bem – ela finalmente disse –, traga até mim.
Yang subiu a pequena escada de mármore branco e entregou a carta direto nas mãos de Hua. Seu coração palpitava quando ela pensava no que poderia ter na carta vinda de Feudo Vermelho. E porque direto para mim?, pensou em perguntar, mas parou. Abriu a carta e a leu apenas para si.
- Mande chamar o senhor meu pai! – disse Hua quando viu o conteúdo da carta. Yang permaneceu parada na frente dela, olhando-a. – Rápido!
Yang Xiu correu pelo enorme salão da realeza. Hua juntou a carta ao coração e pensou nas palavras de ameaça proferidas por Lorde Ho. Marcharei contra Enlai em breve, minha cara senhora. A frase repetia-se em sua mente quando seu pai chegou.
- O que houve? – ele perguntou. Vestia um quimono branco com uma bainha de espada presa à cintura. Tinha um rabo de cavalo negro amarrado atrás da cabeça e braba cravada de cinza.
- Lorde Ho ameaça Enlai, Nosso Senhor! – ela disse erguendo a carta para o Senhor Imperador. – Ele está no Feudo Vermelho!
- Ele finalmente vai marchar... – disse o pai, afagando a barba. – Ho irá cumprir o que me prometeu.
- Do que está falando? – Hua quis saber. – O que ele lhe prometeu, meu pai?
- Quando eu e Lorde Hu vencemos a guerra e eu me tornei o senhor das províncias, Lorde Liang prometeu que iria nos destruir, pois sua família eram os líderes antes de mim...
-... e por isso ele matou Lorde Hu Yong, semanas atrás? – Hua completou, erguendo-se das almofadas que passava o dia sentada. Suas vestes de seda verde balançaram ao vento como folhas balançam nas árvores. – Ele está vindo para matar o senhor?
- É provável – ele disse -, mas não conseguirá, tenho mais do que o triplo de homens do que Lorde Ho. Tenho mais de quinhentas mil espadas para derrubá-lo caso ele tente nos atacar.
Hua deixou o rosto parecer tranquilo. Estava gritando por dentro. O pai lutara muito e perdera uma quantidade igual de amigos durante os anos de guerra. E agora, um dos lordes feudais estava ameaçando destruir a capital do império. E isso o pai não iria permitir.
- Não tema – ele afagou o rosto de porcelana dela – os deus não querem o seu pai agora. Não antes de ele completar o seu ciclo.
O Imperador Cheng Bao saiu da sala e deixou Hua sozinha, parada olhando-o deixar o enorme recinto. Estava de pé quando ouviu relinchos de cavalos e saiu para o enorme pátio do castelo. Homens e mulheres desciam de carroças de madeira carregadas com iguarias, peixes-de-sal, aves-nortenhas, bacalhau salgado, pimenta, nabos e cebolas; metal, cobre, espadas e escudos; pêssegos, maças e muitas outras frutas e coisas. Eles gritavam coisas uns para os outros. Ela permaneceu parada, olhando os homens descarregando o que haviam trazido.
- Minha Senhora – disse a voz de Yu Lok, o Mestre da Moeda -, já soube do que aconteceu.
- Meu pai lhe contou?
- Não, a senhorita Yang Xiu. – Yu Lok era um dos principais homens do conselho do pai. Tinha barba e cabelos brancos como a neve, usava um manto de couro escorrido, negro, e inúmeros anéis de outro, prata e cobre. – O que acha que deveríamos fazer?
- Nosso Senhor saberá o que fazer – limitou-se a dizer e deixou o homem sozinho.
Atravessou o enorme pátio repleto de homens que vinham de todas as províncias. Olhava para cada homem e mulher que trabalhava, haviam crianças também, mas o que lhe importava era se Huan Jia havia trazido o que ela havia pedido antes dele partir para as Terras Sem Rei. O encontrou sentado junta a sua carroça.
- E então? – ela aproximou-se perguntando. Ele a olhou e ele percebeu seus olhos caídos e sofridos, ferimentos se espalhavam pelo seu corpo. – O que houve?
- As Terras Sem Rei estão em guerra – disse -, sou o único da minha caravana que sobrou, Minha Senhora.
A caravana comandada por Huan era a maior, tinha cerca de quarenta bons homens. Como eles morreram?, pensou em perguntar, mas sabia o quanto iria doer nele falar dos companheiros perdidos.
- E o que eu lhe pedi?
- Não conseguimos... – ele fechou os olhos com força. – Ping morreu tentando pegar aquela pedra, Senhora.
Certo. Hua deixou Huan sozinho com suas dores e voltou para a Salão da Realeza. Sentou-se de volta no seu lugar e permaneceu olhando pela porta. Imaginava o que aconteceria com todas aquelas pessoas se uma guerra estoura-se agora; perguntava-se o que aconteceu com a caravana de Huan, como eles haviam morrido e que tipos de inimigos eles tinham enfrentado antes de perderem suas vidas buscando as encomendas do Imperador.
- Deveria recompensá-lo por ter se arriscado por você – Hua lançou um olhar para uma mulher que estava parada perto de uma pilastra com o estandarte do Clã Bao.
- Quem é você? – perguntou, erguendo-se do chão, ficando de pé.
- Sou Yen Yu, a Rainha dos Homens de Jade das Terras Sem Rei. – Seus cabelos negros estavam presos em uma transa abaixo do queixo; usava uma cota de malha e tinha uma espada queimada na bainha presa às costas. – Eles morreram enfrentando os Gigantes.
- Não há gigantes por aqui...
-... mas nas Terras Sem Rei, sim! – interrompeu Yen, lançando-lhe um olhar de reprovação. – E o que lhe pediu, está aqui. – jogou um pequeno saco para ela.
Hua abriu o saco de couro surrado e encontrou o que pediu para Huan.
- Como conseguiu?
- Eu sou uma guerreira... – ela disse, descruzando os braços. – E o tal de Ping me disse o que você queria...
Hua Bao estava grata por terem trazido-lhe o que ela pediu, mas estava triste por perder amigos. E agora também tenho que lidar com uma guerra eminente, pensou. Yen a deixou sozinha e ela ficou sentada, pensando em tudo.
- Como princesa e futura Imperatriz das Províncias da China, devo começar a pensar sobre uma provável guerra entre Enlai e o Feudo Vermelho...