ALMAS GÊMEAS.

Finalmente iria conhecê-la, tocá-la de fato. Já a conhecia, sem nunca tê-la visto, era verdade. Mas, senti-la, absorvendo seu calor, jamais. Sim, isso mesmo. Nunca a vira, antes daquela tarde-noite. Uma mistura de ansiedade e temor tomava conta de sua alma, naquele momento.

Os anos anteriores foram de descobertas e imaginações; entre noites duradouras; amanheceres plenos e sonhos interrompidos pela realidade de um novo dia. Ela era inteligente, tinha certeza, e sua cultura era espantosa. Sabia tudo sobre literatura, poetas, pensadores e o mundo. Sua existência tinha sido marcada por bons momentos e o mínimo de sofrimento; em seus pensamentos não havia lugar para sentimentos mesquinhos, pelo contrário, tudo nela refletia nobreza, pureza e candura. Era meiga, sensível e a sua índole não permitia invadir a privacidade alheia.

Apesar de nunca tê-la visto, a sua imaginação já tinha visualizado uma mulher muito bonita, especial e distinta das demais. Era perfeita! Tinha a boca de lábios carnudos, seus olhos cintilavam estrelas e brilhavam, intensamente, iluminando todos a sua volta, além de algo especial: eram profundamente interrogativos, vasculhadores e, no entanto, deixavam transparecer um repouso sincero para quem os fitava.

Seu corpo, modelado num conto de fadas, era o padrão predileto de sua fantasia. Tinha mãos macias, busto firme e os seus quadris tinham as medidas oficiais de um concurso de beleza. Suas longas pernas, de coxas grossas e firmes, flutuavam sobre pés de Cinderela moderna, feito tatuagem tribal.

Olhou em volta, fugindo, um pouquinho só, dos pensamentos prazerosos e, com o coração palpitante de alegria, exclamou baixinho: sempre a amara! Sim, ela tinha sido a busca incessante de sua existência, a verdadeira força que o impulsionava no caminho para encontrá-la. Sorriu ao lembrar que, certa vez, chegara a vê-la, por duas vezes: uma, num sonho rápido e, outra, na porta de uma fábrica de ilusões.

Sua imaginação continuava a rodar capítulos daquela bela história de amor consagrada no tempo, determinada por um ser superior e, no espaço perfeito de um momento mágico, em que a alma se vê completada pela chama da paixão. Já havia declamado, em sua homenagem, os poemas mais lindos que os grandes poetas escreveram para suas musas, em seus apaixonados substratos.

Sentiu a respiração ofegante e o suar das mãos, que certamente a tocaria, fez seu corpo ser estremecido num arrepio antecipado de deleite espiritual e prazer material. Sentiu que chegara o momento daquele tão esperado (re) encontro, e voltou-se para o túnel do tempo, parada obrigatória do trem da vida.

Ela estava lá. Sua silhueta refletida em contraste às luzes dos refletores lhe mostrava uma figura ímpar: uma deusa soberana em seu vestido de dama; uma mulher encantadora, dona de um sorriso embriagador. Uma alma gêmea, cuja flecha tinha atingido o seu outro coração. Ouviu cintilar, em seus ouvidos, as trombetas celestiais e imaginou ver na distância que os separava, em seu piso, pétalas de rosas que caíam das armaduras do Reino da Távola Redonda. Percorreu-a suspenso: era a energia magnética que o levava.

Diante dela, separado apenas por um fino cordão de anéis de aço, um silêncio se fez presente e nada podia perturbá-lo ou interrompê-lo, pois não era possível quebrar um encanto, principalmente, por meros mortais ali presentes. Olhou em seus olhos negros aveludados, acariciou seus ombros, se permitiu um sorriso de felicidade; sentiu o cheiro do seu perfume inebriante e pronunciou a frase que guardara a sete chaves: você é linda! Ela o abraçou, foi beijada pela primeira vez e, finalmente, se apresentaram: Prazer! Sou Amanda, sua amada. Ele agradeceu aos outros anjos do céu e completou: Prazer! Sou Anael, seu amor. Depois disso, seus corpos se fundiram numa só áurea e, até hoje, eles passeiam nas juras de amor eterno.

“Sempre há um pouco de loucura no amor... mas sempre há, também, um pouco de razão na loucura”. (Nietzsche).
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 08/04/2007
Reeditado em 02/02/2012
Código do texto: T441540
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