NARCISO...

No tempo em que os deuses reinavam sobre a Terra, existia um jovem guerreiro. Um caçador de rara e estonteante beleza. Seu nome? Narciso...
Por culpa de sua incomparável formosura, deixou-se levar pela vaidade. Acabou se tornando egoísta e presunçoso...
Sua frieza era tão grande quanto sua beleza...
Os corações das jovens ninfas que tinham o prazer de com ele conviver, iam sendo destroçados, um a um, pelo pouco caso e pela indiferença daquele encantador rapaz...
Por culpa de sua rara beleza, Eco, a mais bela das ninfas, acabou morrendo de amor após ter sido repelida por ele. Ela que já havia sido condenada - pelo resto de sua vida - pela deusa Hera, rainha do Olimpo e esposa de Zeus, a repetir sempre a última palavra que ouvisse ser pronunciada por qualquer outra pessoa deste mundo. Em razão da dor e da melancolia provocada pela repulsa de Narciso, ela foi definhando, definhando, até seu corpo ficar completamente sem carne. Seus ossos foram transformados em rochas...
Para azar do jovem caçador, um belo dia, uma das tantas donzelas que ele havia desprezado e magoado, no auge da infelicidade, clamou por Nêmesis, deusa da Vingança. Implorou: “Tomara que chegue o dia em que este desgraçado (que só pensa em si mesmo) sinta na própria pele o que significa amar sem ser amado!”...
Infelizmente para Narciso, a Deusa da Vingança, ouviu aquela súplica. Comoveu-se com o sofrimento da moça. Resolveu atender aquele comovente pedido...
Na região em que o jovem caçador habitava, perdida entre as montanhas, existia uma fonte de águas cristalinas. Ninguém sabia explicar porque ela era evitada por todos os seres vivos. Nenhum pastor levava seu rebanho para beber naquela mina. Nenhum pássaro, nenhuma fera, nenhum outro animal (mesmo sedento) ousava parar e nela matar sua sede...
Ao redor daquele oásis, a relva crescia bela e úmida. Corria uma brisa fresca e suave. As pedras mais altas do rochedo, com suas sombras, protegiam aquele recanto encantado dos raios do sol...
A água, era transparente e pura. Nenhuma folha morta. Nenhum galho podre. Nada ousava sujar aquele refúgio digno dos deuses...
Um dia, por ironia do destino, enquanto caçava, o belo e arrogante rapaz, acabou, sem querer, dando de cara com aquela fonte. Estava fugindo do sol. Cansado. Morria de sede. Ignorou o tabu. Não resistiu a aquele refrescante apelo...
Ao se abaixar para beber daquela água, assustou-se. Viu sua imagem refletida na lagoa...
Narciso nunca, antes, se vira refletido em coisa alguma. Ignorava a existência do espelho. Nunca havia visto um. Pensou: “É o Espírito das Águas!”...
Maravilhado com o que estava vendo, ajoelhou-se para admirar aquela imagem...
Hipnotizado, não conseguia mais afastar seus olhos daquela visão. Encantado, tentou abaixar-se ainda mais. Precisava se aproximar. Queria beijar aqueles lábios sedutores, semi-abertos, que se ofereciam para ele...
Estendeu seus braços tentando enlaçar aquela criatura tão encantadora...
Assim que tocou na água, a imagem se desfez em mil e uma ondas...
Narciso não sabia o que fazer. Desesperou-se...
Aos poucos, passados alguns segundos, aquela linda figura foi se recompondo até se formar novamente na superfície cristalina do lago. Tão clara. Tão nítida. Tão bela como antes...
O rapaz soluçou: “Espírito das Águas, porque está fugindo? Não pode estar com medo de meu rosto. Todas as ninfas se apaixonam por ele. Você mesmo, poucos instantes atrás, parecia que estava atraído por mim. Quando eu sorri, você sorriu. Quando eu o quis abraçar, você também me estendeu seus braços. O que está acontecendo?”...
Narciso começou a chorar. Ardentes lágrimas deslizavam pelo seu rosto. Caiam sobre a cristalina água. Por isso, de novo a imagem refletida se desmanchou...
O jovem guerreiro se desesperou: “Por favor, Espírito das Águas, não fuja. Fique. Se não posso tocá-lo, pelo menos deixe que eu fique só olhando para você!”...
As horas foram passando. Narciso não conseguiu mais se afastar daquele lugar. Estava encantado. Dia após dia, ajoelhado sobre a água, devorava com os olhos a sua própria imagem refletida na superfície da fonte. Agora, o amor que ele havia tantas vezes desprezado, o estava consumindo. Pouco a pouco...
Foi ficando fraco. Pálido. Desnutrido. Acabou por se tornar uma sombra daquele jovem caçador, belo e forte, que todos admiravam. Não sabia, nem conseguia, fazer outra coisa senão se lamentar. Suspirava: “Ai! Ai! Ai!”...
Em sua agonia, somente a voz de Eco lhe respondia: “A! Ai!”...
Morreu. Desencarnou, perdido naquela sua imensa paixão. Disse adeus ao mundo dos vivos. Mesmo sua alma, enquanto atravessava o Estige, o Lago Sagrado, para adentrar o mundo dos mortos, não conseguia afastar seu olhar daquela fonte. Tentava, quem sabe, capturar, pela última vez, a imagem por quem se apaixonara...
As ninfas que durante sua breve existência lhe haviam dedicado tanto amor, ergueram com lenhas achadas nos bosques, uma enorme fogueira. Uma grande pira funerária. Como era de costume, queriam queimar seu corpo. Infelizmente nem isto conseguiram. Jamais encontraram seus restos mortais. No lugar onde ele havia definhado até morrer, as ninfas encontraram apenas uma nova e desconhecida flor. De pétalas brancas como a cera...
As ninfas batizaram esta pálida e melancólica flor, que floresce sempre nas primaveras ao longo dos flancos dos montes, com o mesmo nome daquele a quem tanto haviam amado: Narciso...
                                                                                                                                          (Adaptação)
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