De Sangue e Ferro - Parte II - Fúria!

De Ferro e Sangue – Parte II – Fúria!

Três semanas antes...

O gosto do ferro enferrujado ainda lhe subia pela boca. Tÿr-koll caiu com as mãos apoiando seu pesado corpo no chão, apertando a ferida aberta em sua barriga. Não conseguia acreditar que a espada de seu oponente conseguira perfurar sua resistente armadura, traspassando-o. Ele olhou por um instante enquanto o enorme adversário se debruçava sobre ele, sussurrando em uma língua que lhe era familiar mas já não escutava a algum tempo:

- É uma pena, majestade. Mas alegre-se, vossa morte trará à luz uma nova era para Kûll-thäll-alendir. Uma era onde os antigos retomarão o que lhes é de direito.

O rei olhou para cima a tempo de encarar o seu iminente algoz erguer a espada negra, quando uma flecha irrompe através do ombro do enorme guerreiro. O sangue rosado e viscoso respinga pela face do rei enquanto o gigante urra de dor e raiva, procurando em volta pelo atirador que ousara interpor-se entre o rei e seu destino.

Tÿr-koll aproveita esse momento para juntar o que lhe resta de suas forças e atravessa o crânio de seu adversário, caindo, por fim, exausto e fraco. Antes de apagar totalmente, o rei escuta passos ao seu redor e o clamor da batalha, ao longe, começava a esvair-se. A última coisa que se lembra, era uma voz rouca ao ouvido:- Convém que vossa majestade permaneça vivo por ora. Assim desejam os antigos. Por ora. - e sentiu ser arrastado pelo chão.

Agora...

Dûll-Ur ainda não conseguia aceitar a decisão do conselho em nomear aquele ser abominável rei. Ainda ferviam em sua mente as lembranças de seu tempo como escravo. Não conseguia ver naqueles olhos amarelados a bondade que seus companheiros afirmavam ter. E também não conseguia esquecer a invasão do Salão Sacro pelos mensageiros da deusa negra. Nunca isso havia acontecido antes. O reino já não estava mais seguro e ele sentia o cumprimento da profecia se aproximando. Ao seu lado, Khaar-than vibrava a cada passo do novo monarca em direção ao trono, em um ritual o qual Dûll nunca desejara ver. Não naquelas condições. Ele precisava fazer algo para impedir que o novo rei chegasse até a próxima lua nova nessa posição. Em sua mente estalavam as engrenagens de uma possível rebelião mas lembrava-se sempre das advertências dos mensageiros.

-Ergam-se todos, - seus pensamentos foram cortados pela voz grave do mestre de cerimônias. - vosso rei se aproxima para a coroação.

Nesse instante, Khaar olha para Dûll pesadamente e faz menção de passar-lhe a Coroa dos Sete Reinos. Ao notar o gesto, Dûll desvia o olhar para o nada, dando a entender que não faria isso nesta vida ou em outra.

- Você pode ter me convencido a participar deste circo, Khaar - disse ele, com veemência – não pretenda mais que isso.

- Não é com isso que eu me preocuparia agora, Dûll – respondeu Khaar, cinicamente – eu não sou o maior dos seus problemas agora.

Khaar estava radiante por dentro. No fundo, nunca conseguiu aceitar que um simples serviçal se tornasse em uma voz tão atuante no conselho clerical. Aquele conselho fora seu durante muito tempo. Todos lhe obedeciam cegamente. Agora, o predileto dos deuses interpunha-se entre ele e seus caprichos. A animosidade no Conselho era latente a cada reunião; porém, Khaar, como o oportunista maquiavélico que era, conseguiu ver nesse momento a oportunidade de desfazer-se de seu pior adversário. Precisava de apenas um escorregão, e sabia que, com a ascensão do novo rei, isso não estava tão longe de acontecer.

Khaar pega a coroa e caminha de encontro ao novo rei. Os olhos de Dûll o segue e notam a satisfação no rosto dele. Khaar parece flutuar. A cada passo, Dûll sabe que o futuro do reino estará comprometido. Mas como impedir? Como impedir que o Sumo Conselheiro faça com que um híbrido dos Jhaarumj assuma o trono? Khaar agora está em frente a ele. Se a coroa for posta em sua cabeça, Dûll só terá até a próxima Lua Nova para destroná-lo. Enquanto pensa, começa a suar e seu cabelo começa a tomar um tom avermelhado. Suas mãos começam a exalar um odor de enxofre e ele percebe que deve sair dali imediatamente. Mas como fazer isso sem chamar muita atenção?

Khaar está prestes a colocar a coroa e aclamar o novo rei. A fúria toma conta de seu corpo a cada segundo. E isso não pode acontecer. Não agora. Ele precisa criar uma distração. Quando Khaar coloca a coroa na cabeça do novo monarca, um raio cruza o saguão real e Dûll aproveita para se retirar por trás das cortinas. O povo, assustado, se ajoelha cobrindo o rosto. Estava feito. Shlök era o novo rei de Kûll-thäll-alendir e a fúria dos deuses acabara de se acender contra o reino.