CONTO QUASE MÍNIMO 004

Depois da primeira conversa na lanchonete da esquina da praça, e aquele encontro marcado depois de alguns bons minutos de risadas e palavras bobas, o casal não parava de pensar um no outro. Ela, com todo charme de uma moça balzaquiana, e ele, com toda antiguidade de um homem, ainda, universitário. No entusiasmo de surpreender através da aparência, ele pegou aquela navalha velha que ficava jogada no espelho do banheiro e começou a se barbear como um aprendiz das artes plásticas. Após alguns leves machucados e sangramentos, lá estava ele. Sem pelos, mostrando a juventude de um alfa médio. Sentia-se pronto para conquistar o coração de sua Afrodite shakespeariana. Encontraram-se, jantaram juntos e aconteceu. Não foi à primeira vista, mas a paixão surgiu depois de muitas olhadelas. Havia na cabeça, dos dois, aquela pequena vontade de começar algo sério. Depois de poucos beijos de reconhecimento labial, se despediram e foram cada um para seu abrigo, atrás dessas portas escuras e escondidas por grades e muros. Ela deitou e dormiu pensando no tempo que estava só e que não havia muitos homens como este em que havia saído. Ele tratou de ler um livro e fazer atividades avaliativas. Em poucos meses estavam apaixonados e indo ao cinema. Mais alguns outros meses, ela estava chorando a morte dele. O tétano, transmitido pela navalha enferrujada do banheiro, o levou. Foi tudo pelo ralo, a barba suja, a beleza e o amor. O amor pode até não matar, mas a vaidade é um perigo.