Paixão a três

Paixão a três

“NOTA DE FALECIMENTO: É com grande pesar que comunicamos o falecimento do querido amigo e companheiro Zé, ocorrido na sexta-feira, 25/01/2007. A saudade e a gratidão permanecerão vivas até que nos reencontremos.” Essa era a nota publicada por Marcos e Marisa num jornal impresso de grande circulação no estado de Pernambuco.

Zé era simplesmente Zé, não tinha um sobrenome, mas também não era um Zé Ninguém.

24 de dezembro de 1988. Esta seria a data em que Zé deveria morrer, seria cruelmente abatido a golpes de marreta. Seu destino já estava traçado até que tudo mudou...

Marcos e Marisa se conheceram no mês de Junho de 1996, numa quermesse, em São Bento do Una/PE. Pode-se acreditar que existe amor à primeira vista, pois ao se olharem pela primeira vez, algo tinha tocado aos dois. A troca de olhares foi o suficiente para que Marcos se aproximasse de Marisa e se apresentasse. Entre uma conversa e outra, Marcos investia num galanteio e Marisa ia se deixando envolver. Os olhos dela brilhavam como se enfeitiçassem os dele. Começava ali uma paixão... O que parecia ser apenas um namorico transformou-se numa bela história de amor.

Marcos era um rapazote de 18 anos, morava, trabalhava e estudava em Recife e estava, naquela ocasião, visitando a terra de seus avós paternos. Era o primeiro ano que iria passar as férias num interior. Pretendia passar por volta de 20 dias na casa de seus avós. Seu pai era açougueiro e criador de porcos e sua mãe era do lar.

Marisa, 17 anos, filha de pais circenses, era uma garota meiga, bonita, de corpo esguio, cheia de sonhos. Morava na mesma rua dos avós de Marcos, era a vizinha da frente. Sua família tinha um circo onde ela se apresentava como malabarista nos fins de semana.

Depois daquele encontro, Marisa convidou Marcos para assistir ao espetáculo que de pronto aceitou. No circo, conheceu os pais dela, que de pronto pediu autorização para namorá-la.

Assim, Marcos viajava todos os finais de semana e feriados para que pudesse ver sua amada. Numa dessas viagens levou Marisa e seus pais para que pudessem conhecer sua família em Recife. Depois de alguns meses se tornavam noivos e já marcavam a data do casório. Casariam na véspera de Natal, 24 de dezembro de 1988. Naquela ocasião, o pai de Marcos presenteou Marisa com um bácoro de um mês de vida, recém-desmamado que logo foi cognominado de Zé. Este seria cevado e abatido, faria parte do banquete na festa de casamento.

Marisa ficou incumbida de tratar da engorda do leitão até que chegasse seu dia de virar banquete. Faltava pouco menos de dois anos, e era tempo suficiente para a ceva.

Como todo bebê é tratado com carinho, com Zé não era diferente, Marisa não poupava cuidados e tratava-o tal qual uma criança. Com o passar dos meses, Marisa foi se apegando ao porquinho que crescia dia após dia, mostrava-se muito apegado a sua tratadora e com ela não era diferente.

Zé era tratado como gente, que aos poucos, adquiria hábitos incomuns a um porco: tomava banho todos os dias, escovava os dentes e comia a mesma comida que Marisa, inclusive bebia refrigerante. Em pouco tempo passou a dormir dentro de casa, ao lado da cama de Marisa. Era uma relação de mãe e filho.

Marcos, distante dessas cenas, apenas se interessava na engorda do porquinho e sempre, ao telefonar para Marisa, perguntava-lhe por Zé e ela respondia que ele estava muito bem e que ele não merecia ir ao prato como foi planejado por Marcos. Ele discordava, pois não acreditava existir sentimentos entre um porco e uma pessoa, seu prazer seria degustá-lo quando estivesse na hora. Pedia para que Marisa não se apegasse a ele, pois iria ter pena quando chegasse a hora de ser abatido, mas esse pedido era em vão. O amor de Marisa por Zé já tinha acontecido... Agora era ela quem pedia para Marcos que retirasse a ideia do abate, coisa que ele discordava.

Passavam-se os meses e entre muitas idas à casa de Marisa, Marcos mostrava-se irredutível à ideia de Marisa. Por sua vez, na tentativa de salvar Zé, ela cogitou até em adiar a data do casamento e todos foram contra. Ela já não sabia como nem o que fazer para salvar aquele por quem se apegou. Zé já estava com seis meses. Era um misto de sentimentos na alma de Marisa. Zé teria vindo para causar discórdia entre ela e Marcos? Ela seria capaz de fazer qualquer coisa para que seu amigo fosse salvo. Teve até a ideia de comprar outro porco, já abatido, pro dia da festança, mas Marcos já havia decidido, ele mesmo abateria Zé, como fazia com seu pai em Recife.

Marisa estava aflita, já nem dormia direito... Não conseguia treinar com seus malabares e tinha pesadelos quase todos os dias... Não suportava imaginar tal crueldade. Zé parecia compreender a preocupação de Marisa e ela lia a tristeza em seus olhos. Zé, por muitas vezes, grunhia como se chorasse e isso comovia sua tutora. Ela o acariciava tentando consolá-lo e o porquinho, carente, retribuía com carinho, roçava seu dorso nas pernas de Marisa.

Certa noite, Marisa sonhou que estava se apresentando, no circo, juntamente com Zé e ao acordar sentiu que foi iluminada com esse sonho. Daí teve a ideia de adestrar Zé para que se apresentasse com ela no circo. Quem sabe aquele ato não comoveria os que queriam ver o porco na panela, inclusive Marcos?

Marisa começou, imediatamente, a ensaiar alguns números com Zé e pra sua surpresa ele correspondia à sua ideia, mostrava-se muito inteligente e com muito esforço, em pouco tempo, já estava pronto para sua primeira apresentação. Marcos foi ao circo e se surpreendeu, não só com a apresentação da dupla com também com a reação do público. Ali ele já estava pensando diferente quanto ao destino de Zé. Agora Zé não apenas um porco era mais um circense na família e facilmente desistiu da ideia de transformá-lo em churrasco. Marisa ficou feliz por sua ideia ter dado certo e a alegria nos olhos de Zé era visível.

A cada dia Zé surpreendia a todos com os números ensaiados, chegou a ser matéria jornalística e ser a atração principal do circo. Era um verdadeiro artista.

Marcos agora paparicava Zé, reconhecia seu valor e também se apegava a ele. Em pouco tempo já o tinha como filho, assim como aconteceu com Marisa.

Zé trouxe muita alegria e fartura para a família, o circo atingia lotação nunca antes tida, vinham caravanas de cidades vizinhas para assistirem ao porco malabarista.

Passaram-se alguns meses e aconteceu o casamento de Marcos e Marisa e lá estava Zé, vestido a caráter, de fraque, colete e gravata... Roubava a cena dos noivos, os flashes eram todos direcionados pra ele.

Zé morreu aos dez anos de idade, de morte natural e foi e sepultado no quintal da casa onde morou à sombra duma cajazeira. Durante o tempo em que viveu, Zé trouxe muita alegria e harmonia ao casal, foi querido e amado e retribuiu esse amor.

Quem se junta com porco farelo come? Qual seria a verdade desse adágio?