O MINICONTO DA VELHA QUE NÃO MORAVA EM LUGAR ALGUM

Havia uma velha que tinha cerca de umas 260 milhas de idade. Ao menos era isso que falavam quando eu era garoto. Nunca entendi. Só sei que pensava “Nossa!”. Essa velha morava exatamente na divisa entre três países. Isso mesmo. Três países abraçando uma mesma fronteira. Um triângulo político.

Aos fundos da casa da velha, passava um rio que não era rio algum, culpa de três presidentes incompetentes em assuntos diplomáticos, que não conseguiam sequer chegar a um acordo acerca do nome de um rio que transpassava os três países. O rio de cá dizia um, o rio daqui dizia outo, o rio que não é de lá nem dali refutava o terceiro, e assim não se entendiam, deixando o rio sem nome. Mas rio que não tem nome não é rio algum dizia consigo mesma a velha. Mas rio que não tem nome não é rio algum diziam todos. Mas nem isso, nem a poluição, impedia a velha de lavar suas roupas naquela água de cor estranha. Pois não sendo rio algum , não havia modo de aplicar lei ambiental sobre ele. Aliás, lei alguma. Houve inclusive uma vez em que acharam um corpo boiando no rio, mas dado que não era rio algum, assassino algum foi procurado, o caso foi arquivado, e o morto dizem que nunca foi encontrado, embora estivesse lá, boiando naquele rio que não era rio nem lugar de morto boiar.

Aquela velha não era nenhum dos sonhos que a menina que, nunca chegou a ser, sonhou. Aquela velha não tinha lugar certo, pois um lugar certo deve ficar em um só lugar. As coisas – mesmo as mais velhas – não podem estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. Não é certo essa coisa de ficar se mexendo mais rápido que o próprio tempo. Aquela velha não tinha consciência das coisas que não tinha. Aquela velha, pensava ela, não era velha alguma; lavava suas roupas em rio algum e tinha a idade de 260 milhas. Acho mesmo que sempre fora velha.

Lucas Esteves
Enviado por Lucas Esteves em 02/01/2014
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