Anjo Negro - Capítulo 2

O JUSTO

Matheus era um cara normal. Nasceu de 9 meses. Falou “mamãe” antes de “papai”. Usou aparelho, foi zoado. Era mediano nos esportes e nas aulas. Namorou na faculdade. Ajudava os pais com o lixo e ia à igreja aos domingos. Arranjou um emprego.

Matheus tinha 28 anos, quando viu sua vida deixar de ser normal. Se bem que “normal” é relativo e no mundo em que vivemos ter sua família morta por um ladrão não é um exemplo de anormal. Uma fatalidade, claro, mas não era algo raro nesse mundo abandonado por Deus.

Agora, ajoelhado aos pés do altar da igreja de todos os domingos, implorava por vingança. Chorava e xingava aquele Deus que servira por toda a vida com louvores e rezas, caridades e orações. Reclamava e rangia os dentes. Socava o mármore importado que formava o altar, fazendo um baque surdo de carne contra pedra, entre um soluço e outro. Odiava a si mesmo por ter ficado mais uma hora no trabalho. Odiava seu chefe, seus colegas e seu Deus. Odiava tudo. Odiava estar vivo.

Os policiais disseram que encontraram a porta arrombada e apenas o corpo de sua esposa jogado aos pés da escada. Um corte profundo no pescoço, por onde seu sangue escapou por completo do corpo.

“Por que, Deus? Por quê? Por que levar a alma de minha esposa? Uma mulher tão correta? Cheio de porcos nojentos pelo mundo! Assassinos! Estupradores! Carrascos desse mundo desgraçado e tinha que levar minha mulher! Por que, seu maldito! Desgraçado que ousa brincar com nossas vidas? Por quê? Por que não me levou? Maldito que nem deve existir!”

Nisso ele já estava de pé gritando para toda a igreja vazia. Sua ira ecoava junto com seu choro: o desespero de um homem que tinha seguido toda a sua vida no caminho de Deus e que agora se sentia abandonado. Esquecido.

Matheus continuava gritando seus lamentos até que pegou na mão direita um candelabro com uma das velas da quaresma e parou encarando a imensa figura de Cristo pregado na cruz atrás do altar. Sua raiva de seu Deus estava tão grande. Seu sentimento de abandono tão imenso que seu braço foi para trás e seus músculos ficaram rígidos e ele se preparou para jogar.

“Se Você existe, por que não impediu a morte dela? Por que não vai me impedir de jogar isso em Você? Seu maldito filho de uma…”

E o candelabro derreteu na sua mão.

Matheus ficou paralisado, vendo o metal fundido escorrer pelos seus dedos sem queimá-los. Ainda paralisado voltou seus olhos para trás e não conseguiu distinguir quem era (ou o que era) que estava ali.

Uma figura negra parecia roubar toda a fraca luz do lugar. Então ele apagou...

( Anjo Negro é uma série de pequenos textos publicados aqui no Recanto das Letras.)

Leia o Capítulo 1:

http://www.recantodasletras.com.br/contosdefantasia/4243003

Brunno Andrade
Enviado por Brunno Andrade em 05/03/2014
Código do texto: T4715588
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