Líder da matilha

Havia uma pequena vila quase no topo da mais alta das montanhas daquela região. Nela o vento era forte e gelado o ano todo, no inverno eram castigados com nevascas intensas e no verão acariciados pelo sol. Ali moravam duas jovens que amavam o mesmo homem, o líder do vilarejo, Teobaldo. Era um homem maduro, moreno queimado de sol, muito grande, com feições fortes e másculas e sempre com um sorriso no rosto que encantava as moças, principalmente Jana e Esther.

Jana era linda, morena, dos cabelos lisos e pele avermelhada. Seus traços indígenas eram herança de seus avós. Ela tinha uma suavidade natural, uma leveza de espírito, uma tranquilidade tão grande que muitos a chamavam de anjo. Era uma moça dócil, mas extremamente tímida. Talvez muitos não percebiam sua determinação por ela ficar tão isolada. Morava sozinha na última casa perto do rio. Era órfã e trabalhava fazendo artesanato.

Esther era filha do dono da mercearia. Linda, loira com cabelos cacheados até a cintura, com olhos de um azul celestial e uma pele muito alva. Esther não era o oposto de Jana só fisicamente, mas na personalidade também. Era extrovertida, falava alto, gargalhava alto. Conversava com todos naquela vila. Era muito mimada pela mãe, Dona Judith. E esta fazia de tudo para a filha conquistar Teobaldo.

A disputa entre as jovens era nítida por todo o vilarejo. Isso incomodava demais Teobaldo que não gostava de chamar atenção por esse motivo. Ele achava Esther divertida, ria muito com ela mas no fundo já sabia que Jana era sua escolha.

Uma noite na taverna já bêbado Teobaldo acabou falando de Jana para os amigos. O pai de Esther ouvindo aquilo saiu às pressas e contou tudo a mulher. Judith desesperada não quis revelar o que ouvira a filha e então tomou um decisão que mudaria a vida de todos do vilarejo.

No dia seguinte, a vila amanheceu com rastros de sangue. Todos ficaram assustados demais. Ninguém estava entendo de onde e de quem ou o quê era aquele sangue.

Passadas duas noite voltou a acontecer o mesmo fato. Aquilo tudo intrigava a cidade e noite após noite o sangue se espalhava pelo vilarejo. Mas a cada noite o rastro se aproximava da casa isolada perto do rio.

Jana, como era de se esperar, começou a ser alvo de fofocas. Ela sem entender nada e com medo de todos se isolava cada vez mais. Isso fez com que o povo a vigiasse dia e noite.

Em uma noite de lua cheia Esther foi até a casa de Jana. Ela não quis abrir a porta, então Esther quebrou o vidro de uma das janelas com uma pedrada. A pedra atingiu uma vela que estava perto das cortinas e o fogo se espalhou. Jana tentando apagar o fogo ouviu sua porta ser arrombada e aos gritos de bruxa liderados por Judith e Esther a jovem foi arrastada pelos cabelos até a praça enquanto sua humilde casa pegava fogo.

- Essa bruxa sempre viveu isolada! Não se misturava com a gente...

- Isso mesmo mãe... Ela está trazendo o satã para nossa vila. Esses rastros de sangue são prova disso.

- Aprendeu essas bruxarias com seus avós índios. Essa garota estranha é uma bruxa!

Amarravam a garota em um poste e ali mesmo a julgaram. Foi condenada por bruxaria. Teobaldo nada fez. Ficou impassível olhando a moça. Por causa daquilo ela parou de chorar e ergueu a cabeça para ouvir a sentença do tribunal de rua.

Foi decretado que Jana seria jogada da montanha aos lobos. E pequena população assim o fez. Teobaldo foi o único que não acompanhou o castigo da moça. E do alto da montanha a jovem descendente de índios caiu. Esther e Judith ficaram aliviadas, mas não deixaram transparecer sua alegria.

Meses se passaram e era uma noite de lua cheia quando Esther e Teobaldo iriam se casar. A vila estava toda enfeitada de bandeirinhas. Uma fogueira na praça, barraquinhas e muitas comidas.

Todos pareciam festejar, alegres e dançando quando o vento frio começou a soprar... Soprava tão forte que as bandeirinhas começaram a ser rasgadas e voam. A fogueira quase se apagou por inteiro. E no turbilhão de vozes começaram a ouvir alguns uivos.

Alguém olhou pro topo da montanha e viu uma enorme matilha de lobos se aproximando. E uma sombra no meio delas. Apavorados começaram a correr para dentro da igreja. Trancaram as portas e ouviam cada vez mais perto os uivos dos lobos.

As portas da igreja de repente foram forçadas e uma vendaval entrou juntamente com uma matilha de lobos. Todos assustados ficaram num silêncio incrível. Quando se ouviu uma voz:

- Me jogaram aos lobos... Eu voltei liderando a matilha!

Todos continuaram em silêncio assustados ao verem Jana. Não sabiam se era um fantasma ou se era ela mesmo. E Jana continuou a falar.

- Ataquem quem provocou minha desgraça.

Os lobos avançaram ferozmente sobre Esther e Judith e as arrastaram até aos pés da jovem.

- Aqui no chão sagrado, confessem seus crimes.

As mulheres chorando compulsivamente falaram tudo. Os outros aterrorizados não sabiam o que fazer. Alguns arrependidos tentaram chegar até Jana mas os lobos não deixaram. Teobaldo então foi lhe implorar por perdão quando ouviu da moça:

- Teobaldo... Prefiro os animais. Eles não abandonam quem os ama.

E Jana deixou a igreja sendo seguida pela matilha de lobos. Ela nunca soube se suas algozes foram julgadas como ela. Nunca soube se Teobaldo ficara com Esther... Ela simplesmente sumiu na selva com seus fiéis amigos.