Aguaí

   Ricardo caminhava por uma calçada em plena a avenida paulista, fumava seu cigarro tranquilamente enquanto observava os carros que passavam.

  Estava em seu segundo dia de férias e já havia ido em todos os lugares que havia se planejado. Logo depois de um almoço farto, decidiu caminhar um pouco e esperar o metro esvaziar para poder retornar para casa.

   Durante sua caminhada deparou se com um mendigo sentado na calçada, recostado a um prédio antigo próximo ao parque Trianon.

   Este possuia a pele bem negra, assim como seu olhos, as roupas esfarrapadas e o cheiro acre eram suas características mais marcantes, apesar que a boina vermelha virada para trás e o fato do senhor ser perneta terem chamado a sua atenção também.

  - Uma ajuda para um senhor deficiente, por favor. Qualquer moedinha serve. Por favor uma ajudinha.

   Ricardo se sentiu compadecido com a situação, ele ficava revoltado com a realidade de um pais onde um senhor deficiente era obrigado a pedir esmolas no meio da rua para não passar fome.

   - Para ajudar no almoço, senhor.

   E entregou uma nota de cinco reais para o mendigo.

   - É muito difícil encontrar jovens de bom coração nesses tempos onde os bons modos foram esquecidos, seria exigir demais do senhor se também lhe pedisse um cigarro deste que você está fumando.

   - Claro que não. Toma.

   O senhor pegou o cigarro e rapidamente o abriu despejando todo o fumo em uma das mãos, rapidamente pegou um pequeno cachimbo de madeira de um bolso despejando o fumo lá dentro.

   Ricardo achou estranho, mesmo sabendo que este não era a forma correta de fumar um cachimbo, porém não seria ele que ensinaria a forma correta para aquele senhor, afinal de contas cada louco com a sua mania.

   - Bom até logo. Disse Ricardo, já virando para seguir o seu caminho.

   - Espera garoto. Disse o mendigo.

   Se levantou com uma agilidade fora do comum para pessoas de sua idade e com a sua deficiência.

   - Olha os da minha espécie costumam retribuir os favores que recebem, aqui está um presente para você. Só use quando precisar.

   De um bolso interno do casaco o mendigo retirou uma pequena flauta de osso, ricamente adornada e com entalhes por toda a sua estrutura.

   - Mas senhor não posso aceitar. Disse Ricardo já com o objeto em suas mãos tentando inutilmente devolve lo.

  Neste momento passou uma forte rajada de vento que obrigou Ricardo a levantar as mãos para proteger os seus olhos.

   Ouviu uma senhora soltar um gemido de susto pois o vento havia levantado o seu vestido, um outro rapaz dar um tropeço ao desviar a sua atenção para a moça e uma risada baixa e irônica distante.

   Quando abriu os olhos, nem o mendigo, nem seus objetos estavam na calçada restando apenas a pequena flauta como prova de que aquilo havia realmente acontecido.

***************

   Ricardo chegou em casa por volta das 20h30. Uma pequena kitnet (que o corretor havia insistido chamar de loft, só para colocar uns cinco mil reais a mais no preço) no bairro da liberdade, a cena da tarde não lhe saia da cabeça mas o que será que havia acontecido.

   Ele virava e revirava a pequena flauta como se o objeto pudesse lhe dar algum sinal que subitamente deixaria tudo claro.

   Ele abriu a geladeira e pegou uma cerveja, sentou na cama e continuou a observar a flauta sem resposta, ligou a televisão em algum canal qualquer o que rapidamente lhe distraiu tirando o foco da flauta que caiu no chão e rolou para baixo da cama.

   Com isso semanas se passaram, as férias acabaram e a rotina engoliu Ricardo, fazendo ele esquecer do episódio daquela tarde.

   Certa noite depois de um dia exaustivo de trabalho, Ricardo chegou em casa e encontrou a flauta em cima da bancada com um bilhete.

   " Boa noite, seu Ricardo, encontrei essa flauta embaixo da cama, o senhor tem muito bom gosto. Tem janta feita dentro da geladeira é só esquentar, se precisar que eu venha mais dias é só avisar, a casa estava uma zona."

    Dona Anastácia era a autora da carta, a senhora costumava vir uma vez no mês para ajudar na limpeza do apartamento e como estava de férias mês passado havia dispensando os seus serviços.

   Ele já havia esquecido da flauta e após ver o objeto a curiosidade antes esquecida havia retornado com toda a sua força.

   Olhou novamente o objeto em busca de algum sinal e nada, então finalmente soprou o objeto que emitiu um som estranho parecido com o canto de algum pássaro misturado com um assobio alto.

   Ricardo ficou alerta como se algo pudesse acontecer a qualquer momento, porém com o passar dos minutos percebeu que atitude besta era a sua. O que ele esperava? Que algum gênio mágico sairia da flauta e realizaria todos os seus desejos?

   - Ricardo você é um idiota. Disse em voz alta para si mesmo.

   Desistiu de comer a comida que estava na geladeira e decidiu sair para jantar fora em algum restaurante na região.

   - Que idiota. Disse mais uma vez batendo a porta atrás de si.

*********

   Ricardo voltou por volta das 21h00, naquele dia e assim que entrou no apartamento quase desmaiou a sua casa estava toda revirada, como sua falecida mãe dizia parecia que um furacão havia passado pelo lugar.

   Fechou a porta atrás de si sem observar a figura negra que se encontrava atrás da porta, com olhos negros e um chapéu vermelho na cabeça que saltavava constatemente no lugar.

   - Puta que pariu o que aconteceu aqui? Falava Ricardo sem entender o que estava acontecendo. Quando de repente sentiu uma mão encostar em seu ombro e uma voz masculina gritar.

  - Bu!!!!

  Ricardo deu um pulo e soltou um grito que faria qualquer um questionar a sua masculinidade que foi seguida por uma gargalhada alta e alegre.

   Após Ricardo se recompor do susto susto ele tentou acertar o autor da pegadinha com os punhos que foram extremamente ineficazes pois assim que desferiu o primeiro golpe, o homem se desmaterializou na sua frente e seguido por uma rajada de  vento se materializou em cima da sua cama.

   - Uouu, calma grandão foi só um brincadeira. Disse o intruso.

   - Quem é você? O que você está fazendo aqui? Como você entrou?

   - Calma cara uma coisa de cada vez, você me chamou esqueceu? Você soprou a flauta, eu sou Aguaí e sou um saci, eu te disse quando você me ajudou que os da minha espécie retribuem os favores. Então eu posso lhe conceder três desejos. O que você quer primeiro?

   - Como assim? Ricardo não estava entendendo nada, como aquele mendigo sentado no meio da avenida Paulista poderia ser um ser mágico e ainda ele queria lhe conceder três desejos, ele só poderia estar sonhando, bom mas se fosse um sonho era melhor se entregar. O que ele poderia pedir? Dinheiro seria a melhor opção com dinheiro ele poderia fazer o que tanto queria, comprar um apartamento melhor, um carro, sair da merda do emprego entre tantas outras coisas. Seria sim a melhor opção.

   - Bom Aguaí eu não to entendendo o que está acontecendo. Ainda acho que estou sonhando, mas se você é quem diz que é. Eu  te faço meu primeiro desejo...

   - Calma ai grandão as coisas não são assim, precisamos fazer algo antes, para eu saber que é um pedido mesmo, você precisa pegar uma lata de cerveja ou de qualquer outra bebida alcoólica, comida e fumo deixar tudo junto, ai você diz, saci do sertão de jacarai eu te faço um desejo, e ai sim você me diz o que você quer, é assim que as coisas funcionam, não tenho como mudar.

  - Você tá me zuando né? Só pode estar de brincadeira.

  - Olha amigão se você não quer o seu pedido tudo bem, me dá a flauta que está tudo bem.

   - Não calma vamos tentar. Ricardo pegou a comida que Dona Anastácia havia feito (Costela de porco, com arroz e polenta), cheirava muito bem, uma lata de cerveja que estava na geladeira e tirou o seu maço de cigarro do bolso, juntou tudo em cima da bancada.

   - Pronto você está satisfeito?

   - Você bem que poderia esquentar a comida né, já que eu vou ter que comer para realizar o seu desejo pelo menos que seja comida quente né.

   Ricardo não conseguiu esconder a cara de nervoso mas pegou a comida e pôs no microondas, após ouvir o bip do aparelho retirou o prato e pôs na bancada, o cheiro estava maravilhoso.

  - Agora sim. Disse o saci se aproximando, se sentou perto da bancada sentindo o aroma da comida e abrindo a lata de cerveja.

   - Agora as palavras garoto e você pode ter o que quiser. Falou Aguaí já de boca cheia.

  Ricardo respirou fundo tentando se acalmar. - Saci do sertão de jacarai eu te faço um desejo, eu quero ser milionário.

  O saci olhou fundo nos olhos de Ricardo e ele juraria que teria visto uma pequena chama brilhar em seus olhos e de repente o visitante caiu na gargalhada.

   - HAHAHAHAHA, este é um clássico o proximo pedido qual seria? Eu quero a paz mundial. Disse o saci em tom jocoso. Mas a comida está ótima... HAHAHAHA..

  - Ora seu.... E Ricardo tentou mais uma vez inutilmente esmurrar o saci, que desapareceu seguido por um vento leve e reapareceu sentado na cama com a lata de cerveja e o cigarro na mão.

  - Cara você tem que ser mais esperto se eu pudesse fazer qualquer coisa, você acha que eu estaria pedindo esmola na avenida paulista, pelo amor hein....

   - É, bem, acho que você tem razão. Mas também não precisava tirar proveito da situação.

   - Mas foi divertido vai. Resmungou o saci entre goladas e risos abafados.

   - Bom mas o que você está fazendo aqui?

    - Você que me diz grandão, você que chamou.

    - Eu só assoprei por curiosidade por nada específico.

   - Mas eu te avisei que era só pra me chamar quandl fosse necessário, agora terei que comer a sua alma.

   Nisso os olhos do saci arderam em chamas e quando se levantou pareceu muito maior do que ele realmente era.

   Ricardo deu um pulo para trás emitindo mais uma vez o grito afeminado pronto para sair correndo.

   O saci mais uma vez caiu na gargalhada. - Assim você me mata cara, como é facil pregar peças em você. Mas vamos sair está uma noite maravilhosa lá fora. Num rodopio o saci se tornara vestira extremamente bem com roupas de marca, sua aparência era incomparável, ele era alto, forte de um sorriso enorme e contagiante, onde faltava a perna havia aparecido uma perna mecânica e ele simulava um manquetear muito característico.

   - Vai se arrumar grandão a noite é uma criança.

*****

   Acordou no outro dia, com uma ressaca dos infernos, tinha a sensação que seu cérebro estava tentando comer o seus olhos.

   Subitamente flashs da noite anterior surgiram na sua cabeça, nunca havia se divertido tanto, tinha bebido e comido do que havia de melhor, conhecido garotas fantásticas podia jurar que uma delas trabalhava em algum canal de televisão.

  Se levantou com um sorriso nos lábios quando sentiu o cheiro de algo no fogão e de café fresco.

   A garota da televisão estava cozinhando para ele, parou e observou a cena por alguns segundos.

   - Bom dia bonitão, está servido?

   Ricardo engasgou meio sem jeito.

   - Já estou indo.

   - A propósito seu amigo deixou um bilhete, está do lado desta flauta.

   Ele se levantou e pegou o bilhete.

   " Bom dia grandão, que noite hein cara, São Paulo vai se lembrar de nós por um tempo, como você se deu bem ontem a noite resolvi ir embora.

   Espero que você tenha aprendido a viver a vida todos os dias e também que não há mal nenhum em rir de si mesmo de vez quando. Seja feliz meu caro um grande abraço Aguaí.

  PS: tome cuidado com a fatura do seu cartão acho que gastamos demais"

Ricardo olhou admirado aquela palavras e percebeu a verdade nas palavras. Antes de ir tomar o café da manhã murmurou as seguintes palavras.

  - Filha da p...

   Que foram abafadas por uma risada alegre e irônica de algum lugar da rua.

  

Marcelo Rebelo
Enviado por Marcelo Rebelo em 21/10/2015
Reeditado em 21/10/2015
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