A Academia - Capítulo 18

...

Muitos anos se passaram, ele era apenas uma memória, ela mantinha uma rotina agitada pra esquecer de tudo.

Depois de uma patrulha árdua pararam em um chalé a beira mar, no Reino do Rei, os amigos descansavam na areia, enquanto ela olhava para o sol que aos poucos ia sumindo.

Aquele último encontro marcou um estopim de acontecimentos, Klyce aparentemente se reunirá a uma entidade no extremo norte de Atelavida, e juntos planejavam a destruição dos 12 reinos e da Academia.

Muitas guerras eram travadas, a todo momento os reinos eram pressionados a mandar tropas, as fronteiras abrigavam poças imensas de sangue, que iam se tornando lagoas vermelhas, os corpos eram amontoados e os corvos tornavam o céu negro.

Felicya e seu grupo eram responsáveis pela defesa dos reinos, dez membros da Academia faziam diferença em um exército pequeno, curandeiros, médicos, a própria Felicya curava venenos e ajudava a ampliar a visão do time inimigo.

Mas descansavam, um dia cheio de patrulha, Felicya colocou sentinelas em volta de todo o reino que durariam uma semana pelo menos, eram objetos orgânicos que avisavam a presença do inimigo, mais uma herança do seu tempo na Academia:

- Sentinelas postas, podemos descansar. - Avisou Felicya mais cedo ao grupo, que vibrou e foram a praia.

Alicia, Learia, Raffaiet e ela, o grupo que tomava conta do Reino do Rei, de metade dele pelo menos.

O céu estava limpo e o sol brilhante, ao longe a estrela polar marcava uma presença fraca, estavam longe de casa.

Um barulho invadiu o azul do céu, que vibrou trazendo uma péssima sensação.

Faíscas mudaram o clima do ambiente, Felicya levantou e fez sinal para o grupo:

- Nenhuma sentinela avisou? - Raffaiet se aproximou do grupo, vestindo as roupas de combate.

O chão estremecia, fazendo a areia e pedras pularem:

- Terremoto! - Gritou Learia.

O céu urrou e escureceu repentinamente, era noite.

O chão estremecia violento, o bando olhava em volta e de repente Felicya o viu.

Klyce montado em um cavalo negro, sob um manto de sombras, e atrás dele um exército dez vezes maior que qualquer exército que ela havia visto.

Fez sinal para que parassem.

Raffaiet sacou sua lança, Learia ativou a proteção do grupo, Alicia se preparou, Felicya esperou para ver o que faria:

- Entreguem a Felicya, e nada será feito. - Disse calmo.

A essa altura sinos e cornetas eram tocadas por todo o Reino do Rei, o castelo principal acendeu inteiro em chamas, o Rei havia sido despertado:

- Nunca! - Gritou Raffaiet.

Klyce balançou a cabeça negativamente:

- Haverá uma guerra aqui se nada for feito! - Gritou Alicia olhando para Felicya.

Ela retribuiu o olhar para os amigos:

- Eu vou com ele. - Disse.

...

Capítulo 18 - Dia 5

Foi uma manhã alegre, como nunca naquela torre.

Cecilia trouxe o café da manhã e comeram juntos, uma música alegre tocava na parte de cima:

- Ela está de bom humor! - Disse Cecilia.

Parecia que nada havia acontecido na tarde anterior, nenhum quarto escuro terrível parecia ter atacado Lisa.

Pensava no seu encontro com Ferni, o tanto que conversaram, eles se davam bem, Patri decidiu se esforçar para manter as conversas agradáveis, ela parecia muito inteligente, lendo aquelas poesias.

Terminou de comer e subiu pra dar um oi para Lisa, era raro ter acesso a ela dessa forma.

Ela girava com um vestido rodado ao som da música, Patri sorriu e acenou, ela retribuiu.

Porém mesmo com o tom alegre, Patri percebeu as marcas do dia anterior e o olhar cansado... Não imaginava tudo que ela tinha passado:

- Descanse mais uns dias, em breve começaremos a segunda parte do seu treino aqui. - Sorriu enquanto dançava.

Ele logo desceu para encontrar Ferni lendo, mas a garota não estava lá, decidiu esperar o tempo que fosse.

...

Felicya montou em um cavalo que um dos guerreiros de Klyce trouxera e acompanhou o exército para a saída do Reino do Rei, Klyce acompanhava a moça mantendo um silêncio perturbador, a tropa avançou assim, todos em silêncio.

Felicya sentia uma angustia enorme, e aqueles formigamentos voltaram.

A marcha era triste, uma chuva fina começou a cair no céu escuro, ela mau conseguia enxergar Klyce ali, mas uma outra figura se dava, perturbada e agressiva.

A medida que iam saindo do Reino do Rei, os guerreiros numerosos iam desaparecendo, um a um, com estralos altos, até sobrar apenas ela e Klyce:

- Ilusões... - Comentou ela. - Então você é capaz de fazer isso?

Ele não teve reação.

Klyce estava em um nível diferente, ela apenas havia ouvido falar de algo assim, ele havia criado milhares de sombras, guerreiros ocos para acompanha-lo, então por isso as sentinelas não acusou nenhum deles, eles não existem:

- Pra onde está me levando? - Perguntou em voz alta, a chuva aumentava a medida que avançavam.

- Você escolheu me acompanhar. Logo chegaremos.

Andaram até sair da extremidade dos 12 reinos, a chuva diminuía e dava vazão a uma noite limpa, o céu estrelado sorria para eles:

- Você vai conhecer o lugar onde nasci e cresci, antes da Academia. - Disse.

Ela arregalou os olhos, não sabia muito do seu passado antes da Academia, antes do ambiente hostil que os colegas de lá fizeram ele passar, antes dele criar aquela couraça de proteção que foi aos poucos tornando ele aquele Klyce que se mostrava a ela, o Homem de Preto, como era conhecido agora.

Ao longe ela viu luzinhas de um vilarejo que se aproximava, em volta de morros e pequenas árvores:

- Estamos chegando. - Anunciou sério.

Ela estava curiosa, enfim conheceria os pais de Klyce.

Andaram mais alguns minutos e Klyce desceu do cavalo, amarrando-o a uma árvore um pouco antes da entrada do vilarejo, Felicya fez o mesmo.

Do vilarejo ecoava uma cantoria e instrumentos, a cidadezinha inteira parecia estar em uma taverna local.

Ele tirou o manto de sombras, vestia uma roupa comum por baixo, sem aquilo não parecia tão assustador, deu o braço a ela, que de cara amarrada agarrou o braço dele e seguiram.

Entraram na taverna e por um momento todos ficaram em silêncio, e como num coro surpresos gritaram:

- Patrice !

Vieram todos abraçar ele, eram pequenos demais para ser adultos, porém tinham barba e marcas de expressões:

- Quanto tempo garoto! - Gritou um deles, era forte e baixo como os demais, servia a bebida no balcão.

- Uma garrafa de hidromel pra mim e pra donzela em perigo. - Disse Klyce malicioso. - E uma mesa livre.

Ele levou-os até uma mesa:

- O que são eles? - Perguntou Felicya para Klyce. - Tem expressões duras porém uma alegria quase infantil.

- São dwarfs. - Disse Klyce enquanto cumprimentava a taverna inteira, todos aparentemente conheciam ele.

Os Dwarfs era um povo alegre, a parte de toda guerra entre Atelavida e os 12 reinos, estavam além disso tudo, faziam parte de outra realidade.

Felicya tentava absorver tudo que estava acontecendo, era surreal aquilo, aquele povo feliz e baderneiro, Klyce não se encaixava ali:

- E do que eles te chamaram? - Perguntou.

- Patrice... - Disse Klyce dando um gole no hidromel. - Bebe também, é bom.

Felicya deu um gole no hidromel, uma bebida doce e com alto teor alcoólico, entendeu da onde vinha a felicidade daquele povo:

- O que ta acontecendo? - Perguntou a moça intrigada.

- Vim buscar algo aqui, e você vai me ajudar. - Disse.

Nisso uma senhora dwarf se aproximou deles:

- A quanto tempo você ta aqui seu safado? - Disse batendo em Klyce. - Ingrato!

E caiu no choro abraçando ele:

- Eu ia falar com a senhora vó. - Disse.

- Esse menino veio aqui pequeninho, perdido... Acolhi como meu! - Disse.

Felicya entendeu tudo:

- A é? - Perguntou olhando Klyce nos olhos.

Ele desviou o olhar:

- Sim! Desde que os pais dele morreram naquele acidente horrível, pobre Patrice veio até nós sem rumo...

- É vó... Mas ainda bem que vocês me encontraram! - Disse sorrindo cortando o assunto.

Patrice... Pensou Felicya, é um nome bonito:

- Por que mudou de nome? - Perguntou a Klyce enquanto a senhora se juntava a um grupo de idosos de outra mesa que cantavam algo sobre a Montanha da Morte.

Ele deu um último gole no hidromel:

- Temos outros assuntos a tratar. - Levantou, ela fez o mesmo.

...

Ferni apareceu perto das onze horas da noite apenas, Patri estava indo embora quando de longe ouviu a garota chegando.

Olhou para trás, e subitamente o portão abriu num estralo, a garota empurrou devagar e os dois se abraçaram, repentino e aconchegante, ficaram ali um tempo abraçados, Patri sentiu a garota corar:

- Achei que você não vinha hoje. - Disse o garoto.

- Também achei.

Sentaram ali, bem perto um do outro e conversaram durante horas, falaram sobre o que Patri estava aprendendo ali, ele contou a ela seus feitos na torre, sem mencionar ainda sua sede de vingança pelos raios.

Ela contou que passou num teste da Academia pra um curso especial chamado Aquarela, uma outra visão das cores que já estavam acostumados, ele se impressionou.

A noite passou rápido, e a media que ia escurecendo eles iam se aproximando mais um do outro, Patri sentia o calor dela, aquilo era bom:

- Bom, preciso ir... Amanha levanto cedo. - Disse a moça levantando.

Ele se levantou também:

- Ta bom...

Se olharam um tempo... Um silêncio confortável se fez, devagar se aproximaram um do outro, encostando os lábios devagar... Se beijaram.

Patri tentou ser o menos invasivo possível, a moça gostava de se entregar nos beijos, e assim terminou a noite para os dois.

Dia cinco, ele não esqueceria jamais daquele dia.

Ela sorriu ao fim do beijo:

- Só por que você ficou esperando aqui um tempão.

Ele sorriu também.

- Tá...

Ela desceu as escadas.

Ele ficou um tempo ali ainda, aproveitando o momento.

...

Saíram da taverna, Klyce cumprimentou todos um por um antes de sair, Felicya achou aquilo exagerado demais:

- Não sabia que você tinha sido criado por um povo diferente.

- Eles são felizes, tem suas particularidades, ele bebem muito. - Disse ele enquanto saíam.

- E agora? - Perguntou a moça.

Ele apontou para cima, ela seguiu seu dedo e não entendeu de início, foi só quando viu a montanha por trás das nuvens que entendeu:

- A montanha?

Ele consentiu:

- Foi lá que meus pais morreram.

Ela tentou procurar alguma brecha no olhar dele, nada veio:

- Tem algo lá que quero pra mim. - Disse. - Preciso da sua ajuda.

Ela olhou séria:

- Pra abrir o local, necessita ter o conhecimento de um idioma específico. - Klyce disse enquanto seguiam até a montanha. - Descobri que cinquenta pessoas no mundo falam esse idioma.

- Cinquenta? Pensei que era mais. - Disse orgulhosa de si.

- Pois é, e dessas cinquenta a maioria foi morta na guerra.

Ela fechou a cara o resto do caminho inteiro.

Caminharam pela pequena floresta que antecedia a montanha, se olhavam vez ou outra, pararam um pouco a beira de um lago pra descansar:

- Penso muito em você. - Disse Klyce olhando pra lua minguante.

Ela viu o reflexo dele no lago, tinha um olhar distante:

- Também penso em você. - Disse.

- Fiquei sabendo que está com alguém... Logan, não gosto dele. - Disse fechando a cara.

- Não é você que tem que gostar, sou eu. - Disse Felicya.

Ele ficou emburrado enquanto comiam pão:

- Ele é só um amigo... Mas não entendo sua preocupação, nem seu nome de verdade eu sabia. - Disse a moça.

Ele enfim olhou para ela:

- Patrice é o nome que meu pai me deu... Não gosto de lembrar dele, não gosto desse nome... - Ela fitou e percebeu um Klyce frágil pela primeira vez.

- Klyce não é ruim também. - Disse Felicya tentando quebrar o clima de tristeza.

- Klyce foi o nome que a Escarlate me deu, um nome que me deixa mais forte a cada dia.

Escarlate, Felicya lembrou do livro:

- Quem é Escarlate? - Perguntou.

- Escarlate... é a fantasma da Academia...

Ela aos poucos ia conhecendo mais ele:

- Escarlate é um nome que passa de geração em geração, pra quem possui um dom, Lisa... Lisa tem o poder escarlate.

- Você viu um fantasma na Academia? - Perguntou Felicya.

- Não é um fantasma no sentido literal... É alguém que não é mencionado, como a própria Lisa, "Magician" é um nome bonito que inventaram pra alguém que possui o dom.

Ficaram um tempo em silêncio:

- A Academia tem medo de todas as Escarlates, elas são trancafiadas naquela torre, geração após geração... Mas essa em específica foi uma grande amiga minha.

- Como se conheceram - Felicya perguntou sincera.

- Eu criei um refugio pra mim naquela torre, naquelas salas vazias... Ela fez o mesmo, ambos fugíamos de uma realidade própria... Ela me mostrou que eu tenho o mesmo dom.

- É assim que você cria aquelas ilusões? - Perguntou Felicya.

Klyce consentiu:

- A Academia não teve outra escolha a não ser me treinar... Ou tentar me doutrinar. - Disse. - Lisa foi uma ótima professora.

O clima ficava mais calmo a medida que ele falava, ela chegou a se questionar se era algum tipo de truque dele:

- Por que você ta fazendo tudo isso? - Perguntou.

Ele não disse nada.

Ficaram ali em silêncio um tempo, ela deitou a cabeça no ombro dele que passou seu braço no ombro dela:

- Não entendo o por que você luta... Talvez mesmo se falasse eu não entenderia, eu cresci em uma realidade muito diferente.

- Talvez seja por isso que eu te ame tanto. - Ele disse.

O coração dela disparou, ela se aconchegou um pouco mais no ombro dele.

Naquela noite, duas estrelas se uniram em uma só, dois corações perdidos se encontraram e durante toda a madrugada eles se amaram como dois jovens que eram.

...

Lisa disse a Patri que teria um último encontro com Ferni antes de iniciarem seu treinamento, ele se perguntou como ela sabia dos encontros.

Ele desceu as escadas e esperou a garota, que veio:

- Preciso dizer algo. - Disse encostando seu rosto no dela.

- Eu sei... Sabia que isso ia acontecer...

- Espero que entenda, eu voltarei... Como um felino que nunca esquece o caminho de casa.

Ela sorriu encostando os lábios no dele, eles não se conheciam, era como se algo desconhecido conectassem eles:

- Ei! Eu sabia! - Patri ouviu a voz de Beth da escada nas costas da Ferni.

Patri arregalou os olhos, o casal rapidamente se afastou um do outro:

- Bem que a Saturis me disse, algo tinha aqui! - Beth encheu os olhos de lágrima. - Por que você não deu tchau seu idiota!

- Ei ei ei, calma! - Disse Patri rindo.

O amigo explicou toda a história, Saturis ficou afastada só assistindo eles se reconciliarem, algo nele intrigava a garota:

- Entendo... Você vai sumir de novo né? - Perguntou.

- Sim... Não sei por quanto tempo dessa vez...

Se despediram ali, Ferni de Patri, Patri de Beth e Saturis só acenou para o grupo de longe.

Ela e Patri se olharam, como dois rivais a altura.

Todos desceram de volta, Patri fechou o portão dourado sem a intenção de reabri-lo.

Pedro Kakaz
Enviado por Pedro Kakaz em 03/03/2016
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