Escolhas

Escrevi este conto em 2010. De certa forma, ele representa um período de transição na minha vida, e ilustra um momento de escolha (momentos que se repetiram e poderiam também serem ilustrados por essas mesmas palavras). Republicá-lo aqui, para mim, é uma grande alegria. Depois de alguns anos, eu aprendi uma coisa ou outra sobre textos, mas consegui segurar a tentação de modificar alguns trechos desse conto. Achei mais honesto deixá-lo da mesma forma que foi escrito. Mantendo sua versão original, eu posso resgatar um pouco mais dos momentos que vivi na época em que o escrevi. Aproveitem!

__***__

Era noite e chovia muito quando ele chegou frente à pesada porta de madeira.

Sua respiração era forte e acelerada, e seu corpo tremia todo. Um pouco pelo frio, outro pouco pelo nervosismo de estar diante de algo tão grande, e ao mesmo tempo tão discreto. “Devo mesmo entrar? ” Perguntou-se, contemplando a pesada porta e suas caprichosas marcas talhadas a mão.

A dúvida passou a cutucar sua coragem à medida que se aproximava do seu destino. Lembrou-se que apertou o passo até correr como um desesperado noite adentro, tentando deixar suas dúvidas para trás. Não poderia desistir agora. Mas algo lhe dizia que tudo bem! A vida seguiria adiante se ele decidisse não entrar. Poderia poupar-se de um sentimento reverso demais daquilo que realmente esperava. Poderia finalmente livrar-se daquelas preocupações, que em alguns momentos, parecia não lhe pertencer mesmo. “Posso acabar com isso agora!”.

Seu sobretudo, negro como a noite, ficava cada vez mais pesado pela água da chuva que descia como lágrimas violentas a castigá-lo. “Talvez seja o peso da decisão” pensou. Parecia que a chuva encharcava lhe até os ossos. Percebeu que sua mão tremia ainda mais. Olhou para seu anel, uma serpente enrolada em seu dedo, e buscou lembrar-se das coisas que lhe traziam força.

“Não é pecado desistir” afirmou para si mesmo. “Não serei um covarde por conta disso”. A medida que dialogava consigo mesmo, tornava-se mais claro que a desistência seria o melhor caminho. “Esta porta é muito pesada. Nem tenho certeza que conseguirei abri-la”.

“Posso voltar, sem culpa” concluiu.

Sua respiração agora era controlada e amena, mas seu corpo ainda tremia. Suas roupas encharcadas pesavam cada vez mais. Deu um passo para trás, como forma de anunciar “Estou desistindo”. Mas ao fazê-lo, sentiu o mundo mudar de forma. As cores haviam sumido. A chuva havia ficado mais gelada e seu coração pareceu ficar oco. Ao assentir com suas dúvidas, derramou a falta de sentido nas coisas. O mundo escureceu.

Contemplou a porta, um passo mais distante. Não poderia tocá-la aquela distância, mas parecia sentir na ponta dos dedos sua textura áspera. Sentia o cheiro de madeira molhada, e ouvia o farfalhar das asas de suas dúvidas. Pensou em todas as pessoas que eram contra aquele momento e o receberiam de braços abertos caso desistisse. Pensou em todas as circunstâncias que poderia usar como desculpa para justificar sua escolha. Pensou nas escolhas que tinha.

“Basta ir embora e tudo acaba! ”

Mas não conseguia. Suas pernas não obedeceram a lógica de sua conclusão. Uma terrível verdade lhe esfregou a cara com a certeza de que tudo o que pudesse fazer, usar como desculpa ou tentar esquecer, diriam em teus sonhos pelo resto da vida que deveria ter aberto a porta. “Desistiu não porque a vida ou as circunstâncias foram duras demais. Desistiu porque você quis. Porque assim escolheu”.

Sua respiração voltou a acelerar “Terei de conviver com isso! ”.

As pessoas que lhe receberiam de braços abertos, seriam mesmo as pessoas que gostaria de ter ao seu lado? Apoiaram que você desistisse? “Não vale a pena” disseram.

Mas se der errado, elas dirão “Eu avisei! ”.

A chuva agora estourava em seus ouvidos como um canhão. “Desistir! ” Pensou.

Olhou novamente para seu anel. “Não posso desistir. A vida é grande demais para que eu seja tão pequeno. Se eu cair, que tenha força para levantar. Se não conseguir abrir esta porta, que meus desejos me ajudem a entrar pela janela. Se lá dentro eu encontrar apenas a chuva, não há problema. Haverá outras portas a abrir no mundo.

Deu um passo à frente e tocou de leve a superfície da grande porta. Observou as figuras e relevo precisamente talhadas à mão, e sorriu. Viu que ali havia um nome escrito. Um nome que conhecia há muitos anos, mas que nunca havia notado antes. Um nome que lhe dava inspiração para engarrafar seu medo.

“A decepção é inevitável nesta vida. Que venha então, mas que venha porque eu ousei. O medo da decepção nos deixa sem ação, e entregamo-nos de modo errado a nossas dúvidas. Paralisar-se pelo medo pode retardar que a decepção alcance nossas costas, mas decreta que ela certamente nos atingira em algum momento”.

Empurrou a grande porta e ela cedeu com gentileza. As dúvidas voltaram com a mesma força de antes. Ele contemplou o ambiente. Sorriu, e entrou.

Conheça mais contos meu. Acesse: www.ciadaspalavras.com.br