Impeachment no Reino de Ratolândia

No Reino de Ratolândia tudo transcorria na mais absoluta normalidade: Os ratinhos cometiam pequenos furtos, fraudavam o seguro desemprego fazendo acordos espúrios com os patrões, consumiam cigarros contrabandeados, roubavam galinhas, celulares e afins, tudo em nome da sobrevivência. Já os ratos, em nível social um pouco acima dos ratinhos, bebiam uísque falso, também contrabandeado ou fabricado em qualquer fundo de quintal, compravam CD's piratas, adquiriam produtos sem origem e, ainda, fraudavam os impostos, sob as mais diversas alegações. Eram comuns ratinhos que andavam em carros velhos, moravam na periferia e viviam de míseros salários, pagarem mais Imposto de Renda do que os ratos de classe média. Muitos desses ostentando diplomas de doutores, moravam em verdadeiras mansões e desfilavam pelas ruas do Reino em vistosos carrões, mas não tinham renda, declarada, suficiente para contribuir com o erário público. Como todo reino que se presa, Ratolândia também tinha sua classe dominante, que era composta pelos ratões. Esses sim! Exímios na arte de roubar cometiam toda sorte de traquinagens sem serem incomodados. Era cultural: para eles tudo era permitido, com a conivência de autoridades por eles investidas no poder.

Entretanto, um fato novo aconteceu: Surpreendentemente um partido progressista foi eleito e começou a implantar mudanças. Logo ratinhos começaram a ter moradia mais decente, seus filhos já podiam ir à escola e até à universidade. Ratos pobres e negros começaram a frequentar restaurantes, poluindo-os com sua simples presença, ou a viajarem de avião, sentados ao lado de ratazanas e ratões, o que era inconcebível! A rainha tinha de ser destituída! Bradavam inconformados.

Os ratões dominantes acreditavam que seria fácil resolver o problema vencendo a rainha no próximo pleito eleitoral. Contudo, apesar dos esforços dos ratões a rainha teve milhões de votos e foi reeleita. - Não era para ser reeleita, mas se foi, não tomará posse. Se tomar posse, não governará! - sentenciou um dos caciques dos ratões, parafraseando um antigo político do Reino. Então, no dia seguinte à reeleição, começou o planejamento do embuste que levaria ao golpe, para destituir sua majestade.

Utilizando os alienados meios de comunicação de massa, os ratões desencadearam sistemáticas campanhas para angariar a simpatia dos ratos de classe média, o que foi fácil, considerando os ganhos em qualidade de vida e melhoria de salários que esta classe conquistou com o próprio governo progressista da rainha. Essa ilusória elevação de status os fizeram acreditar que já eram ricos e poderosos como seus mentores e assim agiram conforme sua vontade, comportamento natural de quem foi à universidade, mas não aprendeu a pensar, não percebem que fazem o jogo de quem só pensa em retomar o poder.

Ato seguinte os inquisidores sentaram-se sobre os próprios rabos e atacaram a rainha. Acusaram seu governo de corrupto o que, a bem da verdade, não era mentira. A campanha foi tão intensa e verossímil que a popularidade da rainha despencou. Esse era o plano! Apesar de nada terem conseguido provar contra a própria governante, a sentença parafraseada - ...Se tomar posse, não governará! - se cumpriu debalde as exposições de seu defensor, que se esforçava em citações de leis, artigos e parágrafos. Para que defesa, se tudo já estava definido havia meses? Traidores que haviam sido eleitos com ela debandaram, abandonando-a a própria sorte. Os algozes saíram vencedores. Estes sim, em grandes números réus ou investigados por crimes de corrupção, querem o poder para cercear as investigações. A corrupção foi apenas o pretexto para o impeachment. Afinal, no Reino de Ratolândia, salvo poucas exceções, quem se importa com corrupção?

Nota do autor:

Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com fatos, pessoas e locais, será mera coincidência.