Nós de Ficção

Saí da sala de cinema quando no filme todo mundo tinha o seu olhar. Fechei o livro quando todas as palavras se tornaram seu nome. Saí de casa, temendo estar ficando louco, obcecado. E as manias que antes eu tinha foram esquecidas; nem verifiquei se tranquei a porta por duas vezes. Apenas saí sem rumo, sem prumo; a roupa amarrotada, os cabelos desgrenhados. Desaprendendo a ser eu mesmo enquanto você me assombra toda vez que tento me distrair.

Vejo tua foto de perfil pelo menos mil vezes por dia, fico esperando você me responder a mensagem que já visualizou. Acabo me sentindo como um gato gordo e castrado que implora uma réstia de carinho do dono. Toda música que ouço me lembra de você, e imagino nós dois nos clipes que te mando e você nem vê. E assim me sinto o rei dos idiotas.

Peguei um táxi, e disse ao motorista: ande a Deus dará! Eu só queria ver o mar, mas aqui não é litoral... então me vi como a terra que piso, e a você como o mar que não alcanço. Anoitecia em mim! E o sol de um dia nublado pintava o céu de rosa. Olhei bem o motorista, desafiei minha coragem, e então me imaginei beijando-o, tão lindo aquele rosto emoldurado pela barba sob um boné cafona. Aqueles brincos sem sentido como a vida. Ele, então, parou o carro e eu voltei a mim, enquanto admirava suas tatuagens. Ele vendo que mesmo sem lágrimas eu chorava me convidou a tomar um café. Respondi com um sorriso de canto de boca e com o olhar agradeci.

Algumas estrelas já despontavam no céu e os postes já se acendiam. Era nessa hora que eu mais me feria. Desajeitado desci do táxi, e havia tanto lixo na calçada que eu não sabia por onde caminhar. O motorista que eu nem sabia o nome apontou-me a direção para ir. Um boteco, e uma cerveja seria melhor que café, mas ele estava trabalhando e dirigindo. Sentamos numa padaria, e pedimos suco. A teoria é tão diferente da prática. Alguns trovões anunciavam uma tempestade, eu perguntei-lhe o nome e ao responder o estrondo de duas nuvens carregadas que se colidiram não me permitiu ouvi-lo. Nós nos assustamos e rimos. Fomos para área de fumante, e vimos a chuva cair e lavar a calçada, levando todo o lixo para o bueiro logo ali. Todas as luzes então se apagaram. A energia elétrica havia acabado. A paisagem era da fumaça que você soprava e dos faróis do carro sob a chuva rala.

Eu, então, tornei a perguntar o nome daquele anjo, quando a luz voltou e você estava tão perto que eu senti você me beijar só com o olhar. A chuva cessara, e a noite não estava bonita. Uma brisa quente e úmida penetrava os poros e o cheiro de café viajava pelo ar. Você pegou minha mão, e eu sem entender nada te olhei assustado. E você começou a ler meu passado: o que Deus uniu o homem destruiu, mas foi até que a morte separasse, porque os sentimentos estavam mortos. E você lia o meu presente: você! E você lia o meu futuro: mais uma vez sozinho depois que você entrasse naquele táxi e fosse embora. Fomos então para o táxi e você me levou para a praia. E te declamei poemas e pulamos algumas ondas. A maresia aliviava a alma. E a lua minguante saiu de trás de uma nuvem.

Depois de tudo, te paguei. Um trabalho bem feito, me fez acreditar que até tinha praia aqui. Eu fiz que não vi, mas percebi que colocou algo no meu suco. Estava drogado, e crendo que você me faria esquecer os outros rostos que amei. Que eu voltaria a ser são, e deixaria de ser louco. Mas eu permiti me drogar; me iludir. Enfim tudo se escorreu entre os dedos, líquidos como a chuva; imundos como os bueiros entupidos de lixo. Mas com tanta poesia, que tudo valeu a pena. E você fez que não viu, mas percebeu que te paguei com o meu coração. Só digo que agora pode ficar com o troco. Um dia eu saberei seu nome...