Basiléa

Nasceu Basiléa deitada sobre o duro chão de pedras negras, seu choro era estridente, doloroso de ouvir. A mãe a pariu no dia de lua nova, os santos e os deuses a vieram saudá-la. Basiléa não tinha pai, era menina órfã e pobre. Mas recebeu herança de um velho caduco, há tempos esquecidos, um benfeitor.

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A mãe de Basiléa se levantou e foi ter com seu marido, foi embora para além do mar. Da dor ela não queria lembrar. Do Branco, seu marido, a mamãe da desafortunada garotinha se lançou nos braços de seu homem e foi ser feliz com o novo amante. Assim, ficou Basi, apelidada pela grande Mãe – Sozinha, esquecida, chorosa – passando então muitos sóis e muitas luas, a menina virou moça que virou mulher.

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Mulher feita, bonita, atrativa aos enamorados rapazes, vizinhos que ouviram seu choro quando bebê. Do seu primeiro sangramento souberam eles que o momento chegara. O primeiro foi um moço alto e loiro, o segundo era loiro e alto e o terceiro era duas vezes mais alto e mais loiro. Ambos a amaram. Todavia, ela não tinha pai e nem mãe.

- Como casa-la? Pensaram eles.

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A festa de casamento recebeu convidados ilustres. Gigantes, Senhoras e Senhores, Animais fantásticos e alguns pobres. Todos vestiam suas roupas de festa. Os homens enfim chegaram. Basi estava sentada sobre um tronco grosso e vermelho, da árvore que mancha vestido. Sua voz tímida, quase abafada, sussurrava uma canção de ninar criada por ela mesma.

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Os ares da festa preenchidos estavam com risinhos e infames dizeres. À meia-noite abraçaram-se os rapazes e em um só ser tornaram-se. Um gigante loiro e alto. Olhou o marido de Basiléa para ela e a tomou como mulher, ali, na frente dos convidados. De sua dança do amor arrancou-lhe as pernas, de seu carinho, a pobre Basi ficou sem mãos.

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O marido de Basiléa era assanhado. Chamou ele seus amigos gigantes para também amar sua jovem esposa. Coitada! Coitada! Coitada! Dias infernais de luxúria seguiram. Cansados e satisfeitos de seu apetite por coito, o marido e seus amigos saíram para comemorar o casamento. Basi ficou lançada ao chão.

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Nua, sem pernas, sem braços e com pouco cabelo. A morena Basi apenas chorava. Mas algo ainda aconteceria a ela? Sim, sussurrou o chiar das águas. No seu ventre estava plantada a semente do gigante que, após duas luas, deu o fruto do brutal romance.

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Centenas de milhares de crianças: verdes, amarelas, azuis e brancas. Elas saíram do ventre de Basi. A pobre mulher ficou feliz, mas percebeu que eram muitas bocas para alimentar. Suas tetas eram apenas duas. O que faria?

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Foi então que Basiléa se levantou e ofereceu sua carne aos seus filhos. Os alimentou. Sua dor foi a proteína para que suas crias crescessem fortes e saudáveis, capazes de cuidar dela quando estivesse velha coroca.

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Seus meninos e meninas não cresceram. Eles apenas continuavam a se alimentar dela. Teria outro ser tão desgraçado destino quanto ela? Sem pai e nem mãe. Com um marido ausente e filhos abusados. Basi foi até a beira do grande rio de duas cores e tomou um pouco de suas águas, para saciar a sede. Estendeu sua mão e apanhou uma manga. Ao longe ouvia o choro de seus filhinhos e filhinhas.

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Olhou Basi para o céu e uma ave branca pousou sobre sua cabeça, à frente dela surgiu um homem escuro apoiado em um cajado. A barba do ancião era antiga, suja, emaranhada.

- Deite-se sobre as águas. Disse ele.

- Mas e os meus filhos?

- Eles ficarão bem.

- Apenas deite-se.

Basi então deitou. Sentiu a água gelada em seu corpo, em sua pele. Ela dormiu. Enquanto dormia o rio a levava para longe dali. Até hoje não se sabe do paradeiro de Basi. Apenas sabemos, conta-se na mata, que Basi continua dormindo para recuperar suas forças.