Dona dos olhos

Aqueles santos olhinhos me calaram... o profundo daqueles olhos. Aquele tom de castanho botou em mim um sentimento novo, um segredo. Sou o dono do meu nome e vou agora contar como se sucederam alguns eventos que presenciei.

Saí da lanchonete por volta das duas horas da tarde. O movimento dos carros na rua era intenso; as calçadas mais ou menos cheias de gente. Parei por um instante à porta da lanchonete, meditando, pensando, digerindo, para onde eu iria logo após. Enquanto pensava, observava o movimento ao meu redor. Tudo muito hipnotizante para alguém como eu, que vê, muitas vezes, mais do que há para ser visto. E nessa de ver além da conta, acabo descobrindo os segredinhos ocultos no emaranhado dos corpos. Acabo descobrindo algumas novidades.

Depois de muito ruminar, dobrei à direita, a caminho do centro da cidade, a caminho das pessoas. Segui o fluxo. E a correnteza me levando... aqui e ali era preciso desviar de alguma rocha, algum pedaço de madeira que boiava. Parei na esquina e o fluxo também. Esperamos que os carros parassem, e atravessamos. O movimento de carros era bem intenso, diga-se de passagem.

Parei diante de uma vitrine para observar alguns relógios. Sempre usei relógio no pulso direito, e o meu havia parado já fazia algum tempo. Mas, mesmo assim, eu ainda o usava, de modo que se alguém me perguntasse agora as horas, ficaria meio sem jeito de responder - isso me faz lembrar de um fato que aconteceu dentro da escola. Um aluno qualquer, certa vez, veio me perguntar as horas. Disse que infelizmente não poderia dizer porque meu relógio não prestava. Mas notei que o garoto tinha um relógio no braço também, aí ele sorriu e disse que o dele também estava com defeito. Para você ver.

Não encontrei nada que me interessasse de fato, e continuei a andar. Cheiro de comida, muita gente indo almoçar ou aproveitando a pausa diária para conversar, fofocar, observar vitrines. Outra esquina. Dessa vez, o sinal já estava fechado quando cheguei. A travessia foi rápida. Dobrei mais uma vez à direita, e já pude ver o amontoado de gente característico do lugar. Os vendedores batendo palmas, gritando ofertas ao acaso, fazendo gracinhas com algumas moças que passavam. Gente entrando, gente saindo das lojas. Era fim de mês. Afastei-me dali, fui na direção da praça.

Aquele lugar já havia vivido tempos melhores. Hoje estava entregue ao descaso, mendigos dormiam nos bancos ou tiravam sacolas com alguns trapos das árvores. Os vendedores de jóias artesanais, com seus cabelos emaranhados; os filhinhos correndo aqui e ali. Bem no meio, um antigo coreto triste de se ver. Os pedestais, que antigamente suportavam belíssimas estátuas, frutos de uma bela época, agora estavam vazios. As árvores davam muitas sombras. Algumas pessoas sentadas, conversando desiludidas. Passei por entre os bancos, diminuindo o passo. De algum lugar, vinha um odor desagradável. Havia lodo no chão, os lagos estavam secos. A sombra por cima de tudo isso. Eu andava completamente distraído, pensativo. Fui trazido de volta por uma presença curiosa. Uma moça vinha vindo na minha direção, sozinha, de vestido vermelho. Um andar suave, despreocupado. Os cabelos se espalhavam por efeito do vento. As mãos leves, pendidas ao lado do corpo, num leve balançar que seguia o seu movimento. A moça era movimento puro, afastava as sombras das árvores, agitava as folhas. Ela tinha uns olhos encantadores, de um castanho indizível. Vinha vindo em minha direção. E, por um breve instante, fitou-me. Eu não sabia mais dizer onde me encontrava. Eu só estava ali por causa daqueles olhos. Eram olhos nem quentes nem frios. Eram de tal forma mornos, que me senti reconfortado. Eram a minha salvação. A moça passou ao meu lado, eu até me virei um pouco para observá-la mais. A moça foi embora, eu não a conhecia. Eu era um completo estranho para ela. Será que a dona daqueles olhos tinha noção do que havia me causado? O Sol esquentou mais, a partir daí.

Rosiel Mendonça
Enviado por Rosiel Mendonça em 29/07/2007
Código do texto: T584387
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