A ponte de Vahar - Final
O processo de atravessar de volta a Vahar durava alguns segundos a mais, pois traziam consigo um pesado veículo.
Lá dentro os humanos estavam mergulhados num sono profundo induzido pelo globo enquanto suas energias iam sendo drenadas para o objeto. Em Vahar suas energias seriam transferidas do globo para as bases fronteiriças que tinham por objetivo retardar o pôr-do-sol.
Os três irmãos mantinham-se de olhos cerrados, muito bem concentrados em unir as mentes para evitar quaisquer transtornos na ponte. Uma lembrança em comum aos três ligava-os, eles a compartilhavam naquele momento: “O pôr-do-sol a que tanto tentamos manter...” dizia o pai aos três ainda crianças “...mergulhará nosso mundo em trevas caso se consuma. Nosso mundo desmoronará levando junto a terra dos humanos e grande parte do universo habitado que há além deles. Isso gerará um desequilíbrio imenso e irreversível. Tem noção de quantas vidas serão destruídas? De quantas milhares de vidas se perderão? Somos a única força, a última barreira que pode impedir o fim do universo crianças. E vocês precisarão usar o dom de vocês e mais alguns apetrechos nossos para fazer coisas que não serão boas aos olhos de muitos de nós e nem para os humanos mas que salvará o restante de todos eles e de todos os outros seres que habitam os outros mundos.
Compreendem?” Eles assentiram. Compreendiam.
Desde então vinham fazendo o uso da ponte para sequestrar humanos [se apoderar de alguns pelo bem maior, o termo mais correto] e em casos extremos se alimentar dos corpos sem vida. Weber vinha evitando desde que passara a ver tal ato como uma ofensa as leis universais, mas os irmãos pareciam alheios aos anseios do irmão. Além de que a escassez de animais e plantas vinha aumentando naquela terra o que os fazia ver aquilo como algo correto.
Uma recompensa pelos milhares de mundos e vidas que vinham anonimamente protegendo.
Um solavanco repentino quebrou a ligação entre os três.
Sentiram os pneus esmagando o cascalho e souberam que havia chegado.
Weber abriu os olhos. O globo estava quieto lançando um leve brilho azulado nas mãos dele. Lá fora a estrada larga estendia-se por uns cinquenta metros terminando numa construção simples de pedra cinza. No teto, objetos metálicos despontavam. Tinha por função medir quaisquer alterações ou movimentações do sol.
Além do observatório havia uma cerca de madeira já deteriorada pelo passar do tempo e ao longe um conjunto de construções menores no mesmo formato quadrado e em pedra cinza compunham o que sobrara de toda população.
Todo o cenário estava silencioso e banhado em uma luz alaranjada que lhe acentuava um ar de terra inóspita. O sol pendia sobre as montanhas no horizonte pintando o céu numa eterna coloração rosa avermelhada.
Assim eram os dias e noites: a grande estrela alaranjada equilibrando-se sobre o cume das montanhas. Até o dia em que...
Os irmãos levantaram-se com cautela.
Sentiam o estômago revirar e o corpo formigava enquanto suas formas humanas iam desaparecendo. Os cinco dedos das mãos uniam em quatro. As cabeças latejavam enquanto retomavam ao tamanho normal e o chão parecia se distanciar enquanto suas pernas e colunas esticavam-se.
Do observatório uma porta escancarou-se e de lá disparou um grupo de seis homens em simples uniformes cinza que lembravam macacões de operários. Os pés metidos em pesadas botas empoeiradas. Eram altos e providos de cabeças grandes como abóboras e com pouco cabelo no topo.
Antes que chegassem ao veículo Weber se apressou para Walter e William. Seu descontentamento, entretanto estava destinado ao irmão mais novo. Disparou uma torrente de infortúnios que escaparam de sua num som que aos ouvidos humanos soava como galhos quebrando:
‘Estamos de volta Walter! Por que não continua a zombar de mim ou de nosso irmão? Hã? Estou suportando seu jeito infantil de agir a muito tempo! Sempre nos colocando em risco! Estarei delatando você aos oficiais entendeu? Foda-se seu moleque estúpido!’
‘Delata!’ replicou Walter, aos ouvidos o mesmo som quebradiço, em sua cabeça ouvia-o claramente ‘delate e será um soco no vento! Somos os únicos capazes de fazer isso! Foda-se você seu arcaico! Olha a sua volta! Esse lugar está desmoronando e o que fazemos? Viajamos para colher carne fresca para não vê-lo desabar de uma vez sobre nossas cabeças e salvar povos e mundos que nem sabemos se de fato existem. É só isso que fazemos o tempo todo. Correndo risco de ser taxados como monstros...’
‘Walter, cala ess....’ – tentou intervir William mas foi sobrepujado pelo tom mais agressivo do irmão mais novo.
‘Por que não rir um pouco? Por que não se divertir umas poucas horas? Olha você Weber! Destroçado pelo tempo, quebrado, esquecido por todos servindo a uma causa que não é sua! Definhando servindo a uma causa perdida... Pode me apontar a eles. E esses oficiais que estão vindo irão assentir, em seguida lhe tomar o globo e simplesmente dizer: daqui a doze horas vocês caem na estrada de novo, precisamos de mais carne, de mais energia. Por que só vocês podem se meter nessa missão, SÓ NÓS Podemos fazer isso!’
Por um instante que pareceu se esticar por longos minutos os dois encararam-se. Os três estavam cientes que o globo nas mãos de Weber o impedia de esmurrar Walter ali mesmo no veículo apertado e cercado de cadáveres recém-chegados.
Os sujeitos em macacão enfim chegaram ao veículo. Forçaram a porta pneumática e dois entraram com dificuldade no veículo pequeno para eles. Os outros observavam o exterior do veículo.
A tensão entre os dois se dissipou momentaneamente. Weber apenas virou-se e estendeu o globo luminoso a Angus que o recebeu com cuidado e passou a examiná-lo minuciosamente ali mesmo om um olhar atento como se buscasse quaisquer arranhões que denunciassem um mau uso do objeto.
‘está em ótimo estado’ adiantou-se Weber.
‘sei disso. Do contrário não estariam aqui.’ Disse prontamente após finalizar o exame e foi se afastando. O sujeito que ficara aguardando na parte da frente espremeu-se com dificuldade entre alguns bancos para permiti-lo passar.
'Podemos ficar com aquele?' apontou William para um velho encolhido usando uma jaqueta jeans como cobertor. O oficial assentiu e por fim falou no linguajar quebradiço. Sua voz lembrava uma bota pisando em gelo fino:
'se alimentem e descansem. Dentro de nove horas, talvez menos, necessitarão voltar lá' – pausou um instante aguardando suas palavras gerarem algum efeito e sem esperar quaisquer perguntas dos três concluiu: ‘vocês ouviram bem. O sol tem se movido no horizonte com mais constância num período menor de horas. O trabalho de vocês se tornará um pouco mais árduo daqui pra frente.’
Desceu do veículo e apressou-se a acompanhar os outros que já se distanciavam.
No centro do grupo o globo destacava-se refletindo as cores alaranjadas do crepúsculo.