A muitos séculos...

Gerado em algum lugar de 2001:

A muitos séculos, mistérios vigiavam a terra e seus moradores.

Alguns desses mistérios se manifestavam aos seres humanos de várias formas, às vezes operando sinais, outras criando maravilhas.

Um desses, presenteava seus escolhidos com uma dádiva estranha, lhes dava a verdade sobre eles mesmos revelando a todos os que estivessem em volta sua forma interior. Às vezes isto trazia alegria, mas quase sempre o presente concedido só trazia desespero ao seu portador e não havia como voltar atrás, pois o presente não podia ser devolvido.

— Já estamos perto? – pergunta um homem alto e forte ao pequeno e deformado guia.

— Quase milorde.

— Tem certeza que essa criatura faz o que diz a lenda?

— Absoluta certeza milorde. Eu mesmo fui agraciado com o seu presente – diz ele virando-se para encarar o cavaleiro com seu único olho.

— Mesmo! O que você era então antes de receber esse “presente”?

— Alguém como o senhor, milorde

— Você não é e nunca será igual a mim velho, o que aconteceu contigo não acontecerá comigo, pois sou um Lord e não será um simples feitiço que me afetará. – Cacarejou Luthengo ao guia.

— Eu também disse exatamente a mesma coisa ao guia que me levou até ela.

— Cale-se velho. Não vou ouvir mais suas tolices.

— Que assim seja milorde. – incomodado o velho guia olha na direção do pajem de Luthengo - Seu pajem é mudo?

— Não. Eu o proibi de falar qualquer coisa desnecessária aos meus ouvidos.

— Na próxima clareira encontraremos o que procura milorde, tem certeza que quer continuar?

— Já lhe disse para não me aborrecer com suas tolices, velho. Na próxima corto sua língua, entendeu?

— Como quiser senhor. “Se arrependerá amargamente idiota” – pensa o guia com rancor.

— Com uma certa dificuldade, eles conseguem chegar a clareira. E lá só encontram um lugar deserto.

— Quem brincadeira é essa velho? Não tem nada aqui.

— Creio que foi enganado, meu senhor. Vamos embora levando esse guia tranbiqueiro cativo para que aprenda a não fazer mais ninguém perder tempo precioso – diz o pajem com autoridade peculiar.

— Cale-se menino! Deixe o velho falar, ele deve ter uma boa explicação para isso. – diz Luthengo num tom estranhamente calmo – E pela última vez, não se dirija mais a mim dessa forma, você é apenas meu pajem.

— Perdão, meu senhor.

— Por que o tolera tanto? Esse menino é muito insolente. – diz o guia espantado com a arrogância do pajem.

— Tenho meus motivos, e eles não são da sua conta. Agora me diga onde está o elfo de quem falou, ou farei o que meu pajem disse.

— Milorde! Tenha um pouco de paciência ele logo aparecerá, e só esperar. Foi assim comigo também, tive que esperar uma tarde inteira para receber o meu presente.

— Você quer dizer sua maldição, não é velho? – o pajem sorri de leve.

— Cale-se Alec! – diz o cavaleiro irado – Mais uma dessas e quando voltarmos nem o conselheiro Morgan irá salvar sua pele.

— Lamento, Senhor!

— Tem uma língua afiada meu rapaz. – diz o guia com uma certa mágoa.

— Às vezes, como uma espada, senhor.

— Alec!

— Me perdoe novamente, Lord Luthengo. Sei que falo demais.

— Vamos discutir isso uma outra hora; agora voltando ao assunto, eu não tenho paciência para esperar uma tarde inteira, ciclope. Ou esse seu elfo aparece nesse exato momento, ou você irá apodrecer o resto da vida num calabouço sujo, escuro e fedorento do meu castelo, entendeu?

— Milorde! Seja misericordioso, isso não depende de mim.

— Mas sua liberdade depende disso, compreende? Então faça qualquer coisa para invocá-lo. Cante, dance, grite, entoe palavras mágicas, mas traga-o aqui, pois preciso vê-lo.

— Senhor! Já lhe disse.

— Se mova verme. Isso é problema seu.

— Nada disso será necessário, senhores?

— Neste momento, uma figura esguia aparece bem diante dos olhos deles flutuando a um metro e meio do chão.

— Você realmente revela as pessoas o que elas são por dentro elfo? – pergunta Luthengo com désdem.

— Sim, milorde, mas está realmente disposto a aceitar o meu presente?

— O que acha elfo? Vim até aqui somente para isso e prometo recompensá-lo generosamente se me der o que quero.

— Não necessito dos seus favores milorde. Quero apenas saber se aceita o que lhe ofereço, pois se eu lhe der esse presente, não poderá voltar atrás.

— Não me teste, orelhudo, sei muito bem o que sou por dentro. Acha que posso ter alguma dúvida sobre isso?

— Deveria milorde. Deveria.

— Pare com essa conversa fiada e lance logo o seu feitiço sobre mim nanico, sou uma pessoa muito ocupada. Não tenho o dia todo para esperar sua decisão.

— É muito impaciente, senhor. Deve aprender a ser mais ponderado em suas decisões se quiser governar algum dia.

— Como sabe do meu desejo?

— Eu sei enxergar dentro das pessoas o que elas são e o que querem, já deveria saber.

— Tem razão, mas qual sua decisão? Me dará o presente?

— Não acho que queira, senhor.

— O quê? – diz ele gritando de ódio. – Sabe quem eu sou? Pagará por essa insolência elfo, arrancarei suas víceras e as darei para os meus cães.

— Suas ameaças são tão vazias quanto sua cabeça, milorde. Se não lhe dou o que quer é porque senti pena de você. Devia tomar isso como um presente em si, pois não costumo ter pena de ninguém. Se soubesse o que é, lamentaria o resto da sua vida por isso. E lhe digo ainda que se recebesse o meu presente, se tornaria uma criatura mais asquerosa que o seu guia, mais nojenta que um verme. Ainda está disposto a aceitar o meu presente?

— Diante disso, Luthengo teve que recuar pois não sabia se o elfo estava mentindo ou não.

— Está bem! Mas ainda quero ver a manifestação do seu poder. Quero ver se ela é real ou não, assim poderei acreditar sem a menor sombra de dúvida nas suas palavras.

— Aceito sua condição, mas apenas porque foi sensato. – disse o elfo se aproximando de Luthengo e sorrindo para a ele. – Então escolha alguém.

— O que acha do guia?

— Não meu senhor, já recebi meu presente.

— Ele tem razão cavaleiro. Que tal o seu pajem, ele é um menino bastante peculiar pra mim.

— Se o deseja. Mas ande rápido, precisamos ir logo embora.

— Menino, qual seu nome?

— Precisa disso para fazer o seu encanto?

— É inconvenientemente observador, criança. Não sei como esse cavaleiro estúpido ainda não o decapitou.

— O que disse? – Luthengo estava possesso.

— Senhor! Contenha-se – disse o guia alarmado – Elfos são assim mesmo.

— Mais uma dessas elfo...

— E o que milorde fará, vamos diga – insistiu o elfo com um olhar estranho.

— Deixa pra lá. – aquiesce Luthengo com ar de decepção.

— Mas continuando menino, quer o meu presente ou não.

— Não.

— Por que?

— Assunto meu.

— Está louco Alec, é um presente. De acordo com o guia esse elfo miserável nunca fez isso com ninguém! Aceite. E isso é uma ordem.

— Não posso obedecer desta vez, senhor.

— Por que não quer aceitar meu presente, menino? Não terá outra oportunidade assim nunca.

— Por que insiste nisso? Já não lhe disse que não quero seu presente tolo?

— Alec! Está louco?! – pergunta Luthengo absorto. – Pode estar desperdiçando a oportunidade de toda uma vida!

— Milorde! Tenho que lhe dar um pouco de crédito, mas prefiro fazer minhas próprias oportunidades, não preciso de magia para isso.

— Palavras sábias, menino! Mas de uma maneira ou de outra preciso tomar conhecimento de sua forma interior.

— Conseguiu descobrir isso de meu senhor que está acima de mim. E agora me diz que quer saber o que sou no meu íntimo, qual o significado disso?

— Como disse antes, é inconvenientemente observador criança. – sussurrou o elfo de forma rancorosa – Mas realmente, não consigo olhar para dentro de você. Por isso preciso saber quem está na minha frente agora; não sei se você é amigo ou inimigo, bom ou mau e isto por si só já é motivo para que eu não deixe nenhum de vocês ir embora, até que você aceite o meu presente.

— Alec, não seja tolo! Aceite. – Luthengo estava quase implorando.

— Os outros não participaram de minha decisão. Por que não os deixa ir? – pergunta Alec sem perder a calma.

— Por que estão com você, e portanto, participam de seu enigma; por isso, não os deixarei partir. – desta vez o elfo se aproximou mais – Será melhor para todos que você aceite o que propuz.

— Muito bem. Não quero ser responsável pela prisão de ninguém. – diz Alec suspirando. – Mas há uma condição.

— Condição!!!!!!! – em uníssono, Luthengo e o guia se exaltam com medo.

— Calem-se – Ordena o Elfo. – E que condição seria essa?

— Pode usar sua mágica em mim. Mas deverá desfazer o feitiço logo depois e também quero que apenas você veja o que essa... “forma”.

— Nunca alguém me devolveu um presente – diz o elfo com indignação.

— Não tem escolha elfo. Ou isso, ou nunca irá saber se sou amigo, inimigo, bom ou mau.

— Então que assim seja. – grunhe o elfo de relutância. – Mas como pode ter tanta certeza de que vou cumprir com minha palavra?

— Você não é um cavaleiro de armadura brilhante. – Luthengo não consegue disfarçar a raiva.

Imediatamente o elfo cria uma névoa ao redor deles e entoa o seu canto secular, o feitiço é realizado. Apenas as palavras do elfo são ouvidas:

— Perdoe-me não conseguir ver sua pessoa. – diz ele com admiração. – Lamento tê-lo forçado a isto.

— Não se sinta culpado, Di. Não tinha como saber. – fala Alec com uma voz bem diferente da original.

— Mesmo assim, agradeço sua paciência. – manifesta Di ainda envolto na névoa.

— Já que viu o que queria, agora reverta o feitiço.

— Como quiser.

— A névoa se desfaz como se nunca tivesse existido revelando a presença de Alec e do Elfo.

— Quer que eu faça mais alguma coisa? – pergunta o elfo com uma submissão espantosa.

— Apenas continue seu trabalho. Ele terá um papel importante no futuro. – diz Alec se aproximando de seu grupo.

— Boa sorte meu amigo. Que seus oráculos o guiem em sua jornada. – fraternalmente Di coloca a mão no ombro de Alec.

— Que eles guiem você também.

— Vamos. – a autoridade de Alec é sentida por todos.

— Com que autoridade diz para irmos insolente? – Luthengo esbraveja irado.

— Nenhuma senhor, só disse para irmos; mas se quiser ficar não há problema.

— Não brinque comigo rapaz. A propósito, o que mostrou a esse anão verde para que ele ficasse tão estarrecido.

— É melhor não saber meu senhor. – pela primeira vez Alec parece apreensivo.

— Mas quero saber rapaz. E exijo uma resposta sua. O que mostrou ao elfo? Que segredos esconde de mim? – o olhar do cavaleiro era estranho agora.

— Milorde, já foi uma sorte o senhor sair daqui ileso. – o guia intervem temeroso, parecendo pressentir uma catástrofe.

— Não se meta ciclope inútil, isso não é da sua conta.

— Seria melhor ouvir seu guia, Luthengo. – Di de repente se manifesta. – Se o menino tem algum segredo deve ter um bom motivo para isso, acho melhor respeitar isso ou poderá finalmente receber meu presente e já sabe qual será seu destino se o receber.

— Está bem guarde quantos segredos quiser Alec. – o cavaleiro estava muito contrariado. – Contanto que não seja nada contra mim.

— Posso lhe garantir milorde. – Alec se inclina em reverência. – Não tenho nada contra o senhor.

— Ótimo. Então vamos sair desta floresta maldita. Esses mosquitos estão me deixando furioso.

E assim os três deixaram o lugar. E enquanto eles sumiam floresta a dentro; Di os observava de longe. Desse dia em diante ele não presenteou mais ninguém.

— Não ligue para os espinhos que o aguardam Alec. – seu sorriso era enigmático.

Dizendo isto Di desapareceu e só foi visto novamente depois de muito tempo, mas essa é uma outra história.

FIM