VIOLONCELO

Caminhava apressadamente, cruzando a pracinha próxima do trabalho quando esbarrou com o ex primeiro namorado. Foi um encontro prá lá de casual, e ela não pode deixar de pensar no destino. Ele foi sem dúvida sua maior paixão, o que em sua vida pode representar com exatidão a palavra amar.

Ela tinha 17 anos quando o conheceu. Foi no primeiro dia de aula. Havia passado as férias na praia, estava queimada de sol e os cabelos que tinham se aloirado, davam uma acentuada em sua aparência jovem. Chegou já um pouco atrasada e se dirigiu à frente da sala (sempre sentava na frente). Antes de se sentar passou os olhos ligeiramente para ver se identificava algum antigo amigo de turma. Foi nesta hora que seus olhos cruzaram com o dele que lhe fitavam. Breve olhar.

Ele se aproximou da amiga dela que era mais acessível e depois de um tempo e dos incentivos da amiga-cupido os dois finalmente se falaram. Dificil lembrar exatamente das primeiras palavras, muito tempo havia se passado. Mas deste dia em diante os dois eram como uma "simbiose". Ficaram conhecidos assim nas aulas de biologia, quem os batizou desta forma foi o professor César, biologia era a matéria que ela mais gostava.

E eles se tornaram mais que amores, foram amantes amigos e confidentes. Mas eram sim uma "simbiose"...sentiam pelo outro, viviam pelo outro, eram vistos sempre juntos...sempre.

Eles se encontravam as escondidas quando a mãe dele saía, e então desfrutavam daquele amor e daquele tesão incontido e cheio de descobertas. Se exploravam ao máximo. Ela sentia que o mundo parava nesta hora, tamanha era a felicidade que a envolvia. Com esta intensidade de sentimento expressa em corpos, deu a isto o nome de "gozo de alma". Gozar com o corpo é fácil, é biológico, uma reação do organismo..do momento, do prazer. Gozar com a alma é único. É um gozo que se estende e que só poucos conseguem desfrutar. Poucas vezes gozou com a alma, mas com ele foi sempre assim.

E agora depois de muita caminhada percorrida, ela já estava bem distante daquele amor quando se esbarrou com ele. E ele comentou irônico: "Quando eu te conheci você era um violão...agora é um violoncelo!!". Ela achou interessante o comparativo, visto que ele se referia as suas formas (estava bem mais cheinha). Eles trocaram poucas palavras, marcaram um encontro prá depois. Ela ia do trabalho apressada para pegar os filhos no colégio, ele tambem tinha seus compromissos. Despediram-se.

Ela havia saído de um relacionamento com o pai dos seus filhos, mas não pensava em se envolver com ninguém, em sua mente o que queria era dar um tempo e colocar a sua vida em ordem, rever as suas prioridades e se cuidar. Mas este encontro podia significar alguma coisa a mais.

Por muito tempo eles ficaram sem se ver, mas este não foi o primeiro encontro casual.

Eles se reencontraram pela primeira vez depois de um longo periodo de afastamento, em uma obra sim do acaso. Ela voltava da casa de uma amiga. O onibus em que ela estava parou em um sinal, que coincidentemente ficava próximo a um ponto de onibus. Ela olhou pela janela e o reconheceu, mas ele estava absorto com a musica do walkman e não percebeu a presença dela. Foi só quando o onibus estava já acelerando que ele cruzou o olhar com o dela, como no primeiro dia de aula. Apesar do tempo sentiu àquele friozinho na barriga e sabia que ele iria atrás dela. O que se confirmou quando ela, ao saltar do onibus, viu-o saltar no imediato atras ao dela.Veio ao seu encontro.

Disse que estava casado mas era infeliz, como a se justificar, foi engraçado ve-lo assim, ele parecia não crescer nunca, na visão dela ele seria sempre aquele garoto que conheceu, com corpo de homem e mente de menino. Ela o convidou para entrar, ele pode ver os filhos dela dormindo, trocaram breves palavras e se despediram. Nos olhos dele haviam uma sombra de esperança que ela não tinha a menor idéia se poderia alimentar.

Se encontraram depois algumas vezes. Foram ao cinema, ao teatro, eram sempre encontros de amigos, amigos mesmo, um tempo que era descomplicado. Se pegavam de mãos dadas no cinema, mas não chegaram a trocar um beijo sequer. E ela em seu intimo passou a desejá-lo. Ela não queria compromissos, mas queria sentir o corpo dele e queria sentir novamente a sensação de gozar com a alma. E ele tinha medo. Medo de que? Um dia eles se encontraram no parque laje para mais uma conversa e uma tarde juntos, subiram uma trilha que ia dar em uma pequena cachoeira, um lugar aconchegante, e ali ficaram a conversar. Ele confidenciou que tinha medo dela, medo do que este encontro mais intimo poderia resultar. Falou de um amor dentro dele que nunca deixou de existir, de um casamento não satisfatório. Ele tinha medo de gozar com alma, disse que sabia que se fizesse isto seria o desencadear de uma situação que ele não estava pronto para viver. Se dizia um marido fiel e conformado até aquele momento, mas que se fosse prá cama ele não teria coragem de olhar para a mulher e teria que se separar dela. Ela não acreditou no que ouvia. Achou-o covarde, fraco e limitado, mas acabou se conformando. Os encontros continuaram e era impossivel para quem soubesse do caso acredita-los como amigos, mas assim era. Ela se impacientou com o desejo que crescia ao olhar para ele e lembrar daqueles encontros tão únicos.

Ele tomou coragem e marcaram então finalmente de se encontrarem e irem para um motel. Se encontraram, mas ele simplesmente disse que não podia continuar, que tinham que parar de se encontrar, que seria melhor para os dois. Fraco! Mas ela aceitou e não voltaram mais a se ver.

Até que de se esbarraram na pracinha!

Violoncelo!

A música não é a mesma, com certeza o instrumento tem que ser diferente.

A vida e o tempo fazem com que tudo se torne mais intenso, inclusive as formas.

Não voltaram mais a se ver, ela não deu o telefone certo para ele.

Pensou que ele estava exatamente aonde deveria estar, nas suas melhores memórias e que se ele tentasse sair de lá a melodia jamais seria a mesma.

Violoncelo!