O OITAVO SELO
O OITAVO SELO
JOGANDO PORRINHA COM A MORTE
- Eis cá eu com meu fim. Nunca inesperado, sempre impressentido. Quem sou mais que alguém para não ser essa corda esticada entre um abismo, sem liga de fato entre um e outro. Lona.
- És humano, não mais que isso, sabe de sua finitude e jamais pode me predicar impressentir sendo tão incauto quanto é. Aposta em lona segurando um palitinho na mão, ó criatura.
- Perdão pela imprudência. Me comove estar defronte de minha morte. Não espere que eu ainda conserve o gosto por contar. São poucas as coisas que quero contar, tantas seriam caso não me envergonhasse de muitas delas. 3.
- Não preciso que conte nada do que imagina precisar, apenas os palitinhos. De resto, estive com você sua vida inteira, a cada momento, dos mais sórdidos aos mais sacros. Não sou juiz de nenhum deles. Meu fim é esse que conhece, findar essa etapa de sua jornada, e talvez iniciar outra. Não conheço nada além do limiar em que transito. 2.
- Entendo. É um fardo, mesmo para um ente como tu, apagar a centelha das crias do mundo. São tantas...1
- Por isso troquei o xadrez pela purrinha. Tem tornado mais ágil o processo. Principalmente com pessoas como tu que são uma negação nisso. Lona.
- É...parece que foi. Perco com a magnanimidade de alguém que perdeu em um jogo de buteco. Creio que fiz tudo o que pude em vida para chegar até aqui, exceto, talvez, ser um pouco melhor em contar. Sigamos, esperado amigo, adelante com meu sono solene. Que em meu epitáfio haja a gravura de dois palitos, que é tudo que sobrei em mãos. O resto deixei para a terra profanar.
- Já era hora. Me acompanhe, alma perdida, para seu devido descanso. Algum último pedido?
- Uma melhor de 3?
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Paródia do filme O Sétimo Selo de Ingmar Bergman, no qual uma das cenas icônicas é um jogo de Xadrez entre a Morte e o cavaleiro protagonista.